Sociedade Brasileira de Hansenologia divulgará manifesto contra mudança no tratamento de pacientes no Brasil

Trabalho de busca ativa de casos de hanseníase em Mosqueiro (PA). Foto: Claudio Salgado

A Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) divulga nesta quinta-feira (10) o manifesto intitulado Posicionamento oficial da SBH e outras entidades ao  Ministério da Saúde do Brasil sobre MDT-U. No documento, a entidade questiona a implantação do esquema Multidroga Terapia – dose única (MDT-U) que padroniza em 6 meses o tratamento para todos os doentes de hanseníase, usando as mesmas drogas adotadas no Brasil há 40 anos.

Há duas classificações gerais para os pacientes de hanseníase: aqueles que apresentam poucos bacilos, chamados paucibacilares, e os que apresentam muitos bacilos, ou multibacilares. No primeiro caso, o tratamento de seis meses pode neutralizar a carga de bacilos no organismo, mas há casos que exigem até um ano de tratamento. Já para os pacientes multibacilares, o tratamento pode levar até 24 meses.

Nos dois casos, as recidivas podem ocorrer entre seis a 10 anos ou mais após a alta do paciente. E há ainda o risco de falência do tratamento; ou seja, o paciente ainda apresenta bacilos vivos ao final do tratamento.

“Há quatro décadas usamos as mesmas medicações, que já não mostram eficácia em muitos tratamentos de 12 meses, imagine tratar todos os pacientes em seis meses!”, alerta o presidente da SBH, Claudio Salgado. Segundo ele, “o esquema MDT-U pode mascarar, por certo tempo, a endemia que existe no Brasil e deixar milhares de doentes em situação de risco, pois o bacilo continua agredindo o sistema nervoso e a hanseníase tende a evoluir provocando incapacidades irreversíveis”.

Pesquisadores relatam, ainda, o alto número de doentes e ex-pacientes de hanseníase com sequelas graves que geram afastamento temporário ou permanente do trabalho e outras atividades.

A médica Isabela Goulart, coordenadora do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase (CREDESH), do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG), apresentou ao Comitê Técnico Assessor (CTA) de Hanseníase, da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, em reunião no dia 15/12/2017, dados do CREDESH referentes aos anos de 2015 a 2017 que apontam índices de 15% de recidivas, 8% de insuficiência de tratamento e 8,8% de falência de tratamento em pacientes multibacilares, após 12 meses ou 24 meses de tratamento. Ela relata casos de pacientes que já chegaram as 12 doses; ou seja, um ano de tratamento, com índice baciloscópico maior que 3 (em escala que vai de 0 a 6), considerado alto pelos hansenologistas.

A SBH ressalta que não há pesquisas científicas que comprovem a eficácia do esquema MDT-U. “Nenhum país adotou o MDT-U. Os poucos estudos existentes carecem de dados seguros”, comenta Salgado. A SBH analisou todos os trabalhos científicos que tratam do tema no documento que divulga nesta quinta-feira.

Segundo Salgado, “mesmo diante do posicionamento da SBH, contrário ao MDT-U, bem como da manifestação contrária de quatro dos seis centros de referência nacionais em hanseníase, não há sinalização do Ministério da Saúde em suspender a implantação do esquema MDT-U para uma discussão mínima com usuários, nem com as diversas entidades que representam profissionais de saúde e cientistas deste país”.

As sociedades e associações signatárias do documento a ser divulgado amanhã pela SBH solicitam ao Ministério da Saúde que suspenda toda e qualquer proposta de implementação do MDT-U e disponibilize recursos para incrementar os treinamentos e capacitações em hanseníase aos profissionais de saúde das estratégias de saúde da família em todo o Brasil; dê suporte à busca ativa de casos novos da doença, aumente a quantidade e a qualidade do exame de contatos (avaliação das pessoas que convivem com doentes), mensure o real percentual de casos com resistência medicamentosa e disponibilize novos medicamentos para esquemas substitutivos aos pacientes com resistência ou que não consigam fazer uso dos medicamentos padronizados para o tratamento atual da hanseníase.

“Acreditamos que com a reação em peso de sociedades e instituições médicas e de pesquisa respeitáveis no Brasil, o Ministério da Saúde reavalie a posição de implantação do esquema MDT-U e disponibilize condições para que o país inicie uma política estratégica de enfrentamento da hanseníase”, diz Claudio Salgado.

O Brasil registra cerca de 30 mil novos casos de hanseníase a cada ano, mas a SBH alerta que há uma endemia oculta e os números reais podem chegar a 5 vezes mais. A entidade denuncia o alto número de doentes menores de 15 anos – a hanseníase leva de 5 a 10 anos para se manifestar e é preocupante encontrar casos em crianças. A SBH divulgou carta aberta em novembro de 2017 chamando a atenção de autoridades e da sociedade civil para o problema: falta profissionais qualificados para “enxergar” a doença, falta formação em hanseníase nas universidades, falta capacitação para equipes de serviços de referência e estratégia da família. “Com isso, não há como pensar em controle da hanseníase no Brasil nos próximos anos”, conclui Salgado.

Redação

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