Vigilância participativa pode prever picos de Covid-19, dizem estudos

Duas das mais prestigiadas revistas científicas do mundo legitimaram a vigilância participativa como metodologia para prever picos de casos confirmados da Covid-19. Os estudos foram realizados a partir de relatos de mais de 2,5 milhões de voluntários por meio de um aplicativo usado nos Estados Unidos e no Reino Unido. No Brasil, a abordagem também vem sendo aplicada com milhares de pessoas pelo Movimento Brasil Sem Corona.

Vigilância participativa é um método de construção coletiva de informação epidemiológica baseado no relato de sintomas e de exposição ao risco dos cidadãos. A proposta é estimar a real dimensão de epidemias e complementar dados da saúde pública, podendo ajudar governos a direcionar ações de combate e prevenção de doenças. Uma característica essencial do método é compartilhar com a população a informação gerada sobre a atividade da doença no território.

Em estudo publicado na revista Nature, além de validar a vigilância participativa, os pesquisadores concluíram que perda do paladar e do olfato são sintomas potenciais para prever a Covid-19, junto com tosse e febre alta. A outra pesquisa, publicada na Science, mostra que a vigilância participativa conseguiu antecipar com 5 a 7 dias de antecedência dois picos de notificação oficial da doença no sul do País de Gales.

“Diante da subnotificação de casos e da escassez de testes para a Covid-19, a vigilância participativa ajuda a antecipar a informação de possíveis áreas com concentração de casos e possibilita que o gestor público planeje e direcione testagens, tratamentos e recomendações de isolamento social”, diz Onicio Leal, epidemiologista e PhD em Saúde Pública, cofundador da startup Epitrack, à frente do Movimento Brasil Sem Corona.

Brasil Sem Corona monitora risco da Covid-19 em todo o país

O Brasil Sem Corona está mapeando desde 20 de março o risco do avanço do novo coronavírus pelo território nacional, com a colaboração de milhares de cidadãos. O mapa gratuito e disponível em www.brasilsemcorona.com.br mostra os dados geolocalizados e atualizados em tempo real dos casos considerados suspeitos, graves e confirmados, com alguns sintomas e sem sintomas. A classificação é feita por um modelo epidemiológico sindrômico desenvolvido por pesquisadores da Epitrack, startup de inteligência de dados para o monitoramento e controle de doenças.

O Brasil Sem Corona é uma iniciativa encabeçada pela Epitrack junto com a startup Colab, aplicativo de engajamento de cidadãos e governos, por onde os voluntários reportam como estão se sentindo. O Colab foi escolhido como plataforma para a pesquisa por já ser usado por mais de 300 mil brasileiros em milhares de municípios e ser adotado por mais de 100 prefeituras para uma gestão pública mais eficiente e colaborativa.

As informações fornecidas pelos voluntários já são utilizados pelas gestões públicas de Maceió (AL), Santo André (SP), Teresina (PI), Ipojuca (PE) e Caruaru (PE), como complemento às informações de seus sistemas de vigilância de saúde.

Pesquisadores podem conduzir estudos independentes

Pesquisadores e organizações interessados em desenvolver estudos independentes a partir das informações fornecidas pelo Brasil Sem Corona podem solicitar acesso à base de dados do movimento.

Cientistas brasileiros envolvidos no projeto têm conduzido pesquisas locais, como as que identificam o deslocamento de usuários que relatam estar com sintomas da Covid-19.

No primeiro mês do Brasil Sem Corona foi possível constatar que 30% dos usuários do estado de São Paulo descumpriram a recomendação de isolamento social e se deslocaram mais do que 1,1 km. Do total, 8,5% reportaram algum sintoma da Covid-19. Já no estado do Rio de Janeiro, a taxa de deslocamento acima de 1,1 km foi de 32%, sendo que 9% foram classificados como usuários com sintomas da doença.

“Apesar de não sabermos se os usuários estão se deslocando para atividades essenciais, esse tipo de informação é estratégica para os gestores públicos diante do alto grau de transmissão do novo coronavírus, inclusive em casos leves”, diz o pesquisador Onicio Leal.

Curva de contaminação é desigual entre classes sociais

Os dados extraídos pelo Brasil Sem Corona também possibilitam fazer outros tipos de análises que ajudam profissionais da saúde no combate ao coronavírus, como as que apontam o ritmo de contaminação entre as classes mais altas e as mais baixas.

Um segundo questionário, que examina a situação socioeconômica dos voluntários, está sendo aplicado em cidades com base de usuários com participação consistente.

Em Santo André (SP), os pesquisadores observaram que as pessoas de classes sociais A e B (com renda domiciliar acima de R$ 8.159) relatam ter cada vez menos sintomas, enquanto as de classe D e E (renda abaixo de R$ 1.892) relatam mais sintomas com o passar do tempo. Além disso, 35% dos mais ricos afirmam sair de casa apenas para atividades essenciais, enquanto entre os pobres a parcela é de 83%.

Redação

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