Artigo – O futuro do big data no setor de saúde

Dados sempre foram os insumos para uma medicina baseada em evidências e para a inovação no setor de saúde. O fato de se tratar de saúde torna as informações mais sensíveis e leva as discussões sobre o uso maciço de dados a um ritmo mais lento, em comparação a outras indústrias. A pandemia evidenciou a necessidade de utilizarmos melhor os dados para tomada de decisão no setor. Alguns exemplos são a integração de registros de vacinação nos aplicativos e os indicadores de transmissão, mortalidade e vacinação por Estado, trazendo insumos para decisões em saúde pública baseada em dados.

Alguns dos benefícios da utilização de dados para melhorar o ecossistema de saúde estão relacionados à transparência de indicadores de preços, qualidade assistencial, experiência dos pacientes e desfechos. A interoperabilidade, termo cada vez mais importante nessa discussão, consiste na capacidade de os dados transitarem entre sistemas e entes da cadeia de valor, em padrões que possam ser entendidos por todos. O resultado é a possibilidade de os usuários levarem seus históricos de saúde para onde quer que seja feito seu cuidado, para melhorar a experiência, garantir continuidade do tratamento e atendimento e diminuir a necessidade de realização de exames duplicados, mesmo que o paciente transite entre diferentes empresas do sistema de saúde.

Considerando que atualmente o sistema de saúde é remunerado por volume de procedimentos, em vez de valor, que considera a pertinência de um procedimento, seu custo e desfecho, é indispensável que, para a sustentabilidade do setor de saúde, preparemos os alicerces para novos modelos de remuneração. Apenas com dados que possam ser interoperáveis e transparentes é possível avaliar quem presta o melhor serviço, do ponto de vista de qualidade e custo, e realizar a remuneração adequada, premiando quem mostrar melhores resultados ao paciente. Essa é uma discussão complexa, que já acontece há muitos anos, mexe no status quo do setor, mas que tem ficado cada vez mais madura.

O tema open health está sendo bastante discutido na mídia, com diversas visões de futuro, porém seu significado e amplitude ainda não estão claros. As comparações com o open finance são válidas, mas simplistas, porque existe uma complexidade no sistema e nos dados de saúde que precisa ser levada em consideração. A LGPD já é uma iniciativa estruturante para o início das discussões, pois contempla as problemáticas da sensibilidade dos dados e traz regras claras para garantir segurança ao cidadão.

Um elemento importante nessa discussão é a Lei 9656/98, que veda a possibilidade de planos de saúde praticarem seleção de risco com base em dados pessoais de saúde, protegendo o consumidor. Diferentemente do setor financeiro, que pode analisar o histórico financeiro do usuário para calcular o risco de crédito, na saúde, por exemplo, empresas de planos de saúde não podem selecionar apenas as pessoas que têm histórico saudável para oferecer um plano de saúde com preços menores.

No plano de transformação digital do governo federal, está posto que, até 2028, a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) deverá estar estabelecida e reconhecida como a plataforma digital de dados em saúde e parte estruturante do Programa Conecte SUS. A RNDS foi posta à prova durante a Covid-19 e já apresentou ganhos relevantes para a sociedade, pois recebeu e organizou diversos dados relacionados à vacinação, resultados de exames e emissão de certificados. O futuro da integração do sistema de saúde deve contemplar os sistemas público e privado, e passar por todos os elos da cadeia. A RNDS já é uma importante iniciativa. O projeto traz uma promessa grande, mas certo ceticismo, quando avaliamos a sua dimensão. Unificar dados de um país continental como o Brasil não é tarefa fácil.

Muitos países asiáticos, europeus e norte-americanos estão discutindo de forma estruturada a utilização dos dados da saúde, com o objetivo de proporcionar maior acesso, melhores resultados e redução de custos. Essas discussões são benchmarkings para o Brasil, e têm como característica agregar visões dos mais diversos entes da cadeia: pacientes, órgãos públicos, setor privado e outros. Dito isso, vale ressaltar que existem muitas questões de segurança da informação e fatores éticos no uso de inteligência de dados, por exemplo, que precisam ser amplamente discutidos, para que possamos mitigar possíveis equívocos no uso de dados na saúde.

Como já dizia o escritor e futurista William Gibson, “o futuro já chegou, só não está uniformemente distribuído”. O futuro já acontece em algumas empresas privadas. Os grandes grupos de saúde que estão trabalhando na integração de dados “intramuros”, investem recursos em projetos de transformação digital, construindo seus próprios data lakes e algoritmos de inteligência artificial. Para o consumidor final, o desejo é que as soluções em saúde tenham as mesmas características encontradas em outros setores: maior concorrência, experiência digital mais fluida e inteligente e custos mais baixos.

A possibilidade de ter os dados dos pacientes transacionando entre o SUS e a rede suplementar traria uma visão 360°, melhoraria a fluidez do cuidado, a possibilidade de análise de desfechos, a eficiência e a diminuição do desperdício. Em um país com as dimensões do Brasil e a histórica escassez de recursos para investimentos, é mais factível que o open health aconteça em ondas.

Existe um trabalho que discute a primeira onda sobre o tema, formado pelo Ministério da Saúde, e composto também por representantes da, ANS, Ministério da Economia e Banco Central. O grupo em questão divulgou um relatório em maio de 2022 sobre o “Aprimoramento do setor de saúde suplementar, mediante compartilhamento de dados de usuários e provedores de serviços de saúde”. No documento, são listadas as iniciativas já existentes nas diferentes instituições, as prioridades e as possíveis fases para a implementação de um compartilhamento amplo, que englobe todo o setor de saúde no Brasil. O futuro do uso de dados na saúde já começou, e podemos esperar discussões crescentes sobre o tema.

Jorge Carvalho é head of health na Semantix

Redação

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