A hanseníase (lembrada este mês pelo Janeiro Roxo, pela luta e conscientização) é uma das doenças mais antigas da humanidade e já havia sido comprovada em múmias do Egito antigo. Há, inclusive, relatos na Bíblia, no livro de Levítico, e os sacerdotes tinham que isolar e fazer a purificação das pessoas acometidas. As referências mais remotas datam de 600 a.C. e procedem da Ásia, que, juntamente à África, são consideradas o berço da patologia infecciosa de evolução longa e causada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (em memória de seu descobridor, o médico Gerhard Armauer Hansen).
O microrganismo acomete, principalmente, a pele e os nervos das extremidades do corpo. Embora seja uma doença basicamente cutânea, pode afetar os nervos periféricos, os olhos e, eventualmente, outros órgãos. O período de incubação pode durar de seis meses a seis anos.
A transmissão ocorre por meio de convivência muito próxima e prolongada com o doente, através de contato com gotículas de saliva ou secreções do nariz, da forma transmissora chamada multibacilar, que não se encontra em tratamento. Os sintomas aparecem, primordialmente, nas extremidades das mãos e dos pés, no rosto, orelhas, nádegas, costas e pernas. São manchas esbranquiçadas, amarronzadas ou avermelhadas, com perda de sensibilidade ao calor, ao toque e à dor. É possível uma pessoa queimar a pele na chama do fogão ou em uma superfície quente e sequer perceber.
A sensação de formigamento também é um sinal da doença, cujos sintomas podem aparecer de diversas formas: sensação de fisgada, choque, dormência e formigamento ao longo dos nervos dos membros; perda de pelos em algumas áreas e redução da transpiração; redução de força na musculatura das mãos e dos pés; e caroços no corpo, em alguns casos avermelhados e dolorosos.
É importante lembrar que há cura para a hanseníase e os medicamentos são distribuídos gratuitamente nas unidades básicas de saúde (UBSs) pelo SUS. O tempo de tratamento pode variar entre seis (em pacientes que têm a forma mais branda da doença) e 12 meses (aqueles com o tipo mais grave).
O tratamento é longo, mas eficaz se não for interrompido, sendo muito importante segui-lo à risca para eliminar completamente os bacilos. O diagnóstico precoce, o tratamento oportuno e a investigação de contatos que convivem ou conviveram, residem ou residiram, de forma prolongada com o paciente são as principais formas de prevenção. Portanto, fica o alerta para sempre procurar um especialista da Sociedade Brasileira de Dermatologia para investigar quaisquer tipos de lesão ou sintomas.
Outros pontos importantes a serem discutidos sobre a transmissão milenar da hanseníase são moradia e saneamento básico, que também deveriam ser amplamente discutidos pelo Janeiro Roxo, já que as condições precárias favorecem a ação da Mycobacterium leprae. Segundo dados da 14ª edição do Ranking do Saneamento, publicado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados, aproximadamente 35 milhões de pessoas vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto no Brasil. Já uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 45 milhões de brasileiros vivem em mais de 14 milhões de domicílios em situação de precariedade. Dentre os principais problemas estão o acesso à água e ao esgoto.
Portanto, além de tratarmos a hanseníase como uma doença, precisamos enxergá-la, ao menos em âmbito nacional, como algo também de natureza sociopolítica. É preciso que o poder público volte o olhar a tais problemas com urgência, não apenas pela dignidade das pessoas, mas também pelo prisma da saúde geral da população. É um dos nossos principais exemplos da necessidade impreterível de começarmos a prevenir para não precisarmos remediar.
Theodoro Habermann Neto é dermatologista do Vera Cruz Hospital, de Campinas (SP)