São mais de 131 mil internações por traumatismo cranioencefálico (TCE) a cada ano, sendo que os jovens entre 20 e 29 anos representam 21% dos casos. Esses números preocupantes foram divulgados em um artigo publicado na Revista Brasileira de Terapia Intensiva, com base em dados do DataSUS. A alta incidência de TCE na população representa uma carga significativa para a saúde pública e é apontada pelo Ministério da Saúde como a principal causa de morte prematura e incapacidade no Brasil. Diante de lesões cerebrais graves, os neurocirurgiões unem esforços com uma equipe multiprofissional para salvar vidas e reduzir as sequelas dos pacientes.
Acidentes de trânsito, quedas e agressões estão entre as ocorrências mais comuns que chegam aos centros especializados em trauma, como o Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR). Além de escoriações e ferimentos leves, essas situações podem resultar em lesões mais sérias, como traumatismo craniano ou cranioencefálico, que afetam o cérebro e podem causar sangramentos, formação de coágulos e edemas. “No atendimento de uma emergência é crucial estabelecer um tratamento eficaz o mais rápido possível para minimizar o sofrimento cerebral. Muitas vezes, a luta inicial é pela sobrevivência e depois avaliamos estratégias para a recuperação do paciente com o mínimo de sequelas possíveis”, explica Leonardo Almeida Frizon, neurocirurgião do Hospital Universitário Cajuru, que atende exclusivamente pelo SUS.
As lesões cerebrais se tornaram um problema de saúde pública. De acordo com os dados do DataSUS apresentados na pesquisa “Incidência hospitalar de traumatismo cranioencefálico no Brasil: uma análise dos últimos 10 anos”, os gastos com tratamentos aumentaram de R$ 123,7 milhões em 2008 para R$ 278 milhões em 2019. Dessas despesas, mais de 80% são relacionadas a custos hospitalares, sem considerar gastos ambulatoriais, como reabilitação, medicamentos, tratamento domiciliar, cuidadores, transporte e dias não trabalhados pelos pacientes ou seus familiares.
Avanços da neurocirurgia
A abordagem cirúrgica pode ser necessária no protocolo de atendimento para traumatismos cranioencefálicos. De acordo com Frizon, a neurocirurgia tem o propósito de estabilizar o paciente, facilitar a recuperação e promover a reabilitação neurológica. “Geralmente, a cirurgia é indicada em situações de risco imediato à vida ou quando há danos significativos no cérebro que demandam intervenção direta. Isso visa reduzir o impacto do trauma e aumentar as chances de uma recuperação bem-sucedida, proporcionando uma melhor qualidade de vida ao paciente”, salienta o neurocirurgião.
A neurocirurgia sempre esteve à frente na incorporação de novas tecnologias, devido à delicadeza com que o cérebro deve ser tratado. Conforme o estudo Traumatic brain injury: progress and challenges in prevention, clinical care and research, publicado na revista britânica The Lancet, o traumatismo cranioencefálico está sendo cada vez mais reconhecido como uma condição crônica com consequências de longo prazo, incluindo um maior risco de neurodegeneração tardia. O estudo também ressalta que avanços significativos no tratamento do traumatismo cranioencefálico estão sendo alcançados por meio da inclusão de variáveis clínicas, avanços na neuroimagem, monitoramento multimodal, avaliação de biomarcadores e integração de dados personalizados para um gerenciamento individualizado.
Caminho da reabilitação
A reabilitação de uma lesão cerebral ocorre em fases e ao longo de períodos extensos, com o apoio de uma equipe composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e outros profissionais. Trata-se de um processo colaborativo focado em metas, em que o paciente, seus familiares e os profissionais de saúde trabalham juntos para abordar os problemas mais urgentes que necessitam de intervenção. “Isso depende muito do grau de comprometimento e do tipo de cirurgia. Quando o objetivo é tratar a dor, o próprio procedimento cirúrgico contribui para a reabilitação. Porém, em casos de lesões graves no sistema nervoso, a resposta à reabilitação é mais lenta e pode levar de seis meses a dois anos e mesmo após esse tempo ainda há a possibilidade de intervenções que melhoram a qualidade de vida do paciente”, contextualiza o neurocirurgião.
A vida continua após uma lesão cerebral, embora com algumas mudanças, mas também com novos significados e conquistas. O impacto do traumatismo cranioencefálico na rotina diária de um indivíduo depende de diversos fatores, como a localização da lesão, sua gravidade, a idade e as características individuais de cada paciente. No entanto, essas emergências têm um aspecto particular: a maioria delas é evitável. “É essencial agir com rapidez no atendimento e avançar nas intervenções para a reabilitação de pacientes, sem esquecer a importância da conscientização pela prevenção”, finaliza Leonardo.