Você concorda que, em geral, pessoas sujam mais, os ambientes que já estejam previamente sujos? Que em um ambiente limpo, a maior parte das pessoas ficaria constrangida em jogar sobre o piso, um resíduo de deveria ser colocado em uma lixeira?
A resposta mais correta, provavelmente seria: “nem todos, mas a grande maioria das pessoas se comportaria dessa forma…”
Sim. Um ambiente sujo denota um ambiente pouco cuidado, abandonado, onde ninguém se importa…bem-estar, conforto e segurança são elementos de ambientes limpos.
Considere um ambiente no qual algum lixo está acumulado. Ao longo do tempo, mais um pouco de lixo é acumulado no local. Depois de um período, as pessoas começam a escolher este local para deixar seus sacos de lixo…
A Teoria das Janelas Quebradas ou “broken windows theory” prevê que o fenômeno de uma “desordem física” pode desencadear desordens sociais.
Desenvolvida em 1982 por James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George L. Kelling (Universidade de Stanford), a Teoria das Janelas Quebradas foi publicada pela revista Atlantic Monthly e serviu para derivar inúmeros pensamentos e reflexões, que parte da seguinte ideia central:
“Se uma janela está quebrada em um determinado ambiente e ninguém a conserta, passa uma imagem ao estabelecimento que ninguém liga. Em breve, outras janelas aparecerão quebradas…”
Para provar este ponto de vista, abandonaram dois veículos idênticos em dois bairros distintos. Um foi estacionado no Bronx, bairro com uma estatística de alta criminalidade em Nova York e o outro em Palo Alto, na Califórnia, uma área com imóveis de luxo e de alto poder aquisitivo. O carro estacionado no Bronx foi vandalizado e teve suas peças rapidamente roubadas, enquanto o de Palo Alto manteve-se intacto, sem qualquer modificação ou prejuízo, durante uma semana inteira. No segundo momento, os pesquisadores quebraram uma das janelas do carro na Califórnia para ver o que aconteceria. A partir de então, o processo de depredação e vandalismo iniciou-se em poucos minutos, da mesma forma como havia ocorrido no Bronx. Este resultado, pretendia mostrar, ainda que de forma empírica, que uma janela quebrada poderia desencadear comportamentos de desordem, roubo e vandalismo, independentemente do local, mas pela desordem física. Essa teoria, apesar de totalmente empírica, abriu precedentes para discussões de outros comportamentos, para reafirma a ideia de que um ambiente desordenado estabelece um círculo vicioso na relação física para social.
Mas quando falamos de serviços ao cliente, parece razoável que uma desordem física realmente desencadeie danos à imagem da instituição ou provoque uma má utilização ou ainda uma transgressão dos serviços.
Thibaud (2013), um dos maiores estudiosos sobre ambiências urbanas, relaciona a percepção das pessoas com o ambiente, definindo as características físicas das emocionais.
Quando falamos de ambiência podemos relacionar fatores intangíveis, mas que caracterizam aquele ambiente como a qualidade do ar, os sons, a luz, os cheiros como elementos do ambiente que propiciam a percepção e podem ser influenciados por outras inúmeras variáveis.
Nesse sentido, ambientar um espaço significa dotá-lo de valor emocional, afetivo e existencial, muito além das características puramente físicas.
Eficiência no hospital…
– Será que quando uma das letras apagadas na iluminação externa com o nome do hospital pode remeter aos usuários uma imagem de descuido e abandono com todo o prédio? Será que este fato pode acabar virando “paisagem” para aqueles que estão todos os dias na unidade e deixarem de se incomodar com a falha e não a enxergarem mais?
– Será que se não definirmos claramente o local de entrega de delivery, daqui a pouco teremos um fluxo desordenado de motocicletas afetando o acesso de clientes?
– Será que um cliente frustrado com o tempo de espera e reclamando de forma exagerada e em alto tom e ignorado pelos que deveriam atendê-lo tem um potencial de contagiar os demais clientes na mesma medida comportamental?
Sim para todas. Os serviços de atendimento ao cliente, manutenção predial, higiene ambiental e vigilância tem um papel crucial na qualidade e na garantia da manutenção da ambiência projetada e do respeito aos fluxos e processos existentes.
A hotelaria e os serviços de facilities dialogam constantemente com a qualidade percebida.
Podemos, quando falamos de serviços, facilmente perceber o quanto as pessoas influenciam e são influenciadas pelo ambiente que utilizam (tanto no mundo real como no virtual).
Outros autores reforçaram a Teoria, como Skogan (1999) que, por meio de análise estatística demonstrou a relação entre desordem física e social. Já, Harcourt, B. (2001) afirma que a Teoria não poderia ser generalizada pois era válida somente para contextos pontuais e específicos.
Sampsom, R (1999) por sua vez, afirmou que tanto a desordem física como a social em um ambiente eram frutos da falta de uma eficácia coletiva daquele responsável em fazer a gestão.
Coutinho, J em conjunto com Dr. Edward Rocha de Carvalho, em 2015 publicaram: “E quando a pedra vem de dentro? Justamente mostrando outras possibilidades de impacto do mesmo fenômeno existir em outra perspectiva.”
A pesquisa, na teoria original, estabelece como conclusão que ao corrigir mesmo as pequenas “falhas” do dia a dia, nos tornamos mais sensíveis e disciplinados diante de falhas existentes naquele ambiente, pois assim, não nos acostumamos com o erro.
Para os estudiosos de criminologia pode não ser totalmente verdade, pois entendem que esta motivação pode se aplicar apenas para os pequenos delitos, mas para serviços, a Teoria faz muito sentido.
E quando ocorre o contrário?
Ambientes cuidadosos e organizados, que se preocupem com a qualidade percebida dos serviços, geram maior respeito dos usuários as regras e processos.
Por exemplo, uma obra interna, contigua a uma área social no hospital que informe o usuário da data de início e final daquela intervenção junto ao tapume, com o ramal e nome do setor responsável, demonstra respeito ao seu público. Um elevador ou equipamento quebrado que alerte para a contingência faz toda diferença. Um banheiro interditado que sinalize um outro banheiro mais próximo para o usuário utilizar entre tantos outros exemplos.
Disney propagou o conceito de que: “Lixo provoca lixo”. Para se ter uma ideia, algumas áreas e estruturas específicas existentes nos parques e resorts da Disney recebem retoques de pintura diariamente para “estrearem” todos os dias e para que o ambiente impacte positivamente a experiência com o todo de seus visitantes (por exemplo, os postes do Main Street ou os pegadores dourados da atração chamada Prince Charming Real Carrousel – na área de Fantasyland). Toda noite, depois que o parque fecha, eles são pintados para estarem novamente como novos na manhã seguinte, quando um novo grupo de visitantes chegar.
A limpeza do ambiente afeta não somente a impressão do cliente, mas também o controle de pragas, o conforto olfativo, o senso de organização e deve ser alvo de avaliação constante – seja a higiene da superfície ou ainda dos artigos têxteis. A criação de processos, rotinas e métodos pode resultar em métodos de trabalho mais adequados e resolutivos.
Para se ter uma ideia, alguns parques, com é o caso do Magic Kingdom, com mais de 10.000 hectares, produz mais de 40 mil toneladas por dia de resíduos sólidos. Para reduzir resíduos pelo ambiente do parque, a cada 9 metros existe uma lixeira. Ou seja, uma pessoa com um lixo nas mãos não necessita andar muito para achar uma lixeira e possivelmente não irá jogar o lixo no ambiente. A área total da Disney é de 11.106 hectares.
Este elemento introjeta na cultura organizacional e envolve o próprio usuário. Ou seja, a cultura adotada pode ser transferida aos clientes, educando-os para uma mudança de comportamento.
A exemplo de boas práticas em todo mundo, o trem bala no Japão também possui equipes específicas que entram em ação com tempo cronometrado quando ele chega à estação final em Tóquio. A equipe tem sete minutos para realizar a higiene de todos os vagões disponíveis do “Shinkansen” (nome dado ao trem bala japonês). Este trem percorre 200 quilômetros em apenas uma hora, sendo ainda extremamente pontual. Cerca de 323 trens partem todos os dias da estação de Tóquio e transportam cerca de 400.000 passageiros. Eles têm apenas 15 segundos de tolerância para atrasos. O trem fica na estação por 12 minutos, são 3 minutos para os passageiros saírem e a equipe de higiene chegar com cerca de 44 funcionários para limpar 17 vagões. No metrô de São Paulo, conhecido como um dos mais limpos do mundo (tanto as estações como os vagões) recebem métricas de tempo e qualidade – exigidos para garantir o transporte de, em média, mais de 1,9 milhão de passageiros por dia útil.
E quanto as altas dos leitos? Qual o tempo médio que escabelemos para cada dupla de terminal? Qual a meta de tempo de setup do hospital? (o lapso de tempo entre a saída do paciente de um leito e a entrada de um novo paciente, na média do mês).
Estamos medindo estes tempos? Será que a ociosidade das equipes, o absenteísmo não são mais janelas quebradas por dentro?
Na área de hotelaria e facilities, em geral, quando tudo está funcionando parece ser algo espontâneo, sem esforço… poucos percebem ou elogiam. Mas manter todo o ambiente seguro, limpo e funcionando exige técnica e gestão. Os usuários percebem rapidamente falhas, quase de imediato, pois respingam diretamente em suas experiências diárias.
Uma frase emblemática nesta área, atribuída a Sutter, diz que na área de segurança, higiene manutenção (e isso pode ser estendido para todas as demais áreas que dialogam com a infraestrutura), tem o seguinte raciocínio:
“Quando vai bem, ninguém lembra que existe. Quando é necessário investir, dizem que não é preciso que exista. Porém, quando realmente não existe… TODOS concordam que deveria existir.”
Mais do que simplesmente design e estética, os ambientes geram diversos riscos e uma Instituição de Saúde necessita mapear os riscos que potencialmente podem afetar sua reputação e principalmente a segurança de seus usuários.
As janelas quebradas nos lembram de agir rapidamente, ter senso de urgência, de se incomodar quando algo está fora do lugar, desarrumado, sujo ou quebrado – ainda que seja apenas um vidro…
Prof. Marcelo Boeger é sócio consultor na Hospitallidade Consultoria. Colunista da área de Hotelaria e Facilities na Revista Hospitais Brasil. Mestre em Planejamento Ambiental e Mestre em Gestão da Hospitalidade. VP técnico científico da ABDEH (Associação Brasileira para Desenvolvimento do Edifício Hospitalar) e Coordenador do Comitê FM em Serviços de Saúde da ABRAFAC.Professor do MBA de Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar (CCIH-MED), do MBA em Educação Executiva da FGV e Fundação Dom Cabral e é o coordenador e professor do curso de especialização em Hotelaria e Facilities do Hospital Albert Einstein
Referências bibliográficas:
HARCOURT, B. E. Illusion of order: The false promise of broken windows policing. Cambridge: Harvard University Press, 2001
KELLING, G. L.; COLES, C. M. Fixing broken windows. New York: Touchstone Books, 1996.
KELLING, G. L.; WILSON, J. Q. Broken windows. In: Atlantic Monthly, 249 (3), 1982
THIBAUD, J. Ambiances urbainesen partage. Métis Presses, Geneve: 2013
bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/170_ambiencia.html
www.japaoemfoco.com/o-milagre-dos-sete-minutos-veja-como-e-feita-a-limpeza-do-shinkansen
www.scielo.br/j/reben/a/HvMjmdgQ3SCjhsstJ8ydwsS/?format=pdf&lang=pt
emporiododireito.com.br/leitura/teoria-das-janelas-quebradas-e-se-a-pedra-vem-de-dentro