Artigo – Impactos da Reforma Tributária na imunidade fiscal do setor de Saúde no Brasil

Introdução

A reforma tributária, promulgada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, constitui um marco na reestruturação do sistema fiscal brasileiro. Por meio da consolidação de tributos como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS em dois novos:  a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), administrado por estados e municípios. O modelo de IVA Dual busca simplificar a tributação incidente sobre o consumo. Isso ajudará, na prática, com a diminuição da incisão sob a base de consumo na tributação. Por outro lado, pode ser prejudicial em outras áreas, como a área da saúde.

Com um período de transição previsto entre 2026 e 2033, a reforma impacta diretamente o setor de saúde, pilar essencial do bem-estar social, que depende de imunidades e benefícios fiscais para assegurar acessibilidade e sustentabilidade. Este artigo examina as alterações promovidas, os benefícios proporcionados, os desafios emergentes e as implicações para o setor.

  1. CONTEXTO PRÉ-REFORMA: IMUNIDADES E DESAFIOS NO SETOR DE SAÚDE

Antes da reforma, o setor de saúde beneficiava-se de imunidades e isenções tributárias para mitigar a carga fiscal. O artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal de 1988 assegura imunidade sobre o patrimônio, a renda e os serviços de entidades sem fins lucrativos voltadas à assistência social, como hospitais filantrópicos certificados pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).  O objetivo é reduzir os custos operacionais, especialmente para o Sistema Único de Saúde (SUS) e instituições beneficentes, que atendem populações em situação de vulnerabilidade.

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O Recurso Extraordinário n. 580264, por exemplo, assegurou que os hospitais que atendem apenas pelo SUS têm o direito ao benefício da imunidade tributária recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal.

O sistema tributário atual caracteriza-se pela cumulatividade, complexidade e elevada carga burocrática. A superposição de tributos estaduais e municipais gera ineficiências, elevando os custos indiretos para hospitais, clínicas e a indústria farmacêutica. Tornou-se urgente a necessidade de preservação dos incentivos fiscais para evitar o repasse de custos aos usuários e garantir a sustentabilidade financeira do setor.

2. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA REFORMA TRIBUTÁRIA

A reforma tributária preserva as imunidades constitucionais e introduz reduções de alíquotas e regimes específicos, ajustando o sistema às particularidades do setor de saúde. A seguir, elencam-se as principais mudanças:

  • Preservação e Ampliação das Imunidades: A imunidade constitucional sobre o patrimônio, a renda e os serviços de entidades sem fins lucrativos, como hospitais beneficentes, foi mantida e estendida à CBS e ao IBS. Essa medida assegura a proteção de instituições fundamentais para o SUS. Contudo, a imunidade não abrange integralmente a aquisição de bens, como equipamentos hospitalares, o que pode acarretar custos adicionais, caso não seja ajustado por regulamentações futuras.
  • Reduções de Alíquotas e Isenções Específicas: A Lei Complementar nº 214/2025 estabelece uma redução de 60% nas alíquotas de IBS e CBS para diversos serviços, incluindo consultas médicas, internações hospitalares, odontologia, fisioterapia, psicologia, vacinação, exames laboratoriais, serviços de enfermagem e farmácia. Essa medida, prevista no Anexo III, visa promover maior acessibilidade aos serviços de saúde. Além disso, um total de 383 medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), listados no Anexo XIV, foi contemplado com alíquota zero, configurando isenção total. Outros medicamentos, incluindo os manipulados, beneficiam-se de redução de 60%. Isto posto, os dispositivos médicos (105 tipos) e de acessibilidade para pessoas com deficiência (26 tipos) também recebem redução de 60%, favorecendo o acesso a tratamentos e tecnologias. Por fim, os itens de higiene pessoal, produtos voltados à saúde menstrual e fórmulas de nutrição enteral ou parenteral contam com alíquotas reduzidas em até 60% ou, em casos específicos, isenção total, promovendo a saúde básica e preventiva.
  • Não Cumulatividade e Simplificação: O modelo de IVA Dual elimina a cumulatividade, possibilitando a recuperação integral de créditos tributários ao longo da cadeia produtiva. A unificação de tributos também diminui a complexidade administrativa, reduzindo obrigações acessórias e conferindo maior previsibilidade fiscal.

3. IMPACTOS E DESAFIOS DO SETOR DA SAÚDE 

A reforma tributária apresenta benefícios significativos e desafios que interferem no futuro do setor da saúde. Nesse cenário, a redução de 60% nas alíquotas para serviços e produtos essenciais, como medicamentos isentos e dispositivos médicos, pode reduzir preços para os usuários, aumentar margens operacionais para instituições e ampliar o acesso à saúde, fortalecendo as áreas de tratamento e prevenção. 

Ademais, a preservação das imunidades garante a viabilidade financeira de hospitais beneficentes, responsáveis por cerca de 60% dos leitos do SUS. Enquanto isso, a não cumulatividade e a simplificação tributária diminuem custos de conformidade fiscal e otimizam a gestão, beneficiando desde pequenos consultórios até grandes indústrias farmacêuticas. 

Contudo, as lacunas nas isenções, como para certos equipamentos hospitalares, podem resultar em aumento da carga tributária, especialmente com a alíquota padrão do IVA estimada em 26,5%. Assim como a substituição do ICMS pelo IBS pode eliminar incentivos estaduais específicos, como isenções para insumos hospitalares, exigindo negociações para compensações.

Dessa forma, sem ajustes adequados, hospitais e clínicas podem repassar custos aos usuários ou direcionar pacientes a planos de saúde de menor custo, comprometendo potencialmente a qualidade do atendimento.

Conclusão

A reforma tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, representa uma oportunidade transformadora para modernizar o sistema fiscal, reforçando seu impacto no setor de saúde. 

Dessa maneira, ao preservar imunidades constitucionais essenciais e implementar incentivos robustos, como a redução de alíquotas, a eliminação da cumulatividade e a simplificação tributária, a reforma tem o potencial de tornar a saúde significativamente mais acessível, promovendo eficiência e sustentabilidade, especialmente para entidades filantrópicas e o Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, lacunas nas isenções e incertezas regulatórias representam desafios críticos que exigem vigilância rigorosa e um diálogo contínuo e assertivo entre governo, setor privado e sociedade civil. Com ajustes estratégicos, articulação institucional coordenada e um compromisso coletivo, a reforma pode consolidar o setor de saúde como um dos mais beneficiados pelas novas regras tributárias, tendo em vista a sua essencialidade e importância para os brasileiros.

 

 

 

 

 

Por Lorena Soares e Igor Burigo

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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ARAÚJO,    Kammilla. Emenda    Constitucional    nº    95/2016: instrumento    de afastamento da equidade no Sistema Único de Saúde. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, v. 6, p. 607-617, 2017. Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/1042 . Acesso em: 18 de ago. 2025.

BIASIO, IsadoraParmigianide;RUSCHEL,Andressa(2023).ReformaTributárianoSetorde Saúde. Consultor  Jurídico.  Disponível  em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-07/biasio-ruschel-reforma-tributaria-setor-saude2/.  Acesso em: 18 de ago. 2025.

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BRASIL. Senado Federal. PEC 45/2019: Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/158930.  Acesso em: 18 de ago. 2025.

Redação

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