Muito se fala sobre os avanços que a inteligência artificial já proporciona para a medicina. Especula-se também sobre as maravilhas que a IA poderá fazer muito em breve, na medida em que avanços são conquistados e sistemas cada vez mais sofisticados passam a ser treinados com volumes de dados cada vez maiores. Fica a impressão de que a melhoria dos serviços de saúde, público ou privado, depende cada vez mais de tecnologias avançadas e ainda disponíveis apenas com base em altos investimentos. Nada poderia estar mais longe da verdade. A utilização da IA se mostra extremamente aplicável em algumas áreas, mas nem de longe podemos achar que se trata da solução para todos os problemas. Muito pode ser feito para melhorar a qualidade dos serviços de saúde no Brasil sem qualquer investimento em sofisticados equipamentos ou em avançadas (e ainda caríssimas) plataformas tecnológicas baseadas em inteligência artificial.
Um dos principais ingredientes na receita para melhorar a prestação de serviços de saúde e, ao mesmo tempo, reduzir os custos é a variabilidade. Responsável por deteriorar a qualidade e aumentar os custos, você talvez nunca tenha ouvido falar dela. Estima-se que a variabilidade seja responsável, nos Estados Unidos, por um número de mortes evitáveis, por ano, entre 200.000 e 400.000. No Brasil, segundo um estudo realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicado no Primeiro Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, três brasileiros morrem a cada cinco minutos por falhas evitáveis.
É consenso entre os membros da comunidade de saúde que a redução da variabilidade na prestação de serviços de saúde é um passo fundamental a ser tomado rumo à melhor qualidade e menor custo.
A variabilidade se manifesta de várias formas, mas a variabilidade de conhecimento (ou a falta dele) provavelmente é a maior vilã. Para tentar explicar o que significa a variabilidade de conhecimento vou utilizar como exemplo um problema que muitos de nós certamente já enfrentamos: seu carro apresenta problemas e você decide levá-lo a uma oficina. A partir dos problemas que você relatar, o mecânico irá procurar diagnosticar a causa do problema, para em seguida definir a melhor solução. Um mecânico competente saberá diagnosticar com eficiência a causa do problema e a partir deste diagnóstico saberá o que fazer para corrigir o problema. Se o seu mecânico não for competente, não conseguirá diagnosticar o problema e possivelmente irá sugerir a troca de peças que eventualmente não precisariam ser trocadas. Neste caso, além de aumentar o custo do reparo, ainda existe a possibilidade do problema não ser sanado. Como se trata de um automóvel, no pior caso você terá gasto dinheiro desnecessariamente e continuará com o problema.
Porém, quando se trata da sua saúde, os efeitos poderão ser bem mais graves. Imagine um paciente que se dirige a um posto de saúde com dor abdominal e febre, ou quaisquer outros sintomas que você possa imaginar. Como diagnosticar o problema? Que exames pedir? Uma vez diagnosticado o problema, qual a melhor forma de tratar? Quais os medicamentos ou procedimentos mais indicados para aquela situação? Quando dois profissionais têm respostas diferentes para estas perguntas, temos um exemplo concreto de variabilidade de conhecimento. Recentemente no Brasil, muitos pacientes foram diagnosticados com dengue ou outra virose quando o diagnóstico era febre amarela, simplesmente porque estas doenças apresentam alguns sintomas em comum.
Para garantir que os pacientes sejam sempre tratados da forma mais eficiente, o caminho é adotar as melhores práticas baseadas em evidências, bem definidas e amplamente aceitas. A adoção irá reduzir a variabilidade e os custos e ainda melhorar significativamente a qualidade da prestação dos serviços de saúde. Os melhores procedimentos a serem adotados em uma determinada situação são aqueles que já se mostraram os mais eficazes para diagnosticar e tratar a doença, nas mesmas condições.
Mas como garantir a adoção de tais “melhores práticas baseadas em evidências”?
Uma das formas seria garantir que profissionais de saúde e pacientes estivessem sempre correta e adequadamente informados. Porém, um artigo publicado em 2011 (Desafios e Oportunidades na Educação Médica) estima que o tempo necessário para duplicar o conhecimento em medicina em 1950 era de 50 anos; em 1980, 7 anos; em 2010, 3 anos e meio. Mais ainda: em 2020 o conhecimento em medicina será duplicado a cada 73 dias. Assim, mostra-se ser praticamente impossível garantir que todos os profissionais e pacientes sejam devidamente treinados.
A combinação entre tecnologia e informação pode nos ajudar a superar este problema. Com a crescente adoção de sistemas de prontuário eletrônico, torna-se imperativo que estes sejam “abastecidos” com conhecimento auxiliem os profissionais de saúde na tomada de decisões clínicas. Por intermédio da integração com sistemas de apoio à decisão clínica, usuários terão acesso a informações que auxiliarão na tomada de decisão em diversos estágios da jornada do paciente. Uma vez integrados ao sistema de prontuário eletrônico, os sistemas de apoio à decisão poderão fornecer, passiva ou ativamente, sugestões sobre os melhores procedimentos a adotar em cada caso, auxiliando no diagnóstico e na definição do melhor tratamento, sempre com base em práticas apoiadas em sólidas evidências científicas.
Ou seja, a simples combinação entre sistemas de prontuário eletrônico e conhecimento científico atualizado pode reduzir custos e aumentar significativamente a qualidade dos serviços de saúde. Uma solução simples que pode mudar a cara da saúde no Brasil.
Claudio Della Nina é Diretor Geral da Elsevier Brasil