Artigo – Telemedicina: um caminho sem volta para enfrentar o Coronavírus e outros desafios

Assim como muitos taxistas há tempos não dependem mais de um ponto fixo, os profissionais da saúde de muitas especialidades podem optar por não se prenderem aos seus consultórios. Com o Projeto de Lei 696/20 e a aprovação do Conselho Federal de Medicina (CFM), o uso de ferramentas de telemedicina foi liberado, mesmo que em caráter excepcional, para atendimento médico durante a crise do Coronavírus no Brasil.

Na prática, o modelo já vinha sendo utilizado no país por grandes hospitais e operadoras de saúde com rede própria, pois, apesar dos questionamentos do CFM, já existe jurisprudência que permite sua aplicação. Assim como outras disrupções tecnológicas que vimos surgir na sociedade, a aprovação recente na área da saúde, mesmo que temporária, garantiu a regularização de um modelo que já estava em uso, abrindo caminho para seu aperfeiçoamento e popularização.

A telemedicina se mostra como um avanço fundamental para atendimento aos pacientes, principalmente em lugares mais afastados e que sofrem com a falta de suporte médico. Esse serviço deve seguir crescendo a partir de agora por um caminho sem volta.

Uma pesquisa recente da consultoria britânica Cello Health Insight mostra que 87% dos médicos brasileiros já utilizam aplicativos de mensagem instantânea para atendimento aos pacientes – ferramentas que, diferentemente dos prontuários eletrônicos, não possuem a segurança exigida para a aplicação do serviço.

Felizmente, a barreira da insegurança não existe mais: já estão disponíveis no mercado dezenas de soluções prontas para serem utilizadas com toda estrutura necessária, incluindo assinatura digital. Elas permitem aos médicos a prescrição de receitas para medicamentos e outros documentos, como atestados e pareceres, que são aceitos pela grande maioria das farmácias.

Além disso, não existe mais limitação de infraestrutura com relação a cobertura de internet. Atualmente, já temos mais de 200 milhões de smartphones em uso, e o paciente pode utilizar um desses dispositivos para fazer sua consulta por meio de conexão Wi-Fi.

A grande vantagem desse modelo é o acesso a atendimento com especialistas de qualquer lugar do mundo por meio de um simples smartphone ou tablet. Por exemplo: outro dia acionei um pediatra com uma urgência pelo aplicativo do plano de saúde, sem sair de casa, e a consulta foi resolutiva, me poupando o tempo de deslocamento e de espera em filas intermináveis nos hospitais ou postos de saúde.

Sem dúvidas, a eliminação de filas na saúde pública, a melhoria na produtividade dos profissionais e o acesso mais rápido para o paciente são alguns dos desafios mais importantes que a telemedicina resolve. Cerca de 50% das pessoas que hoje estão nas filas dos postos de saúde não precisam de atendimento presencial. Além disso, ainda existe falta de equilíbrio entre a disponibilização de equipes médicas e a demanda entre as unidades de saúde mais distantes – problemas que podem ser gerenciados pela tecnologia e pelo atendimento a distância, que leva suporte médico imediato às áreas menos acessíveis.

O atendimento remoto poupa idas a serviços de saúde em até 64%, ajudando a desafogar as unidades hospitalares, que podem se focar em casos mais graves e emergenciais, de maneira ágil. O serviço humanizado é a chave para orientar os pacientes de maneira adequada e permitir maior fluidez nos postos.

Contudo, vale pontuar que esse passo que está sendo dado no Brasil, apesar de importante, está um pouco atrasado. Perdemos a chance de avançar com a telemedicina em 2019, pois a revogação da resolução 2.227/18 pelo CFM acabou impactando negativamente a ampla utilização desse modelo no país.

Em comparação com outras nações, Portugal e Inglaterra, por exemplo, já exigem que o cidadão passe por teletriagem antes de acessar qualquer serviço de saúde. Nos Estados Unidos, as farmácias contam com um ponto de atendimento de consultas remotas, com pagamento via cartão de crédito, que permite aos usuários acesso à receita adequada. Nesse processo, há um grande ganho de tempo, pois o paciente sai da farmácia com o medicamento receitado.

No Brasil, além dos aspectos legais, os grandes desafios estão na capacitação dos profissionais, que precisam vencer o bloqueio cultural (principalmente daqueles que ainda não estão familiarizados com uso da internet), e a falta de padronização dos códigos de exames junto aos laboratórios, que trava a disponibilização online dos resultados, pois hoje requer integração de forma individual.

Essas medidas precisam ser aprimoradas para que todos se beneficiem do teleatendimento, que, entre outros confortos, permite triagens (como o serviço TeleSUS 136, do Ministério da Saúde, recentemente implantado), orientações clínicas aos paciente isolados em recuperação, além das consultas, enquanto os consultórios físicos estão fechados. Outros avanços, como pedido de exame digital e uso inteligência artificial também devem ser implementados em um futuro próximo.

Nesse momento, nos cabe avaliar que o paciente está aprendendo que pode ser atendido a distância e que o acesso aos serviços de saúde não ocorrerá mais da mesma forma após a pandemia. Será difícil convencer os médicos de que a telemedicina não é uma evolução – seria como ter que convencer a sociedade de que assistir filmes por streaming ou pedir comida por aplicativos de delivery não é prático.

No fim, quem decidirá a adoção da telemedicina é o paciente, que sempre opta por praticidade e conforto. Cabe ao governo e às operadoras de saúde disponibilizarem o serviço que melhor atenda os cidadãos. A inovação já aconteceu, a crise do Coronavírus evidenciou o que já existia e não adianta lutarmos contra o processo de transformação que tem se instalado. Além disso, entre outras coisas, esse momento desafiador nos ensinou a valorizar o que é essencial para a manutenção da vida: mais saúde e mais tempo.

 

 

 

Severino Benner é CEO do grupo Benner

Redação

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