Quando o paciente procura um médico ou um serviço de saúde espera que a assistência seja prestada com qualidade técnica e segurança. Nem sempre o desfecho é o desejado, mas deve ser sempre o resultado da própria condição de saúde do paciente, jamais decorrente de erro.
Infelizmente, nem sempre é assim. A mídia tem noticiado inúmeros casos de danos causados não pela doença, mas pelo processo de cuidado de saúde, sendo muitos desses, decorrentes de erros cometidos pelos profissionais de saúde (sejam eles médicos, enfermeiros, farmacêuticos ou outros). São chamados de “erros médicos”, termo inadequadamente utilizado.
É importante reconhecer que o problema da falta de segurança e os erros estão relacionados à organização de saúde, ao ambiente, aos produtos e à complexidade da assistência, com a realização de inúmeros procedimentos e processos interdependentes. Erro não é sinônimo de incompetência profissional. Muitos erros acontecem com profissionais bem qualificados. Sendo assim, a expressão “errors in health care – erros no cuidado de saúde” é mais adequada, uma vez que esses erros são um problema sistêmico e não apenas individual.
Chama a atenção a reflexão do médico Dario Ferreira: “Os médicos e profissionais de saúde ainda não perceberam a gravidade, o tamanho, a importância epidemiológica e a catástrofe que são os danos que a gente causa aos pacientes”.
Uma questão relevante é que os erros no cuidado de saúde representam um grande desperdício de recursos, cada vez mais escassos. Estima-se que custem entre US$ 17 e 29 bilhões por ano. No entanto, o impacto dos erros vai além do custo financeiro. Pacientes internados, em especial os que estão em terapia intensiva, recebem dezenas de ações e procedimentos corretos e adequados para o seu cuidado. A taxa de assertividade no cuidado é de cerca de 99%. A questão para refletirmos é: será que uma taxa de 99,9% de acertos no processo de cuidado seria adequada?
Para termos ideia do impacto desse percentual, se pode ser ou não suficientemente adequado, consideremos que em outras situações 0,1% de erros significariam cerca de 25 mil objetos distribuídos errados pelos Correios (Brasil) por dia, 200 quedas acidentais de recém-nascido por dia no mundo, e significaria 32 mil cheques bancários compensados na conta errada a cada hora, de acordo com o um estudo feito por William Edwards Deming, um dos pioneiros na aplicação de melhorias no âmbito da qualidade. Outro estudo, de Rosenthal e Sutcliffe, aponta que 0,1% de erros significaria 20 mil prescrições erradas por ano, 500 cirurgias incorretas por semana e 2 mil documentos perdidos por hora. Todavia, para cada paciente, um erro significa 100% de risco ou de dano.
Os erros associados ao cuidado de saúde provocam incidentes que causam danos ao paciente, chamados de eventos adversos. A consequência muitas vezes são as sequelas ou a morte. No entanto, há estudos que comprovam que muitos eventos adversos, principalmente durante a hospitalização, são potencialmente evitáveis.
Eventos graves e inaceitáveis são denominados never events, pois nunca deveriam ocorrer em serviços de saúde, como por exemplo, choque elétrico durante a assistência; procedimento cirúrgico realizado no lado errado do corpo, no paciente errado; contaminação na administração de O2 ou gases medicinais; suicídio de paciente; óbito ou lesão grave de paciente associados ao uso de contenção física ou grades da cama durante a assistência dentro do serviço de saúde; úlcera por pressão – estágio III ou IV; administração de medicação pela via errada; overdose de insulina devido a abreviaturas ou dispositivo incorreto; transfusão ou transplante de componentes sanguíneos ou órgãos com sistema ABO incompatíveis; entre outros.
As mortes provocadas por erros no cuidado de saúde estão entre as três primeiras causas de óbito nos Estados Unidos. No Brasil, os erros podem estar entre a segunda e a quinta causa de óbitos. Estudo realizado em 133 hospitais no Brasil estimou que, em 2015, mais de 300 mil pacientes morreram em decorrência de erros associados à assistência hospitalar, sendo a segunda causa de morte, ultrapassando os óbitos por câncer e por doenças respiratórias.
É certo que alguns eventos adversos são apenas uma parte do problema dos erros, pois nem todos os erros causam danos ao paciente, como os relacionados ao uso inadequado de medicação. Mas, ainda que a maioria desses erros não resulte em dano ao paciente, é necessário o esforço conjunto para rever os processos e as práticas de segurança. A gestão dos riscos é fundamental para isso e contempla as etapas de identificação, notificação, análise, avaliação, monitoramento, tratamento e comunicação de riscos, além da identificação dos fatores de mitigação, planejamento e implementação das ações de melhoria. Também é de suma importância identificar os fatores contribuintes e suas principais causas. Com a elaboração de um plano de ação, as medidas preventivas e corretivas são adotadas e estratégias implementadas tanto para prevenir quanto para mitigar as consequências dos erros e incidentes.
Tendo em mente que Errar é Humano, e que erros, inexoravelmente, podem acontecer, precisamos torná-los visíveis e atenuar seus efeitos. Os erros devem ser encarados como uma oportunidade para a revisão de processos e aprimoramento da assistência prestada ao paciente.
Adelia Quadros Farias Gomes é médica, Mestre em Ciências da Saúde Pública, educadora do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) e membro da Sociedade Brasileira de Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP)