Parece mesmo que estamos em uma guerra. Hospitais de Campanha sendo construídos, baixas diárias nas nossas equipes, comitês de crise sendo montados, um inimigo poderoso, muitas mortes a cada dia – como evidência das catástrofes, a atividade econômica está em colapso e já declarado o estado de calamidade pública.
Neste contexto, o que aconteceria com você se, na linha de frente do campo de batalha, sua munição acabasse antes de acabar a guerra? Ou durasse só por algumas horas ou alguns dias?
Para se ganhar uma guerra, precisamos de planejamento. Precisamos de tática e de nossos soldados comprometidos e engajados na frente de batalha.
E essa pode ser uma boa analogia nos tempos atuais. Pode não ser fácil obter o comprometimento das pessoas nesta fase. Se já é difícil pedir para as pessoas “simplesmente” ficarem em casa – ainda que com importantes estoques de papel higiênico e mesmo blindadas com várias camadas de álcool gel – imagine então para quem está na linha de frente, correndo riscos em um plantão exaustivo e ainda receoso em poder transmitir o vírus ao regressar para sua família.
Como em uma guerra, sem perceber, estamos a todo tempo avaliando o ambiente a nossa volta – simplesmente para nos proteger. Esse efeito nos ajuda a sentirmos mais seguros. Queremos dar uma resposta imediata ao perigo invisível.
Vivemos um tempo cheio de estresse, onde todos que estão na linha de frente dos hospitais estão hiper vigilantes, em alerta todo o tempo, no limite e exaustos. O absenteísmo das nossas equipes, que já era alto, mais que dobrou. Tivemos que afastar aqueles que eram do grupo de risco, justamente o grupo que historicamente apresenta as menores taxas de absenteísmo e turnover. Ou seja, temos que ter um planejamento para preservar ao máximo aqueles que ficaram e estão fazendo a diferença no dia a dia de enfrentamento.
Com ameaças como as da COVID-19, nossa mente fica estimulada contra o perigo, mesmo involuntariamente, mas não conseguimos facilmente tangibilizar a ameaça, ou seja, não achamos uma resposta concreta – pois a ameaça pode estar por todo lado. Não adianta correr, nem mesmo deixar o hospital. A ameaça continua no ônibus, na maçaneta da porta de casa ou nas mãos das pessoas que mais confiamos ou amamos. Outro componente de tensão está em ver os nossos pares, colegas com a mesma função, se afastarem e ficarem doentes acometidos pela COVID-19.
Mas são em momentos como esse, que, apesar de tudo isso, vemos surgir pessoas absolutamente comprometidas com objetivos claros e o desejo genuíno de ajudar quase que como uma missão pessoal. E são muitos, nas mais variadas funções.
Sempre foram, mas são agora oficialmente chamados de essenciais, segundo a medida provisória 926/20.
Gestores são fundamentais para preservar essas pessoas essenciais e dar condições mínimas para execução de seu trabalho (físicas e psicológicas). Quando se vai a uma guerra, o mínimo que se precisa saber, é se você tem munição suficiente para aquele enfrentamento. A falta de EPIs para as equipes de frente, por exemplo, pode ser crítico e representar nesta analogia a falta de munição para os soldados em campo.
Sum Tzu (481 aC), já naquela época em que escreveu “A Arte da Guerra”, foi o primeiro a perceber que um exército vencedor não seria aquele com homens mais fortes, mas sim, seria aquele capaz de ter inteligência em movimentos coordenados e de acordo com planos preestabelecidos, seguindo orientações sistemáticas. E essa coordenação é justamente a habilidade do líder de linha de frente, coordenado por um comitê com uma visão sistêmica da situação.
Ou seja, a orientação diária, antes de cada turno, do uso correto dos EPIs, a forma correta de se paramentar e desparamentar, a gestão logística da entrega dos descartáveis nos horários e locais adequados, a localização estratégica do álcool gel pelo hospital pode ser fundamental no consumo correto e em criar condições de se evitar desperdícios e evasão.
Manter nossos valiosos e abnegados médicos e enfermeiros que ficam na beira dos leitos protegidos, será crucial para que mais pacientes possam ser tratados, curados e aplaudidos ao deixar o hospital. Este raciocínio tem que valer também para toda nossa equipe de apoio. A equipe que higieniza as unidades, transporta as refeições, aquela que lava a roupa hospitalar ou ainda a que coleta os resíduos não pode estar atuando com medo, por não estar confiando em seus EPIs, que não devem ser improvisados ou reaproveitados – afetando a sua percepção de segurança ou ainda cheio de dúvidas sobre novos protocolos ou sobre suas atribuições diárias e sobre os novos planos de contingências.
Neste momento, seguramente esse é o papel mais importante da liderança de linha de frente. Essa é a nossa responsabilidade: gerar segurança e oferecer respostas às suas dúvidas. Afastá-los do burnout, dando-lhes garantias mínimas que tem alguém olhando para sua segurança, dando reconhecimento e mostrando que consegue compreender as suas dificuldades.
Possivelmente não estaremos lá quando eles precisarem de nós. Eles terão que saber agir a partir daquilo que conhecem e daquilo que os ensinamos e fomos capazes de transmitir antes de estarem em atendimento.
Para isso, precisamos tornar claro aquilo que foi ajustado no processo e aquilo que se manteve como era praticado antes. Liderar não é dar uma ou outra orientação, quando necessário. Liderar é um processo contínuo. A cada início de turno, a liderança imediata deve reunir a equipe daquele plantão e repassar os processos, as atividades previstas para o dia, explicar quaisquer alterações ou mudanças em suas funções. Mesmo que todos já aparentemente saibam, tem que ser obrigatoriamente repassado. Serão minutos valiosos para que todos possam lembrar que são parte de uma equipe e para que possam se abastecer de encorajamento.
Marcelo Boeger é consultor pela Hospitallidade Consultoria, é Mestre em Planejamento Ambiental pela Universidade Ibero Americana e Mestre em Gestão da Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi. Coordenador e professor de cursos de especialização em hotelaria e facilities e professor convidado nos cursos de MBA em Gestão da Saúde e em Infecção Hospitalar
