Impactos da Covid-19 na vida psicológica dos profissionais da saúde

Os médicos e os enfermeiros que estão na linha de frente no combate ao coronavírus são constantemente homenageados com aplausos pela população mundial por conta da árdua batalha que travam todos os dias. Esses profissionais tornaram-se ícones na pandemia. No entanto, na qualidade de seres humanos e, diante do vírus, estão angustiados, amedrontados, ansiosos e inseguros com o cenário de guerra vivido diariamente nos hospitais, clínicas particulares e postos de saúde do país. A constatação é da psicoterapeuta especializada no tratamento de depressão, ansiedade e síndrome do pânico, Ana Beatriz Cintra.

 

Ainda, segundo ela, a sociedade esquece que esses profissionais, considerados heróis no front de batalha, também são humanos, fato que acaba passando desapercebido. “Enquanto os reconhecemos como heróis e semideuses – que pelo conceito mitológico são frutos da união de um humano com um deus ou uma deusa –, deixamos de lado a frágil humanidade que também é inerente a eles”, explica a psicoterapeuta.

 

A exposição ao vírus cobra um alto preço. É crescente o número de médicos e enfermeiros infectados em todo o mundo. Há também um considerável número de mortes entre eles. A grande carga viral a que são expostos cotidianamente faz com que possam ficar mais doentes. “Mesmo treinados para assumirem a responsabilidade nessa luta – ‘bem contra o mal’ – com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos, a humanidade não deve ser esquecida. A responsabilidade sobre a vida, acompanhada da falta de estrutura hospitalar e de equipamentos de segurança necessários para exercerem seus trabalhos, além de os adoecerem fisicamente, também provocam traumas psíquicos, que possivelmente irão interferir na qualidade de decisões e ações na vida profissional, nas relações intimas e nas familiares”, analisa a psicóloga. 

 

O vírus disseminado entre os profissionais da saúde coloca em risco seus familiares e tornam os hospitais foco de contaminação pela Covid-19. No entanto, é com grande bravura, mesmo com toda a fragilidade – a própria e a do sistema – que seguem na luta contra a doença. “Eles têm seus próprios receios e ansiedades. Sentem a dor da solidão por serem obrigados a se isolarem da família por medo de passarem a doença. Tomam decisões baseadas em poucos estudos, porque a doença é nova. Muitos estão com pouca ou nenhuma proteção e não podem recuar. Vivenciam dúvidas e incertezas. Além disso, lidam com uma pressão absurda e contínua de algo muito maior do que eles. Muitas vezes, devem decidir quem vive e quem morre pela falta de materiais para o tratamento. A sensação relatada diante desse panorama, muitas vezes, é de fracasso”, lamenta a psicoterapeuta.

 

Dados da Associação Médica Brasileira e Conselho de Enfermagem do país comprovam também a pressão das classes sobre as autoridades para que providenciem os recursos necessários. São mais de 7,9 mil registros de falta de EPI para que possam seguir no combate ao vírus. “Trata-se de um problema coletivo, mundial. São soldados “incansáveis” e valentes sem dúvida. No entanto, sem a ajuda dos governantes para lhes darem “armas”, aparelhos e estrutura, pouco podem fazer. É importante que se tratem, possam realizar terapia para poderem desenvolver seu trabalho de forma profissional, equilibrada e saudável. E, para tal, o atendimento online veio para ajudar”, finaliza Ana Beatriz Cintra.

 

IRCAD apoia plataforma que conecta gratuitamente profissionais que atuam na linha de frente no combate ao Covid-19 à psicólogos e psiquiatras

Sabendo da tensão que os profissionais da área da saúde que atuam na linha de frente no tratamento de pacientes com sintomas ou contaminados com Covid-19 estão vivendo, o Centro de Treinamentos em Cirurgias Minimamente Invasivas (IRCAD América Latina) , está apoiando a plataforma Agir para Salvar Vidas, criada pela CCM Group (Grupo especializado em soluções para o mercado da saúde), a fim de conectá-los com psicólogos e psiquiatras que oferecem atendimentos gratuitos durante a pandemia.

Desenvolvida pela CCM Group, a iniciativa voluntária já mostra o quanto a população brasileira é solidária, uma vez que  já há mais de 900 profissionais da psiquiatria e psicologia cadastrados para atender aos profissionais que estão na linha de frente. Até o momento também foi registrado que 198 profissionais buscaram auxílio através da plataforma. Tudo é realizado pelo site www.agirparasalvarvidas.com.br, onde com um cadastro simples e rápido é possível unir quem quer ajudar a quem precisa de ajuda.

Hospitais oferecem apoio psicológico a profissionais de saúde

Trabalhar em hospital em meio a pandemia do novo coronavírus é um desafio e tanto. Para não expor a família ao risco de contágio por Covid-19, a técnica em enfermagem Elenice Pinheiro, que atua no Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB/Ebserh), decidiu se afastar do filho e da mãe, o que deixou a profissional bastante abalada. Essa é a realidade de muitos profissionais e, mesmo aqueles que ainda mantém minimamente um contanto familiar, o momento gera dúvidas, medo e ansiedade e pode acabar prejudicando a saúde mental.

Mas o próprio local de trabalho, por mais estressante que seja, pode ser também um fator de descarga de emoções e de relaxamento, se trabalhado de forma eficiente na oferta de iniciativas que valorizem o trabalhador. Pensando nisso, além do reforço na segurança de procedimentos, aquisição de equipamento de proteção e contratação de profissionais para evitar sobrecarga de trabalho, a Rede Ebserh também tem atuado no sentido de acolher seus profissionais, realizando ações de apoio psicológico e atividades extracurriculares em diversas unidades.

Um exemplo é o próprio HUB, onde Elenice (aquela profissional lá do começo da matéria) trabalha. O hospital criou o projeto Cuidar, que oferece aos trabalhadores atendimento psicológico e psiquiátrico presencial e virtual, massagem, reiki, atividades manuais para reestruturação da rotina, relaxamento e alongamento. O programa conta com psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e profissional de educação física. “Consegui expressar tudo que estou passando, meus sentimentos. Ele me ouviu e me deu dicas de como manter o contato com minha família, como se aproximar mesmo nesse momento distante”, conta Elenice após receber atendimento psicológico.

Segundo a psicóloga Julia Reis, do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF/Ebserh), em Niterói (RJ), outra unidade da Rede Ebserh que oferta apoio psicológico aos colaboradores, o efeito de um não acompanhamento pode levar a um agravamento de quadro de ansiedade e depressão. “É a maneira que encontramos de ajudar os profissionais a atravessarem essas possíveis dificuldades, além de diminuir o peso da carga de trabalho, para que ele consiga se sentir seguro nesse ambiente. Assim, ele pode realizar todos os procedimentos da melhor maneira. Se a gente não cuidar disso nesse momento, teremos muitos efeitos futuros”, complementou a psicóloga.

Outras ações

“Cuidar de si mesmo também é uma forma de cuidar do outro”.  Uma mensagem simples, mas que pode ter um grande impacto na saúde mental de quem está atuando no enfrentamento da Covid-19. Com frases que inspiram, acalmam ou geram reflexão e a oferta de aconselhamento psicológico online, o Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW-UFPB/Ebserh), em João Pessoa (PB), incentiva seus colaboradores a cuidar da mente, para que mantenham o espírito tranquilo mesmo em um cenário de crise na saúde pública. Iniciado em março passado, o projeto “Psicologia e saúde mental para a vida” surgiu de uma demanda dos próprios funcionários do hospital.

O Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Pará também oferece um serviço de atendimento psicológico para a população em geral e para profissionais dos hospitais universitários que estão na linha de frente no enfrentamento à doença. Psicólogos atendem a comunidade externa pelo telefone (91) 98389-0147 e prestam apoio aos servidores do Complexo pelo telefone (91) 98761-7233. A central funciona de segunda à sexta-feira, no horário das 8h às 17h.

Em Uberaba (MG), o Hospital de Clínicas (HC-UFTM/Ebserh) está levando mensagens de carinho, esperança e fé a pacientes, acompanhantes e profissionais da unidade hospitalar. Aa ação consiste em afixar etiquetas com frases motivacionais, de apoio e de agradecimento nas tampas das refeições servidas nas enfermarias e Pronto-Socorro (PS). O mesmo tem sido feito nos invólucros das roupas privativas entregues aos profissionais da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, Ginecologia/Obstetrícia e PS.

No Rio de Janeiro (RJ), o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio/Ebserh) também instituiu uma nova modalidade alternativa de acompanhamento. O atendimento é preferencialmente online, mas caso haja alguma urgência, pode ser realizado de forma presencial. “Estar equilibrado emocionalmente para enfrentar essa situação é essencial e tem impacto importante no atendimento que é prestado ao paciente, explicou a docente da disciplina de psiquiatria, Júlia Fandiño.

Terapias alternativas também fazem parte de serviços ofertados por algumas unidades, mas sem dispensar o apoio psicológico e psiquiátrico. No Recife (PE), o Hospital das Clínicas (HC-UFPE/Ebserh) oferece, à distância, Terapia do Biomagnetismo, Terapia Floral, sessões de Reiki, meditação e Laboratório da Felicidade Genuína (Cultivating Emotional Balance).

Atuação da Rede Ebserh

Desde os primeiros anúncios sobre o Covid-19, a Rede Ebserh tem trabalhando em parceria direta com os ministérios da Saúde e da Educação, com participação nos Centros de Operações de Emergência (COE) desses órgãos, e tendo como diretrizes o monitoramento da situação no país e em suas 40 unidades hospitalares. Também tem atuado na realização de treinamento de funcionários da Rede, promoção de webaulas, definição de fluxos e instituição de câmaras técnicas de discussões com especialistas.

Em algumas regiões, as unidades da Rede Ebserh têm atuado como hospitais de referência ao enfrentamento do Covid-19, enquanto que em outras, atuam como retaguarda em atendimentos assistenciais para a população, por meio do Sistema Único de Saúde.

Hospital cria projeto de atendimento psicológico para colaboradores no enfrentamento ao Covid-19

Dedicados à linha de frente em meio à pandemia de Covid-19 que assola o mundo, os profissionais de saúde, precisam contar com equipamentos de proteção individual (EPIs), conhecimento, amor à profissão e especialmente apoio emocional. A rotina não é fácil e a pandemia não tem data para acabar. Em meio a este cenário, o Hospital de Caridade São Vicente de Paulo (HSV), em Jundiaí (SP), tem buscado diversas alternativas para dar todo o suporte para seus profissionais. Recentemente, implantou um programa de acolhimento psicológico, que engloba assistência às equipes de todos os setores.

O trabalho consiste em dispor de sete psicólogos, que se dedicam a atender, entender e auxiliar de forma individual ou em grupo os colaboradores na superação de medos, angústias, insegurança e muitos outros aspectos emocionais que são desencadeados pela situação de pandemia. A atividade engloba todos os turnos, uma vez que o funcionamento do hospital é 24 horas. Dentre as ferramentas, estão o acolhimento, técnicas e dinâmicas.

“O objetivo é viabilizar que estes colaboradores possam ter a oportunidade de ter o atendimento psicológico e possam externar seus sentimentos e emoções diante da sua vivência pessoal frente ao Covid-19”, explica o coordenador do Departamento de Psicologia do HSV, Roberto Tafarello, responsável pela iniciativa.

O especialista explica que perante o momento atual vivenciado, muitos colaboradores manifestam alterações como estresse, ansiedade e depressão. Fatores que acabam interferindo no desempenho das atividades e que, em alguns casos, podem ser cruciais para os resultados do tratamento de uma vida. Em resumo, para cuidar de vidas, é preciso estar bem cuidado.

A ação entrou em operação na semana passada e já apresenta os primeiros resultados. “Depois que tive a oportunidade de conversar com um profissional de psicologia, me senti mais leve e ainda mais confiante em desempenhar meu papel de cuidar das pessoas. Também senti que a equipe ficou mais unida e que um cuida do outro, somos um time”, relata uma das técnicas de enfermagem que prefere não se identificar.

Segundo o psicólogo, a iniciativa é o primeiro passo de um projeto ainda mais abrangente. “A partir do atendimento psicológico, será possível identificar as necessidades de cada colaborador e, se for o caso, viabilizar o encaminhamento para outros profissionais, como por exemplo psiquiatria. O principal é fazer um trabalho humanizado e que seja capaz de gerar o melhor em qualidade de vida e bem-estar para quem trabalha no ambiente hospitalar”, finaliza.

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.