A burocracia, os problemas com glosas e, principalmente, a baixa remuneração têm estimulado alguns médicos a deixarem de atender planos de saúde e convênios e abrirem as suas agendas exclusivamente para consultas particulares. Recentemente, esse cenário ganhou um fator novo: a recessão econômica diante da pandemia da Covid-19, que, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), custou aos planos médico-hospitalares a perda de 250 mil usuários somente no segundo trimestre deste ano. A crise que impacta o mercado de saúde suplementar também atinge o médico autônomo e as clínicas particulares. Num contexto de incertezas, a eficiência da gestão do negócio é o segredo para que o sonho da independência de planos e convênios não se torne um pesadelo.
A falta de conhecimento no assunto é um dos principais desafios que o profissional da saúde encontra ao começar a gerenciar o seu negócio de forma estratégica e organizada. A pediatra Letícia Rubim, de Belo Horizonte (MG), sentiu isso na pele quando abriu seu consultório, há oito anos. Para ela, cuidar das finanças e do administrativo exige conhecimentos específicos que não são ensinados durante a faculdade e as especializações. “Só quando ingressamos no mercado de trabalho é que nos atentamos para isso”, conta.
No início da carreira, estratégia e gestão não eram preocupações para Letícia. Ainda com poucos clientes captados, sua principal fonte de renda eram os plantões em maternidades. Com o aumento no número de consultas, a pediatra viu a necessidade de se organizar financeira e administrativamente. A gestão do negócio é toda feita por ela, e a eficiência nessa tarefa a permitiu fazer do consultório a sua renda principal, sem precisar de planos de saúde e convênios.
Essa independência é uma das metas do ortopedista e cirurgião da coluna Carlos Augusto Costa Marques, de Cuiabá (MT). Hoje, a maior parte de seus pacientes são de convênios, mas ele vê a gestão eficiente como grande aliada na conquista de seu objetivo. O cuidado com essa parte começou quando o médico alterou a dinâmica de sua agenda. “Decidi atender um volume menor de pacientes para dedicar mais tempo às consultas e melhorar a qualidade dos atendimentos. Naquele momento, entendi que devia pensar melhor na gestão para que essa mudança não impactasse nos meus rendimentos”, relembra. Sem experiência no assunto, ele buscou conhecimento em cursos e auxílio de planilhas e softwares. Hoje, a gestão é uma tarefa que o médico tira de letra.
O consultório como negócio
Para muitos empreendedores, a saúde financeira e administrativa do consultório só vira um ponto de atenção quando as contas estão no vermelho. No entanto, profissionais e empresas que costumam registrar bom retorno precisam continuar a cuidar da gestão com o mesmo empenho. Para o ortopedista e cirurgião Carlos Augusto, além da falta de conhecimento da classe médica, há ainda um tabu a ser quebrado. Letícia Rubim concorda: “Uma dica que dou aos meus colegas é que eles pensem no consultório como uma empresa. É necessário deixar de lado o glamour da profissão e começar a colocar as contas no papel para acompanhar o crescimento do negócio”, completa a pediatra.
Este também é o pensamento do médico oftalmologista Raphael Trotta, CEO da empresa de soluções tecnológicas em saúde iMedicina. Para ele, os médicos precisam entender que o consultório ou a clínica são negócios, assim como uma loja ou um mercado. “Muitas vezes, o médico administrador dá muita importância para organização de arquivos e de estoque, pagamento de contas e outras tarefas que não impactam efetivamente no faturamento do negócio. Um bom administrador consegue aumentar a lucratividade ao focar nas tarefas mais estratégicas, como expansão de serviços prestados, eficiência financeira, melhoria no atendimento, fidelização de pacientes e captação de novos”, enumera.
Tecnologia é grande aliada
O médico empreendedor tem a sua disposição diversas opções de ferramentas, plataformas e aplicativos gratuitos e pagos que auxiliam na organização e controle financeiro. Letícia brinca que teve que aprender a trabalhar com planilhas “na marra”. Hoje, ela destaca a facilidade em acompanhar o fluxo de caixa, além de planejar os ganhos futuros. “Com esse controle, evito inadimplências e me preparo para as próximas consultas, lembrando os pacientes que é hora de retornarem ao consultório para uma nova consulta de rotina”, pontua.
A procura por essa tecnologia vêm aumentando durante a pandemia. No iMedicina, por exemplo, Raphael Trotta tem observado um crescimento mensal no número de médicos e de outros profissionais da saúde usando o serviço de prontuário eletrônico, que integra gestão profissional e estratégias de fidelização e de captação de novos clientes.