A cada 10 pacientes internados no Brasil, cerca de 4 estão desnutridos

Foram quase seis meses de internação para combater a infecção pelo Coronavírus. Metade desse tempo intubado, inconsciente e recebendo alimentação somente por sonda. Até que, depois de três meses, ao retirar a traqueostomia, Gilberto, 69 anos, saboreou, segundo ele mesmo “o melhor purê de batata da vida, com manteiga e bem fresquinho”, afirma bem-humorado, já em casa desde março. Morador do Rio de Janeiro, Gilberto Alves foi diagnosticado com Covid-19 em meados de setembro de 2020. “Trabalhei na sexta-feira, não sentia nada, até que no domingo tive falta de ar. Meu genro me levou ao hospital. Internei na mesma hora, na segunda-feira já estava intubado”, lembra.

O cardápio com purê de batatas deu novo ânimo a Gilberto. Mas, foi a Terapia Nutricional Oral (TNO), oferecida no hospital privado onde ele esteve internado, que contribuiu para a recuperação do comerciante que perdeu 20 quilos durante o tratamento contra o Coronavírus. A introdução da TNO aliada ao consumo de alimentos balanceados evitou um quadro de desnutrição ao paciente. Dieta que ele segue até hoje.

Gilberto está entre um número mínimo de pacientes no país que tem acesso a Terapia Nutricional Oral. A TNO consiste em oferecer ao paciente a alimentação não convencional. São suplementações que podem ser líquidas prontas para beber, pastas ou em pó que podem ser preparados como bebidas ou adicionados a bebidas e alimentos, indicadas aos pacientes que estão com necessidades nutricionais, que como indicam as pesquisas, são maioria nos hospitais. Segundo especialistas, a TNO é considerada mais segura, de fácil introdução à dieta hospitalar e complementam as refeições.

Para a médica nutróloga e presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN), Melina Gouveia Castro, identificar de maneira precoce a desnutrição de um paciente que chega a uma unidade de saúde, assim como a oferta desse tratamento, possibilita estabelecer conduta nutricional mais apropriada e melhora do desfecho dessas pessoas. “O propósito é minimizar os riscos de agravamento da doença principal, o estresse do doente e promover a rápida recuperação para que essa pessoa retorne para casa o quanto antes”, explica Melina.

E no Brasil, a situação é preocupante porque segundo o parecer técnico Adição da Terapia Nutricional Oral no Reembolso do Procedimento no SUS realizado pela BRASPEN, 37,25% dos pacientes brasileiros em internação clínica em hospitais do país estão desnutridos. Por isso, a entidade lançou a campanha ‘BRASPEN EM AÇÃO: Terapia Nutricional Oral no SUS’. Hoje os suplementos nutricionais orais não possuem procedimentos específicos para serem reembolsados o que contribui para que muitos hospitais não tenham incentivo ou recurso exclusivo para contemplar a tecnologia e oferecer aos pacientes.

Desde 2017 a BRASPEN tem se reunido com o Ministério da Saúde para discussão de uma possível atualização da Portaria 120 de abril de 2009 que regulamenta o reembolso para terapia nutricional enteral ou parenteral para pacientes internados e que estão desnutridos. E encaminhou, neste mês, para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) uma solicitação de ampliação do reembolso da terapia nutricional, com a inclusão da suplementação oral, para o tratamento de pacientes internados que estejam desnutridos ou em risco de desnutrição, em todos os hospitais do SUS do território nacional.

No entanto, uma análise preliminar da Conitec, deu parecer inicial contra a inclusão. A expectativa agora é pela abertura de uma consulta pública que recebe por vinte dias argumentos da sociedade em geral, incluindo pacientes, familiares, profissionais da saúde, especialistas e pesquisadores, que reforcem a importância da TNO. Essa é a única forma de reverter o parecer inicial do órgão. Após esse período, a Conitec volta a se reunir e então deve emitir um parecer final.

“É importante que todos, profissional da saúde, paciente, familiar de alguém que esteve ou está internado saibam da importância de oferecer a Terapia Nutricional Oral nos hospitais, tanto para obter bons resultados na recuperação quanto para que essas pessoas tenham acesso a esse atendimento”, reforça Diogo Toledo, Vice-Presidente da BRASPEN.

Saúde nutricional como direito humano

Quando um paciente é internado para um tratamento de saúde, uma equipe de profissionais realiza exames para avaliar como essa terapia será realizada. Isso envolve, inclusive uma dieta alimentar. Tão importante quanto o uso de medicamentos. Buscando reforçar esse tema, sociedades mundiais de nutrição clínica (ASPEN, ESPEN, FELANPE, PENSA e WASPEN), lançaram a campanha global ‘Nutrition care is a human right‘, em português ‘Cuidado nutricional é um direito humano’.

A ação visa a conscientização dos profissionais da saúde, sociedade civil e instituições públicas e privadas sobre os direitos do paciente no ambiente hospitalar sobre a importância do cuidado nutricional para promover a saúde de quem está internado. Mais do que isso, também possibilitar que a educação sobre a terapia nutricional seja discutida com o próprio paciente e familiares. Orientando a respeito da suplementação oral.

A desnutrição é tema de outras pesquisas que envolvem pacientes no Brasil. Um estudo publicado pela revista especializada Clinical Nutrition em 2016 aponta índices ainda maiores de desnutrição em adultos hospitalizados. Chegando a 60%. Isso significa que a cada 10 pacientes que dão entrada em unidades de saúde para internação, 6 já estão desnutridos. E durante a hospitalização esta condição piora de forma progressiva principalmente em idosos e pacientes críticos, justamente pela falta de diagnósticos e de terapias nutricionais. Doze países participaram do estudo que contou com mais de 29 mil pacientes em toda América Latina, a maioria, brasileiros.

As consequências da desnutrição para os pacientes são pior resposta imunológica, atraso no processo de cicatrização, risco elevado de complicações cirúrgicas e infecciosas, maior probabilidade de desenvolvimento de lesões por pressão (conhecidas como escaras), aumento no tempo de internação e do risco de mortalidade. E mesmo aqueles que recebem a alta hospitalar, aumentam em 50% as chances de reinternação quando não recebem terapias nutricionais adequadas.

Ministério da Saúde reconhece importância da TNO

No início dos anos 2000, médica especialista em terapia nutricional e pesquisadora Maria Isabel Correia publicou um primeiro estudo alertando para a desnutrição entre pacientes no Brasil. O Inquérito Brasileiro de Nutrição Hospitalar (Ibranutri), publicado em 2001, mostrava que metade dos pacientes internados tinha risco de desnutrição. Desde então, esse número aumentou. O estudo mais recente aponta que esse índice pode chegar a 60%.

Ciente dessa necessidade, em 2016 o Ministério da Saúde lançou um Manual de Terapia Nutricional. O documento recomenda que os pacientes admitidos na unidade de internação hospitalar devem receber a atenção da equipe responsável pela nutrição (nutricionistas e médicos nutrólogos). Que inclui desde a triagem, avaliação dos pacientes em risco, diagnóstico das necessidades nutricionais, indicação de terapia e o monitoramento. Ainda assim, é preciso tornar pública e de conhecimento natural de profissionais da saúde, unidades de atendimento e pacientes a importância da Terapia Nutricional Oral para a recuperação da pessoa internada.

Nutrição oral no tratamento da Covid19

Alinhar o tratamento medicamentoso à alimentação é fundamental para a recuperação de uma pessoa doente, assim ocorre também com a Covid19. Uma vez que esses pacientes também correm risco de complicações durante a infecção. Estudos realizados na Europa já indicam a necessidade. Na Itália, um dos países mais afetados pela doença, uma pesquisa foi desenvolvida para orientar os profissionais de saúde que combatem a Covid-19 nos hospitais do país. A indicação é inserir na dieta dos pacientes a terapia nutricional oral para que as pessoas infectadas pelo vírus apresentassem sinais de reabilitação no tratamento.

Já uma pesquisa portuguesa, feita pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, mostrou que pacientes em risco nutricional devem receber suplementos nutricionais orais como forma de reduzir complicações e aumentar a chance de recuperação mais rapidamente. A atenção deve ser voltada principalmente aos pacientes que possuem doenças crónicas como a diabetes, doenças oncológicas e cardiovasculares. Além de pacientes com idade avançada, já que entre os que apresentam quadro de desnutrição hospitalar são maioria. A pesquisa usou como base outras epidemias, como a influenza. A indicação dos pesquisadores aos profissionais de saúde é realizar o diagnóstico nutricional nas primeiras horas de internação. Só assim a terapia nutricional – se disponível – pode ser introduzida ao tratamento do paciente.

Para os especialistas, desnutrição hospitalar é um dano evitável. Quando isso ocorre, pessoas melhoram a condição de saúde no hospital e pós internação, a regulação de leitos se torna eficaz, bem como o orçamento público. “Durante vinte anos a desnutrição hospitalar foi ignorada. Pacientes desnutridos não receberam – e ainda não recebem – nutrição adequada para evoluírem no tratamento. Ficam mais tempo internados, ocupam leitos que poderiam estar recebendo outros doentes. Hoje sabemos que a eficiência na regulação de leitos hospitalares pode salvar muitas vidas”, pontua Dr. Diogo Oliveira Toledo, médico especialista em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral.

BRASPEN EM AÇÃO: Terapia Nutricional Oral no SUS – www.diganaoadesnutricao.org/braspenemacao

Redação

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