A questão tributária brasileira vem se desenvolvendo desde a segunda metade dos anos 1960. De lá para cá, a Constituição de 1988, em parte, redesenhou o sistema tributário nacional. Mas já em 2003, uma proposta de reforma tributária começou a tramitar no Congresso, com pequenos ganhos e muitas discussões. O tema, extremamente complexo, atinge todos os setores e a população em cheio.
“A reforma tributária proposta pode colocar em risco um direito constitucional dos brasileiros: o acesso à saúde. A pandemia reforçou a importância das instituições privadas para um sistema de saúde mais eficiente, foram milhares de leitos cedidos para o setor público, administração de hospitais de campanha e referência na criação de protocolos para atendimento a pacientes com Covid em todo país”, explica Marco Aurélio Ferreira, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Para o executivo, o setor suplementar, que atende mais de 46 milhões de brasileiros e é responsável por 63% das internações de alta complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS), será um dos mais atingidos pela proposta em andamento. E isso impactará no acesso à saúde de milhares de cidadãos, além de resultar em um possível aumento de demanda no sistema público.
Atualmente, o setor de Saúde está sujeito à incidência direta de tributos no regime cumulativo de 2% de ISS; 0,65% do PIS; 3% do COFINS. Com a mudança, as contribuições ao PIS e COFINS serão substituídas pela Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e o percentual da alíquota incidente que totaliza, em geral, 3,65% passará para 12% – um aumento de mais de 230% da alíquota.
Para Ferreira, na reforma tributária, o setor hospitalar deve ser tratado com excepcionalidade e neutralidade. “Nós não queremos pagar nem mais nem menos impostos. O Brasil já tem a maior carga tributária na saúde do mundo, considerando os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O nosso pedido é para que haja isenção da CBS ou dos encargos sobre folha de pagamento, que são de 20%”, revela.
O setor hospitalar privado é um dos que mais emprega no país. Nos últimos quatro anos, as contratações aumentaram cerca de 167%. Mesmo durante a crise, enquanto o saldo de geração de empregos foi negativo no primeiro semestre no Brasil, a Saúde teve resultado positivo com a contratação de 43 mil pessoas.
Um dos motivos para o aumento no número de trabalhadores foi a ampliação de leitos. Para cada um deles, são necessários cerca de seis profissionais. “Somente entre os hospitais Anahp são mais de 200 mil trabalhadores, o que corresponde a 16% do total de empregados formais no setor de atividades de atendimento hospitalar”, conta Eduardo Amaro, presidente do Conselho de Administração da entidade. “Nada mais correto se pensarmos que nós precisamos de profissionais especializados para cuidar das pessoas. É gente que cuida da gente. A questão é que o custo com a mão de obra representa 36% da despesa total de um hospital, mesmo assim, o setor estava em um processo de geração de empregos. Caso a reforma tributária seja aprovada da maneira como está, as contratações serão prejudicadas, o que resulta em um cenário de retrocesso”, completa Amaro.
Segundo o diretor-executivo da Anahp, “um hospital nasce da necessidade da comunidade local para complementar a atenção básica de saúde”. Atualmente, menos de 54% dos municípios brasileiros possuem hospitais e mais da metade dos que possuem contam apenas com a rede privada. Somados, eles oferecem 502.624 leitos, segundo o último dado divulgado pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Com uma população de 211 milhões, há 2,37 leitos para cada mil habitante, número já inferior ao estimado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 3 a 5 leitos por mil habitantes.
“O setor hospitalar privado vai aonde os governos não conseguem ir, inclusive por meio da filantropia. Precisamos incentivar a criação de mais hospitais e nós podemos contribuir para aumentar esse número”, afirma o presidente do Conselho de Administração da Anahp, que conta com 122 hospitais associados, sendo que desses, 60% são filantrópicos e trabalham complementando o atendimento ao SUS.
“Apesar dos importantes números que o setor suplementar conquistou e entrega para a população, o que vemos é uma tendência de desinvestimento. Caso a reforma siga como está, daremos passos para trás”, alerta Amaro. Com uma alíquota quase três vezes maior e a não-isenção de tributos da folha de pagamento, a previsão é que os investimentos em pesquisa, tecnologia, infraestrutura e contratações sejam suspensos.
O impacto nos impostos chega também em um momento ainda sensível para os hospitais privados, que registraram um resultado financeiro 60% menor no primeiro semestre deste ano em comparação ao ano passado, e prejudica, principalmente, o cuidado com a vida das pessoas. “Impossível não compreender que precisamos olhar para o setor de uma forma diferenciada. Um aumento de custo acaba atingindo, invariavelmente, o bolso da população, seja por encarecer o acesso à saúde suplementar ou por diminuir as oportunidades de trabalho, principalmente em um momento de crise, como o que nós estamos enfrentando”, finaliza Marco Aurélio Ferreira, diretor-executivo da Anahp.