O estudo da genética cardiovascular vem produzindo cada vez mais evidências, com importante aplicabilidade. Tecnologias avançadas de sequenciamento como o next-generation sequencing (NGS) melhoraram a eficiência dos testes moleculares e reduziram o custo dessa avaliação. Consequentemente, os testes genéticos vêm se tornando cada vez mais acessíveis e empregados no diagnóstico de várias doenças cardíacas.
O conhecimento de uma variante genética causadora de doença pode contribuir para o diagnóstico, a estratificação de risco, a orientação terapêutica e, portanto, para uma condução mais adequada das cardiopatias familiares.
Uma das situações clínicas mais desafiadoras da prática cardiológica que pode se beneficiar das atuais estratégias de investigação genética é a morte súbita, evento trágico que acomete cerca de 300.000 brasileiros anualmente. Geralmente decorrente de arritmias ventriculares, tem como causa principal o infarto agudo do miocárdio. Entretanto, a morte súbita também pode ocorrer como resultado da presença de determinadas cardiopatias familiares, especialmente quando ocorre em idade precoce – em indivíduos com menos de 40 anos. Entre as principais causas hereditárias de arritmias ventriculares malignas destacam-se os grupos de doenças conhecidas como cardiomiopatias (doenças do músculo cardíaco) e as canalopatias (doenças dos canais iônicos).
A prevenção da morte súbita nestes casos é baseada fundamentalmente no diagnóstico precoce e estratificação de risco visando o implante de cardiodesfibrilador. E isto também se aplica aos familiares.
Em princípio, esta abordagem deve ser realizada através de avaliação clínica contemplando uma história familiar minuciosa e exames complementares, como eletrocardiograma, ecocardiograma e ressonância magnética do coração. A avaliação genética geralmente é realizada após esta investigação e é de grande valia em duas situações: 1) no aconselhamento familiar, seguindo a cascata genética quando se consegue definir um diagnóstico molecular, identificando familiares em risco; 2) quando a causa da morte súbita não é identificada pelos exames usuais. Nesses casos, a avaliação genética pode esclarecer o diagnóstico em até 30% dos casos.
Eventualmente, para se chegar a este diagnóstico, pode ser necessária a coleta de sangue “post-mortem” de um paciente que sofreu morte súbita, visando a realização do teste genético, procedimento conhecido como autópsia molecular, ainda pouco realizada no Brasil.
É fundamental que se dissemine a informação de que famílias com história de morte súbita tenham a recomendação de serem avaliadas em centros de referência nesta condição para que possam ser orientadas por uma equipe multidisciplinar que envolvam profissionais treinados em genética cardiovascular.
Marcelo Imbroinise Bittencourt, Head de cardiogenética da GeneOne