Artigo – A flexibilização da importação de medicamentos do kit intubação

A excepcionalidade pandêmica e o risco de desabastecimento de fármacos utilizados no ambiente hospitalar têm causado sérias preocupações, exigindo da Anvisa a prorrogação de prazo para importação dos medicamentos necessários ao tratamento hospitalar, com regime diferenciado nas transações, conforme RDC Nº. 496/2021, publicada em 11/05/2021.

Referida prorrogação é necessária, mas o prazo de 60 dias ainda parece pouco. Afinal, a previsão é de que a pandemia se estenderá para além desse período, em um cenário em que a flexibilização nos procedimentos nacionais para contratação de bens e serviços não foi, por si só, suficiente para garantir a disponibilidade de medicamentos e segurança a todos pacientes internados.

A problemática não está apenas nos hospitais gerenciados diretamente pelo poder público. No Brasil, muitos hospitais públicos são operacionalizados por Organizações Sociais qualificadas na área da saúde (OSS) e, a despeito da eficiência desse tipo de parceria público-privada, a escassez de fármacos bateu à porta, seja pelo esgotamento do mercado produtivo brasileiro, seja pela não submissão dessas entidades às compras dos produtos com valores exorbitantes que, certamente, serão questionados pelos órgãos de controle.

As OSS não se submetem às diretrizes da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, observam regulamentos próprios para contratação de bens e serviços. Essa realidade facilitou as adequações de pessoal e serviços para o início imediato da batalha contra o vírus, mas não escaparam da necessidade de importação de dispositivos médicos e medicamentos para o manejo clínico do Sars-CoV-2.

O ajuste realizado na legislação e normas da Anvisa, como, por exemplo, a RDC Nº 476/2021, permitiu requisitos mais flexíveis para submissão de pedido de autorização excepcional e temporária para importação com o fim de viabilizar a distribuição de medicamentos para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo surto.

A ruptura da cadeia de suprimento nacional das medicações indispensáveis ao tratamento médico dos pacientes com a Covid-19 foi identificada por autoridades da área de saúde ainda em 2020. O cenário chegou a ser alarmante no que se refere aos fármacos Midazolam e Atracúrio, conforme se depreende da Nota Técnica nº 9/2021/SEI/GIMED/GGFIS/DIRE4/ANVISA, de 07/01/2021 (Sei 1290032)[1].

Mencionados medicamentos contêm dois princípios ativos amplamente utilizados no tratamento de pacientes intubados, portanto, componentes do chamado “Kit Intubação”, que abrange anestésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares.

Em março de 2021, a Anvisa publicou a RDC 483/2021, estabelecendo os requisitos para a importação de medicamentos identificados como prioritários para uso em serviços de saúde, em virtude da emergência de saúde pública internacional relacionada ao Sars-CoV-2.

A permissão de importação em caráter excepcional e temporário abrange órgãos e entidades públicas e privadas da área da saúde, que devem obrigatoriamente atender aos requisitos estabelecidos pela Anvisa. No entanto, as entidades que não conseguem atender a todas as orientações da Anvisa, podem utilizar empresas importadoras para agilizar o processo, devendo seguir igualmente as regras das boas práticas nesse tipo de transação.

Na advocacia diária de entidades responsáveis pela operação de hospitais, temos acompanhado o planejamento das ações e constatado a celeridade das medidas em proteção à vida, mas sabemos que, mesmo considerados prioritários, os medicamentos que serão importados seguem um caminho longo até chegar aos hospitais.

O que se recomenda é que as Organizações Sociais da área da saúde – e todos os autorizados a importar medicamentos – busquem manter constante diálogo com o órgão contratante, bem como a compreensão do valor por unidade dos fármacos a serem importados, comparando o preço junto ao mercado nacional, a fim de afastar eventual irregularidade na prestação de contas e repreensões dos Tribunais de Contas.

Referência:

[1] www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/votos/2021/copy_of_rop-3-2021/item-3-3-1-1-voto-39-2021-dire5.pdf

Marcela Arruda e Ian Aurichio são advogados e sócios de Rubens Naves Santos Jr. Advogados, atuam na área de direito administrativo

Redação

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