Por Marcelo Boeger
Humanizar, Desumanizar e Re-Humanizar
Muitas vezes, quando discuto o tema qualidade do atendimento em instituições de saúde, ao abordar a palavra “humanização” com alunos, amigos e colegas da área, sei que corro o enorme risco de entrar em uma velha e infindável discussão que já participei inúmeras vezes…
Não é raro ouvir frases do tipo “humanização? Não concordo com esta palavra” ou “isso é bobagem, já somos humanos” ou, ainda, para os mais sarcásticos, “não dá para não humanizar… afinal, não somos marcianos ou aliens”. Os mais céticos podem ainda apelar para “isso é óbvio, pois já somos seres humanos atendendo humanos” ou ainda “posso lhe garantir que nunca apareceu um animal para ser tratado lá no hospital, eram todos humanos”.
O engraçado é que quando usamos a palavra “desumanização” com exatamente as mesmas pessoas que possuem essa visão, todas entendem o sentido da palavra, compreendem e concordam que a falta de “humanidade” nas relações é extremamente fácil de se perceber e conseguem dar inúmeros exemplos desumanizados em experiências como usuários do sistema de saúde. A hospitalidade e a hostilidade são paradoxais, mas existentes quando experenciamos a prestação de serviços.
“No momento em que o hospital transforma a ‘pessoa doente’ em paciente, enquadrando-a em uma estrutura padronizada, vestindo-a com roupas de hospital, moldando sua dieta, seus hábitos de dormir e impondo a receber visitas em horários pré-determinados, há uma grande despersonalização do indivíduo.” (SILVA e BRANDALIZE, 2006)
Este é o ponto crucial. Sim, somos todos humanos. Mas buscamos, desejamos e celebramos a humanização justamente pelo modelo vigente ter perdido ao longo dos tempos, aos poucos, sua humanidade e desumanizando de forma estrutural.
Nosso querido e saudoso Dr. Alexandre Adler, sabiamente, já usava o termo “re-humanizar” há muitos anos, pois, apesar de toda humanidade que temos, muitas vezes não a praticamos. Ele conseguiu driblar todos esses argumentos, colocando o prefixo “re” na frente da palavra “humanização”, afirmando a ideia de repetição ou de volta ao ponto de partida.
De verdade, ao nos acostumarmos com aquilo que fazemos, corremos o risco de parar de humanizar. Nos adaptamos a uma situação ou a uma função até para sobreviver a ela – e aos poucos podemos, sem perceber, acabar por perder nossa humanidade entre os dedos.
Sempre existiram profissionais “mais humanos” e “menos humanos” na relação com o paciente, e muitas avaliações de pacientes são frequentemente baseadas nestes atributos, várias vezes deixando de lado aspectos técnicos e imensuráveis para um leigo. Quais ações diferenciam a hospitalidade da hostilidade? O atendimento humano daquele desumano? E como podemos medir isso? A dificuldade de mensurar nos impede de contratar apenas os candidatos “mais humanizados” ou ainda de incluir a “quantidade de humanização” que cada colaborador executou em um período na sua avaliação de desempenho anual ou aditar um contrato, elevando este indicador como um dos elementos de SLA (Service Level Agreement) de prestação de serviço.
Não há como medir calor humano de forma objetiva. “Para o laboratório, pode-se mandar sangue, fezes, urina, etc. Mas não há como mandar para análise sentimentos, emoções, preocupações, remorsos, saudades, esperança, raiva, ódio, amor, paz de espírito e tantos outros.” (AGOSTINI e RODRIGUES, 2008)
A humanização não deve ser confundida “apenas” com um “bom atendimento” – que em outros segmentos já seria suficiente para suprir as expectativas do cliente. Na saúde, estamos falando de uma série de necessidades, quase nunca compreendidas pelo paciente, que vai muito além de roteiros e “experiências” de jornadas pré-fabricadas.
As transformações estruturais nos últimos anos podem ter afetado a visão que vislumbramos e dado falsas ilusões daquilo que, de fato, é importante para o paciente – além do diagnóstico e da recuperação: a busca do melhor estado de bem-estar possível.
A recente mudança espontânea de comportamento das pessoas – percebemos claramente uma maior sensibilidade, que forma uma enorme rede de solidariedade e generosidade diante desta terrível pandemia – pode ser justamente uma busca corretiva de equilíbrio entre estes dois extremos.
No “novo normal”, pregado por tantos nos últimos tempos, talvez a humanização passe a ser um dos protagonistas de uma internação. Isso quer dizer que a re-humanização terá de ser um exercício e um item obrigatório para a convivência neste “novo normal”, no qual profissionais aliviados aplaudem de pé, em um corredor de saída, a alta de um paciente, resumindo um comportamento de orgulho, resistência, resiliência e superação, não apenas do paciente em alta, mas também daquelas equipes sofridas, muitas vezes isoladas de suas famílias. Neste momento, o que fica é a lembrança de tudo que se passou entre a internação e a alta: os momentos de dor, angústia, raiva, impotência, solidão e frio, misturados às recentes lembranças do calor de abraços, beijos, sorrisos, fé e amor.
A humanização e o paciente isolado por Covid-19
Aí um dia você acorda pela manhã e a Covid-19 está dentro do nosso meio, em nosso hospital e em nossa vida. Trazendo junto com ela, além de muitas mortes, medo, insegurança, dor e instabilidade, também a força da humanização potencializada pela linha de frente do enfrentamento.
Desde o início da história da medicina e, especialmente, dos hospitais, temos ações de humanização protagonizadas por notáveis personagens, como as competentes Florence Nightingale e Cecily Sauders, entre tantos bons exemplos. Não poderíamos deixar de mencionar a brasileira Anna Nery, a percursora da enfermagem no Brasil, que em um dos mais emblemáticos exemplos de humanização, em 1865, atendia os enfermos durante a Guerra do Paraguai como voluntária no campo de batalha sem diferenciar nacionalidades, ainda que correndo riscos, tendo como único objetivo salvar vidas. Ainda, destinou recursos pessoais para montar unidades de atendimento bem equipadas.
Especialmente em tempos de crise humanitária, de saúde pública, de pandemia, vemos despertar um sentimento de apoio, solidariedade e sensibilidade de muitos – em todos os países e culturas – perpassando por etnias, religiões, tribos e fronteiras.
É inegável, no nosso tempo atual, o quanto temos visto maravilhosas ações altruístas (tanto pessoais quanto corporativas), generosas doações de dinheiro, de material hospitalar, como respiradores, EPIs, álcool gel, entre outros, e de um bem ainda mais valioso: o tempo.
Vale mencionar também a abnegação incrível das equipes assistenciais, do corpo clínico e de toda a área de Hotelaria e Facilities da linha de frente do enfrentamento, que tem feito a diferença neste contexto atual em hospitais privados, públicos e de campanha.
Neste artigo, mostraremos algumas ações realizadas desde o início desta pandemia em todo o país e que merecem destaque, pois acabam nos inspirando a perceber o quanto podemos nos apropriar da humanização e olhar o cuidado de forma mais ampla, tendo empatia por aqueles que talvez estejam prestes a perder o que há de mais valioso: a saúde e, como consequência, a vida. Grande parte destas ações é espontânea e partiu das próprias equipes, com o genuíno interesse em apoiar, encorajar e humanizar.
Algumas iniciativas demonstram como a humanização é ampla e irrestrita, ou seja, é voltada tanto para os usuários quanto para os profissionais de saúde.
Em relação aos clientes usuários, poderíamos citar praticamente todos os hospitais públicos e privados, nos quais aplaudir os pacientes em alta virou um ritual obrigatório, celebrado e compartilhado entre todos os participantes.
Alguns profissionais permanecem em plantões exaustivos, passando mensagens de apoio e de compaixão, sorrindo com os olhos por trás da máscara para o paciente que luta contra a doença.
Entre tantas boas ações e boas ideias, algumas têm se destacado, apesar de todas as enormes dificuldades que sabemos existir, desde o isolamento, incluindo os riscos e a dor. “A humanização é um processo amplo, demorado e complexo. Como demanda mudanças de comportamento, gera resistência por insegurança, já que os padrões conhecidos parecem mais seguros. Além do que, novos comportamentos não estão prontos nem em decretos nem em livros, não tendo características generalizáveis, pois cada profissional, cada equipe, cada instituição terá seu processo próprio de humanização.” (MARTINS, 2002)
NA PRÁTICA
Homenagem à alta
O Hospital Cura d´Ars, em Fortaleza (CE), gerido pelo grupo São Camilo, estabeleceu mais de sete ações de humanização, visando à recuperação do paciente com Covid-19. O Serviço de Nutrição e Dietética, em conjunto com o setor de Psicologia, vem celebrando cada alta dos pacientes com um pacote de biscoitos com uma etiqueta, desejando que ele se recupere prontamente, para partilhar o presente com a família. No trajeto para a saída, além dos tradicionais aplausos pela equipe, um sino é tocado, comunicando que mais um paciente com Covid-19 obteve alta.
O ritual de alta, em praticamente todos os hospitais, tem sido seguido por aplausos ao paciente por toda a equipe de atendimento. “O sino da vitória acaba sendo mais um estímulo para todos que estão sendo tratados, para aqueles que trabalham e prestam serviços”, relatou Paola Frota, gerente de Hotelaria.
Já no sertão de Pernambuco, no Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco, da rede hospitalar EBSERH, aconteceu uma cena inusitada, mas bastante motivacional: para celebrar a alta de uma paciente, o médico convidou-a para dançar. A iniciativa provocou reações de enorme esperança em familiares de vários pacientes internados.
Recados de carinho e força
Em Brasília (DF), a equipe de nutrição do Hospital Anna Nery escreve nas embalagens que são servidas aos pacientes mensagens de incentivo e encorajamento. A nutricionista Raquel Regina reúne todas as cartinhas de agradecimento deixadas pelos pacientes e disponibiliza de imediato para a equipe. “Serve como um combustível para que os colaboradores continuem a humanizar”, disse. Ela acrescentou que além de todas as ações espontâneas, a cada semana, iniciativas diferentes são promovidas tanto para o paciente quanto para os profissionais.
Ações como esta vêm se repetindo em muitas instituições de saúde brasileiras, partindo espontaneamente de vários setores. Desde o início da pandemia, as equipes estão mais sensíveis ao tema. As mensagens vêm emocionando os pacientes, retroalimentando o desejo das equipes em fazer a diferença.
E também valem mensagens entre colegas de profissão. Lá no Hospital Unimed Teresina – Primavera – HUP (PI), os colaboradores do setor de Hotelaria estão deixando mensagens motivacionais de apoio nos kits de roupas privativas para os profissionais que atuam nas áreas de isolamento destinadas a pacientes gripais. Depois de serem esterilizadas, as roupas são embaladas individualmente com plástico. E é nesse pacote que as mensagens são escritas com uso de pincéis permanentes. “Nosso objetivo é mostrar o quanto os profissionais são importantes nessa luta. Nossas mensagens ressaltam a necessidade de manter a fé, a força, a coragem de vencer e lembrar que eles não estão sozinhos. Assim, além de contribuirmos para fortalecer nossos laços de trabalho em equipe, levamos mensagens de afeto e carinho para quem está prestando assistência nas áreas de isolamento da Covid-19”, explicou Poliana Ribeiro, gerente da Hotelaria.
Segundo ela, a ideia das mensagens surgiu após o aumento da demanda por roupas privativas. “Por conta das medidas adotadas para prevenir a contaminação, todos os profissionais de saúde passaram a receber a sua. Aproveitamos, então, para transmitir a ideia de que essa fase vai passar e vamos sair dessa juntos!”, destacou.
Mesmo atuando nos bastidores do enfrentamento, a CME – Central de Material e Esterilização é essencial para a segurança de todos. Devido à sua importância, muitos hospitais vêm encorajando as equipes com mensagens nas embalagens, como o Hospital Miguel Soeiro (Unimed Sorocaba, SP). “Normalmente não temos contato com os clientes, mas gostaríamos que vocês soubessem que estamos aqui dentro, lutando dia a dia – com vocês aí de fora.” Este é um dos recados enviados aos profissionais que estão na linha de frente. Outras tantas demonstrações de carinho e força reafirmam a importância do trabalho em equipe e ajudam neste momento mais crítico.
Também com o intuito de reforçar o sentimento de pertencimento, humanização e engajamento do colaborador para com a instituição, o Hospital São Rafael, pertencente à Rede D´Or, em Salvador (BA), promoveu o envio de mensagens de encorajamento por áudio entre colegas da linha de frente, com forte participação de gestores e diretores. As mensagens de conforto e motivação diante do desafio imposto pelo coronavírus conseguiram mostrar que cada profissional é parte fundamental de um todo. E, ainda, as equipes da linha de frente receberam presentes, além dos chamados “potes de gratidão”.
Foi pensando em motivar especialmente as equipes da linha de frente que a lavanderia hospitalar Clinilaves, de Araquari (SC), desenvolveu um vídeo mostrando o quanto os colaboradores já estavam protegidos com suas capas e máscaras – como os próprios super-heróis. O vídeo serviu para estimular os profissionais a continuarem em frente com seu importante serviço, ressignificando suas atribuições e reconhecendo o incrível trabalho que estavam realizando – mesmo sendo aquilo que sempre fizeram.
O material foi muito bem recebido pela equipe e atravessou os oceanos, tendo sido citado por uma importante associação portuguesa (APHH), que destacou a ação como relevante para o engajamento das equipes diante do crescente aumento de casos em todo mundo e também como uma ferramenta contra o absenteísmo das equipes operacionais.
Outra ação de humanização partiu do Hospital Unimed Criciúma (SC), em parceria com uma escola da comunidade. Na época em que as aulas aconteciam normalmente, os alunos foram incentivados a fazer desenhos para as equipes médicas e de enfermeiros, encorajando-os a continuar trabalhando para ajudar a salvar vidas. Imagem além das palavras!
Já no Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), a mensagem de agradecimento aos profissionais de saúde foi dada de maneira bem radical. Alpinistas da empresa Executar desceram de rapel do alto do Bloco 16, com 30 metros de altura, fazendo paradas nas janelas para mostrar cartazes com a frase “muito obrigado”.
A ação incluiu a instalação de um banner gigante, de mais de 12 m², na lateral do edifício, também como forma de agradecimento: “eles dedicam as suas vidas para cuidar da nossa”. Dentro do prédio, médicos, enfermeiros, técnicos, farmacêuticos, fisioterapeutas e psicólogos receberam emocionados o reconhecimento e o carinho.
Por trás da máscara
O Hospital Madre Theodora, de Campinas (SP), desenvolveu uma ação para valorizar o ser humano que existe por trás da máscara: produziu crachás com a foto do rosto do profissional em tamanho grande, para que pudesse ser conhecido ou reconhecido por aqueles que são atendidos por ele. Uma ação relativamente simples, mas que demonstra grande empatia pelo paciente internado.
Para suprir a enorme demanda por máscaras durante este período e a dificuldade na disponibilidade do item no mercado, os setores de Hotelaria e CME do Hospital Adventista de Belém (PA), por meio da gestora Teresa Pereira, organizaram a produção de máscaras no próprio hospital.
Além disso, a instituição vem desenvolvendo um projeto que possibilita a produção de máscaras transparentes a fim de favorecer a comunicação com os deficientes auditivos. Com isso, tanto pacientes quanto colaboradores com deficiência poderão realizar a leitura labial na comunicação e serem incluídos no cuidado.
Já o Hospital Unimed de Fortaleza (CE), fez um painel com figuras de super-heróis na entrada de funcionários com a frase: “super-heróis usam máscaras”, para valorizar as equipes da linha de frente do enfrentamento.
E por trás de quem usa a máscara também está quem faz a máscara! Para garantir a segurança dos profissionais que desempenham suas funções na instituição, o Hospital das Clínicas da UFG, da rede hospitalar EBSERH, em Goiânia (GO), criou o projeto “Hérois Usam Máscaras”, uma iniciativa que prima pelo fornecimento contínuo de máscaras cirúrgicas aos profissionais da instituição. Os itens são produzidos pelo setor de Costura e de Dobra da Lavanderia, áreas pertencentes à Hotelaria Hospitalar. Até 22 de abril, já havia sido produzidas 17 mil unidades.
Momentos de descontração
Em inúmeros hospitais do país, nas datas festivas dos últimos meses, Páscoa e Dia das Mães, os pacientes internados foram beneficiados com iniciativas para não deixar a data passar em branco.
No Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas (HUGV-Ufam), da rede hospitalar EBSERH, não foi diferente. Todas as mães que estavam internadas no Dia das Mães receberam um presente junto da bandeja de refeição.
E quem está do outro lado também foi homenageada nesta data especial. O IBCC Oncologia, de São Paulo, enviou mensagens de parabéns às profissionais que são mães por meio dos papéis que vão sobre as bandejas de refeições, proporcionando momentos de alegria no horário do almoço, jantar e café da manhã dentro do próprio hospital. Segundo a instituição, são pequenos gestos que se sobrepõem e mostram que é possível enfrentar essa pandemia por diferentes vertentes.
Já o Hospital Universitário Alcides Carneiro, da Universidade Federal de Campina Grande, PB, da rede EBSERH, presenteou as crianças internadas na unidade de pediatria.
No Hospital Unimed Criciúma (SC), uma das várias ações da área de Hotelaria Hospitalar, que vem recebendo elogios dos pacientes em isolamento, é a promoção da tarde com pipoca. Pequenos gestos que podem parecer simples quando estamos saudáveis ganham uma proporção enorme em uma situação de internação hospitalar. “Cada semana fazemos uma surpresa, tentamos descobrir as preferências de cada paciente pelos familiares”, contou Mônica Giassi, responsável pelas ações de hotelaria. O setor se comunica com o paciente em isolamento pelo WhatsApp, visando saber sua satisfação pelos serviços e também para quaisquer demandas de serviços da hotelaria.
Visitas virtuais
Em praticamente todos os hospitais, incluindo os de campanha, foram estipulados protocolos rígidos que proíbem visitas a pacientes com Covid-19, fazendo com que a solidão e a saudade tornem esse momento ainda mais difícil. Uma forma encontrada para aliviar esse distanciamento é a visita virtual, que utiliza a tecnologia como forma de humanizar.
Normalmente ela é destinada a pacientes que apresentam melhora clínica e que não estão intubados, nem sedados. O hospital disponibiliza um tablet com acesso à internet, que possibilita ao paciente ver, ouvir e conversar com seus familiares e amigos. A visita é acompanhada pelo médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social da UTI. Nas fotos, podemos ver este processo ocorrendo no Hospital Unimed de Teresina (PI).
No IBCC Oncologia, de São Paulo, foi criada a campanha “Sempre Juntos”, que também usa inovações tecnológicas para aproximar pessoas. A ação acontece na unidade de longa permanência do Jaçanã e na unidade Mooca. Através das videochamadas, que têm duração de até 5 minutos e acontecem de duas a três vezes por semana, os pacientes recebem carinho e apoio dos familiares.
Reconhecimento pelo paciente
Para se ter uma ideia do efeito dessas ações no usuário, um paciente internado no Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), após sua alta, encaminhou para o jornal Zero Hora um relato de como tinha sido sua internação por Covid-19. Na carta, publicada no dia 31 de março, o empresário Fernando Goldsztein faz uma homenagem aos colaboradores de atendimento direto, agradece e reconhece o enorme esforço de todos os profissionais envolvidos no cuidado.
A seguir, veja uma parte do texto, que expressa o sentimento de muitos pacientes que estão vivenciando situações similares:
Obrigado, dona Maria!
Escrevo essas palavras do meu confinamento aqui no Hospital Moinhos de Vento. Depois de vários dias em isolamento doméstico em função de pequenos sintomas, dei entrada no hospital no dia 22 de março. Fiz uma tomografia de tórax que sugeria a presença do “bicho” no meu pulmão e, após três dias, veio a confirmação do teste. Eu estava agora nas estatísticas nacionais. Ao ver uma matéria na mídia sobre os casos em Porto Alegre, lá estava eu: “M, 53, positivo, Hospital Moinhos de Vento”.
O fato é que estou aqui preso num quarto de hospital há quase uma semana. Aqui o confinamento é total. Você não recebe visitas, não pode sair do quarto sob nenhuma hipótese. Os únicos autorizados a entrar são médicos, enfermeiros e pessoal da limpeza, e quando entram (pois entram poucas vezes ao dia) têm de se paramentar como astronautas: roupas especiais, máscaras, touca e uma espécie de escudo de plástico cobrindo toda a face.
Hoje entrou aqui a dona Maria, da limpeza, devidamente uniformizada com suas vestes de astronauta. Começamos a conversar enquanto ela limpava tudo com afinco. Dona Maria tem filhos pequenos, mora em Alvorada e trabalha no hospital já há algum tempo, porém, na área dos consultórios, longe da internação, em outro prédio. Pois agora, em época de “guerra”, foi escalada para cobrir um colega justo aqui no epicentro do coronavírus, no quarto andar do hospital. Recebeu seu treinamento e equipamento e aqui estava ela, cumprindo o seu dever com coragem e determinação. Dona Maria está aqui enfrentando o que muitos que estão lendo estas linhas não teriam coragem de enfrentar.
Em meio a tantas discussões sobre tempo de quarentena, fechamento ou não da economia, brigas políticas de toda ordem, uma coisa é certa: os profissionais da saúde merecem todo o nosso respeito, agradecimento e apoio. São eles os heróis desta crise. São eles que vão nos salvar. Obrigado, dona Maria!
O papel da liderança
Vivemos um tempo cheio de estresse, no qual todos que estão na linha de frente dos hospitais estão hipervigilantes, em alerta todo o tempo, no limite e exaustos. Como em uma guerra, sem perceber, estamos a todo tempo avaliando o ambiente à nossa volta – simplesmente para nos proteger. Esse efeito nos ajuda a sentirmos mais seguros. Queremos dar uma resposta imediata ao perigo invisível.
Com ameaças como as da Covid-19, nossa mente fica estimulada contra o perigo, mesmo involuntariamente, mas não conseguimos facilmente tangibilizar a ameaça, ou seja, não achamos uma resposta concreta – pois a ameaça pode estar por todo lado. Não adianta correr, nem mesmo deixar o hospital. A ameaça continua no ônibus, na maçaneta da porta de casa ou nas mãos das pessoas que mais confiamos ou amamos. Outro componente de tensão está em ver os nossos pares, colegas com a mesma função, se afastarem e ficarem doentes acometidos pelo novo coronavírus.
A ação da liderança junto à linha de frente neste momento é fundamental. Essa é a nossa responsabilidade: gerar segurança e oferecer respostas às suas dúvidas, nos preocupar com a saúde mental da equipe, afastá-los de se aproximar do burnout, dando-lhes garantias mínimas que tem alguém olhando para sua segurança, dando reconhecimento e mostrando que consegue compreender as suas dificuldades.
Para a assistência, isso é imprescindível. Manter nossos valiosos e abnegados médicos e enfermeiros que ficam na beira dos leitos se sentindo cuidados, seguros e protegidos, é crucial para que realizem seu trabalho com qualidade e para que mais pacientes possam ser tratados, curados e aplaudidos ao deixar o hospital.
Este raciocínio tem de valer também para toda nossa equipe de apoio. Aquela que higieniza as unidades, transporta as refeições, que lava a roupa hospitalar ou, ainda, a que coleta os resíduos sólidos.
Há muito que se possa fazer, como por exemplo, tenho orientado aos gestores dos serviços de Hotelaria realizar uma ação direta junto da equipe (diariamente), antes de cada turno, desde o uso correto dos EPIs, a forma correta de se paramentar e desparamentar, a gestão logística da entrega dos descartáveis nos horários e locais adequados até a localização estratégica do álcool gel pelo hospital. Possivelmente não estaremos lá quando eles precisarem de nós. Eles terão de saber agir a partir daquilo que conhecem e daquilo que os ensinamos e fomos capazes de transmitir antes de estarem em atendimento.
Para isso, precisamos tornar claro aquilo que foi ajustado no processo e aquilo que se manteve como era praticado antes. Liderar não é dar uma ou outra orientação quando necessário. Liderar é um processo contínuo.
A cada início de turno, a liderança imediata deve reunir a equipe daquele plantão e repassar os processos, as atividades previstas para o dia, explicar quaisquer alterações ou mudanças em suas funções. Mesmo que todos já aparentemente saibam, tem de ser obrigatoriamente repassado. Serão minutos valiosos para que todos possam lembrar que são parte de uma equipe e, assim, se abastecerem de encorajamento.
Se não fizermos assim, este colaborador estará cada vez menos preparado para lidar com conflitos de ordens diversas que seguramente surgirão e que são geradas naturalmente neste ambiente junto a clientes e colegas.
Como humanizar a relação com as pessoas que estão tendo de eleger qual entre dois pacientes vive ou morre? Qual teria mais direito a um respirador? Como este profissional humanizará o atendimento na relação com o familiar que receberá a notícia da perda – sendo este muitas vezes o responsável em também assinar o atestado de óbito?
Neste “novo normal”, em um mundo que será cada vez mais “low touch”, no “beira leito” ainda teremos a necessidade do contato e do toque físico entre profissionais e pacientes. Neste cenário de isolamento, máscaras e lágrimas, a humanização deve reinar. Como cuidávamos dessas pessoas, ainda na era pré-Covid-19, quando elas estavam de plantão? O que pretendemos fazer a partir de agora?
Humanização transcende os processos: é um pacto
A humanização não é movida pela oferta, e sim, pela demanda. Ela é ocasional, espontânea, em pequena escala, oferece uma experiência social única (não repetível). Não tem o interesse de gerar lucro ou fidelização. Geram dádivas, como a hospitalidade, e faz bem a quem recebe – e também a quem dá.
Por este motivo, não conseguimos sair treinando as pessoas para a humanização como em um processo verticalizado. Por ser transversal e espontâneo, qualquer programa de humanização será consistente quando aquele que cuida tiver como premissa a empatia junto do usuário – assim cria-se a sensibilização e a responsabilidade perante sua saúde. Para isso é necessário revisitar conceitos e adotar uma postura que nos conduza efetivamente à humanização.
Ela deve ser entendida como um pacto entre as pessoas e não como uma tentativa de encaixotá-las em um processo ou um script. Quando estamos em uma situação como a que estamos vivendo hoje, temos de estar preparados para empoderar a linha de frente para humanizar. Para tanto, precisamos aceitar o desconhecido e o imprevisível. Devemos buscar entender os limites e a abrangência de cada nova situação – para cada paciente.
Quase sempre nossas contribuições estão muito além de nossas atribuições. A maior parte das ações apresentadas nesta matéria pelos hospitais teve custos baixíssimos ou mesmo nenhum investimento, mas agregaram e agregam enorme valor ao colaborador e ao usuário. O texto desenvolvido no Manual do Programa Nacional de Humanização Hospitalar já está fazendo quase 20 anos, mas nunca foi tão atual. Veja este pequeno parágrafo:
“A humanização é um pacto. É ampla e irrestrita. Um reaprendizado que pode levar um tempo para ser reconstruído envolve a participação de todos os atores do sistema e não é fácil de ser fotografada, medida ou contada. Humanizar é verbo pessoal e intransferível, uma vez que ninguém pode ser humano em nosso lugar. E é multiplicável, pois é contagiante. O melhor dos contágios.”
Referências Bibliográficas
AGOSTINI, Gisele; RODRIGUES, Fernanda. A humanização na relação médico-paciente. Pesquisa apresentada como exigência para conclusão do Curso de Especialização em Hotelaria e Facilities Hospitalar no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. São Paulo, 2008.
BOEGER, Marcelo. Hotelaria Hospitalar: Gestão em Hospitalidade e Humanização. 2ª ed. rev. São Paulo: Senac São Paulo, 2012.
GOLDSZTEIN, Fernando. Obrigado, Dona Maria. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, RS, 31/03/2020.
MAGALHÃES, Ana Cristina. A humanização e a hotelaria hospitalar como diferencial competitivo em UTIs. Pesquisa apresentada como exigência para conclusão do Curso de Especialização em Hotelaria e Facilities Hospitalar no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. São Paulo, 2011.
MARTINS, Maria Cezira F. N. Humanização na Saúde. Revista Ser Médico, n.18, jan-fev-mar, 2002.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. 2011.
SILVA, André Marcel Mariano da; BRANDALIZE, Adalberto. A moderna Administração Hospitalar. Revista Terra & Cultura, n.42, jan-jul, 2006.
Prof. Marcelo Boeger atua como sócio-consultor da Hospitallidade Consultoria. É Professor do MBA de Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar e coordenador e professor do curso de especialização em Hotelaria e Facilities em diversas universidades. É o atual VP da AMTSBE – Associação Mundial de Turismo de Saúde e Bem-Estar e organizador e autor de diversos livros, entre eles: Manual de Hotelaria (Manole), Liderança em 5 Atos (Yendis) e Indicadores de Hotelaria Hospitalar (Sarvier)
Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 102, de março/abril/maio de 2020. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-102-revista-hospitais-brasil