Artigo – A transformação social e a comunicação em tempos de pandemia: uma necessária reflexão

Na sociedade contemporânea, vivenciamos um movimento no Brasil que, dentre outras variáveis, pode ser caracterizado como um movimento de ruptura. A ruptura, nesse caso, assume um locus privilegiado no que tange aos níveis de retrocesso que a comunidade está sofrendo. Áreas vitais do Estado, tais como a saúde, têm sido, recentemente, rechaçadas em meio às hostilizações institucionais verticalizadas. Nesse contexto, a crise histórica imposta pelo novo Coronavírus, cujas caraterísticas são a morte, a tragédia e a crise, por um lado nos leva à recessão, por outro nos lembra que, para evitar uma crise irreparável, em vez de políticas de austeridade, é preferível dar lugar aos investimentos públicos maciços.

Direitos fundamentais, tais como a saúde, que antes de serem vistos como meio de desenvolvimento, autonomia e independência, são vistos como fardos pesados para as estruturas estatais e, portanto, indesejáveis. Sem dúvida, esse “fardo” carrega uma potência transformadora na sociedade. O Estado, preocupado fundamentalmente com a responsabilidade violenta a qualquer perturbação do projeto político-econômico daqueles que estão no poder, atua muito mais como um garantidor e instituidor da política da morte, necropolítica, como define Achille Mbembe (2018), do que como política de inclusão, crescimento e vida.

É a partir do contexto apresentado que se faz necessária a análise e a discussão da Covid-19, que atingem a todos, indeterminadamente, independentemente nos níveis sociais. As questões de saúde já não têm mais fronteiras, os problemas sanitários ultrapassam a forma cartesiana de dividir as classes sociais, bem como os limites fronteiriços dos Municípios, dos Estados e dos países.

O tema da saúde no contexto das democracias modernas é influenciado por diversos fatores. Não é possível ignorar o choque causado pela miséria, a ausência de meios, bem como a descoberta de todas as perversões de uma sociedade permissiva. É diante dessa realidade que se deve pensar no direito que, de complicado, passou a complexo; que, de direito-relógio, passou a direito-nuvem, ou seja, um direito que evoluiu e esta evolução, não necessariamente, é salutar e positiva.

No apagar das luzes do ano de 2019, mais precisamente no dia 31 de dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. O gatilho tinha sido apertado, surgia, então, a nova cepa (tipo) do coronavírus que até então não havia sido identificada em seres humanos. Em uma semana, mais precisamente em 7 de janeiro de 2020, autoridades sanitárias chinesas confirmaram que haviam identificado um novo tipo de Coronavírus. É relevante observar que até as últimas décadas, o Coronavírus raramente causava doenças mais graves do que singelos resfriados em populações humanas. A transição de 2019 para 2020 marca uma mutação considerável para a saúde pública global (OMS, 2020).

A OMS informa que no total são sete coronavírus humanos (HCoVs) identificados até então: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1, SARS-COV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-COV (que causa síndrome respiratória do Oriente Médio) e, o mais recente, novo Coronavírus, que no início foi temporariamente nomeado 2019-nCoV e, em 11 de fevereiro de 2020 , recebeu o nome de SARS-CoV-2. Esse novo vírus é responsável por causar a doença Covid-19 (OMS, 2020).

A Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional foi declarada em 30 de janeiro de 2020, momento no qual a OMS declarou que o surto do novo Coronavírus que constitui a mais recente Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsão do Regulamento Sanitário Internacional. Conforme a regulamentação constante no RSI, a ESPII é considerada “um evento extraordinário que pode constituir um risco de saúde pública para outros países devido a disseminação internacional de doenças; e potencialmente requer uma resposta internacional coordenada e imediata” (OMS, 2020).

Na trajetória mundial, é a sexta vez na história que uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional é declarada. Anteriormente, foram consideradas Emergências de Saúde em 2009 – pandemia de H1N1; em 2014 – disseminação internacional de poliovírus e o surto de Ebola na África Ocidental; em 2016 – vírus zika e aumento de casos de microcefalia e outras malformações congênitas; e em 2018 – surto de ebola na República Democrática do Congo (OMS, 2020).

O dia 11 de março de 2020 foi fatídico, pois foi o momento no qual a Covid-19 foi caracterizada, efetivamente, pela OMS como uma pandemia. A terminologia usada pela OMS tem contornos geográficos, o termo faz referência à distribuição geográfica da doença e não à sua gravidade. Essa designação reconhece a existência de surtos variados, em diferentes países e regiões do mundo.

Não se pode olvidar que, para demonstrar improbabilidade da compreensão da comunicação, deve-se levar em consideração que a própria sociedade é comunicação, e essa, por si só, não pode comunicar. Como a comunicação não é possível, a própria sociedade depende da construção de estruturas capazes de levá-la adiante, ou seja, entrelaçando-a com outras comunicações, já que a sociedade é uma malha de comunicação. Essas estruturas são identificadas como organizações e as organizações, então, caracterizam-se como estruturas formadas por decisões. Nesse contexto, nenhuma intervenção é possível diretamente nos sistemas sociais, mas tão somente em suas organizações.

Todavia, em que pese a improbabilidade da comunicação, vivemos na era da informação, ou mais precisamente um contexto da desinformação, pois quando o assunto é Covid-19, não há informações completas acerca da história natural, nem medidas de efetividade inquestionáveis para manejo clínico dos casos de infecção humana pelo Coronavírus. E, já restou comprovado que o vírus tem alta transmissibilidade e provoca síndrome respiratória aguda (SRAG), que varia de casos leves a casos muito graves e a sua letalidade igualmente varia, principalmente, conforme a faixa etária e condições clínicas associadas. Logo, agir não é uma opção, mas sim uma questão de sobrevivência.

Assim, nos resta reconhecer que nesta sociedade globalizada em que vivemos, com sua hiper-complexidade e multicentralidade, devemos observar o direito (direito à saúde) de modo articulado com os demais direitos e com os demais temas, visto que já não há mais espaço para respostas disciplinares, tampouco fronteiras para os problemas. Enfrentar a pandemia demanda respostas multifacetadas, de orgiem sanitária, jurídica, econômica e social. Neste momento não se pode falar de saúde sem SUS, sem estabilidade econômica e sem respostas que conjuguem o paradigma econômico com o social-sanitário.

Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo é Advogado, Pós-Doutor em Economia Política e Professor no programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie)

Gabrielle Jacobi Kölling é Doutora em Direito Público, Professora na USF – Universidade São Francisco e USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Redação

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