Artigo – Brasil x Sarampo: será que a doença vai virar o jogo?

O Brasil vive a ameaça de novos casos de sarampo e outras doenças que haviam sido consideradas erradicadas. Especula-se que essa possível tragédia anunciada (há tempos) decorra de um movimento denominado “antivacina”, que vem crescendo principalmente na Europa, Estados Unidos, Canadá e em nosso país, segundo dados de cobertura vacinal do Ministério da Saúde.

Essa “onda” de pais, mães e/ou tutores que escolhem não cumprir o protocolo de vacinas de bebês, crianças e até adolescentes brasileiros, se baseia nas eventuais reações adversas que podem ser provocadas e pelo desejo de proporcionar uma vida mais “natural” aos filhos, deixando que seus próprios corpos sejam responsáveis por proteger o organismo de ameaças infecciosas e virais.

Encaro com preocupação o posicionamento de alguns médicos que, perante a recorrente atitude, não se opõem a essa decisão dos pais. Mais preocupante ainda é que os tutores não se assustam com a ideia de que as crianças estão expostas a um risco muito alto de contraírem doenças graves. Tem-se a impressão de que tanto pais quanto médicos ignoram a ocorrência do surto de sarampo que acometeu mais de 50 mil de crianças brasileiras entre os anos de 1989 e 1991. Algumas com sequelas graves e irreversíveis como diminuição da capacidade mental, cegueira, surdez e retardo do crescimento.

Segundo o Programa Nacional de Imunizações, Secretarias de Saúde dos Estados e Ministério da Saúde, no ano passado 52,2% dos municípios brasileiros ficaram abaixo da meta de imunização. Índice que já anunciava o aumento de novos casos da doença. Em 2011, a taxa de cobertura vacinal era de 100%.

Recentemente foram diagnosticados no Rio de Janeiro dois casos de sarampo em estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com o que foi noticiado, ambas haviam recebido as duas doses necessárias para imunização e não viajaram recentemente para o exterior, nem para regiões brasileiras que já registram novos casos, como Roraima e Amazonas. A avaliação preliminar realizada pela Secretaria Estadual do Rio de Janeiro indica que provavelmente houve falha vacinal. Ao todo já são 5 estados brasileiros com casos de sarampo confirmados.

São necessários esforços coletivos de todas as categorias envolvidas no setor de assistência à saúde a fim de esclarecer, alertar e orientar a sociedade sobre quais medidas preventivas devem ser tomadas para melhorar a taxa de cobertura vacinal. Afinal, em 2018 ninguém merece ser acometido por doença que há muito estava erradicada do país.

O diagnóstico do sarampo pode ser estabelecido com avaliação clínica seguida da confirmação laboratorial. Diversas metodologias já estão disponíveis nos laboratórios clínicos do Brasil, para avaliação do perfil sorológico dos pacientes. Entre eles os imunoensaios do tipo ELISA, que é encontrado tanto na rede laboratorial pública quanto privada. Este tipo de exame permite dosar os anticorpos de classes IgM e IgG e, assim, diferenciar os quadros agudos daqueles decorrentes de vacinação ou exposição prévia ao vírus. Todos os casos suspeitos ou confirmados devem ser notificados ao SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Nos casos positivos diagnosticados em laboratórios, a identificação do genótipo viral deve ser feita através do método de biologia molecular (PCR), com o objetivo de diferenciar os casos autóctones dos importados e, também, para diferenciar o vírus selvagem do vacinal.

Por isso, é necessário que os laboratórios e clínicas, públicas ou privadas, que oferecem esse tipo de exame estejam preparados com a infraestrutura necessária e colaboradores devidamente orientados para atender a população com eficácia e rapidez, contribuindo para agilizar o tratamento, evitar a epidemia e a instauração de uma nova situação caótica, a exemplo do ocorrido durante o recente surto de febre amarela.

O Ministério da Saúde anunciou uma ação focada na vacinação de crianças até 5 anos contra sarampo e poliomielite, outra doença grave com sequelas irreversíveis, que começa no dia 6 de agosto e vai até o dia 31. Essa iniciativa deve ser saudada e seguida como exemplo pois evidencia a imediata compreensão do órgão sobre a necessidade de uma mudança estratégica, alterando o modelo da tradicional campanha multivacinação.

Dessa forma, espera-se que toda a sociedade tome consciência da importância e dos benefícios individuais e coletivos de manter a carteira de vacinação em dia, colaborando para voltarmos a atingir o índice de 100% de cobertura vacinal. Essa é a única forma de espantarmos o pesadelo do sarampo e outras doenças para longe do nosso país.

Wilson Shcolnik é Presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial

Redação

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