Artigo – Com a pandemia, hospitais repensam a experiência do cliente

Além de investir na qualidade técnica e na de seus profissionais, para se sobressair em meio à concorrência e fidelizar a clientela, com os efeitos da pandemia na interação entre pessoas e espaços, nas formas de convivência e no comportamento do consumidor, os hospitais mais preocupados com a qualidade percebida tiveram que ressignificar o que é um “bom atendimento” buscando compreender as novas expectativas de seus clientes. Adicionalmente ao conforto físico, emocional e ambiental tiveram também que repensar a experiência digital gerada nos pontos de contato.

Algumas instituições de saúde foram ágeis. Tiveram que rapidamente perceber as transformações e mudanças nos hábitos de consumo de seus clientes, facilitando o acesso às informações nos pontos de contato, buscando a eficiência e consequentemente a velocidade de resposta frente às demandas – sem perder a pessoalidade e a humanização – mesmo com o atendimento remoto.

Nunca foi algo elementar. Mas a percepção de alta qualidade em serviços pelo cliente não ocorre por acaso. Aqueles hospitais que chegaram neste patamar, atuam continuamente em um nível de serviços adequando às expectativas de seu público continuamente. Criaram canais para conhecer as experiências geradas e atuar nas causas das insatisfações de forma imediata, desenvolvendo para cada “não conformidade”, planos de ação contendo métricas e prazos. Relatam resultados para aqueles que realizam os serviços e acompanham os seus desdobramentos até o seu desfecho.

É fato que a crise sanitária mudou o olhar da sociedade sobre sua saúde, afetando o setor como um todo. O medo da contaminação pelo Sars-Cov2 subverteu a lógica do cidadão que antes procurava o pronto-socorro para atender a quaisquer questões que poderiam ser resolvidas no âmbito ambulatorial, a buscar alternativas que pudessem ser efetivas, mas seguras.

O atendimento digital passou a ser um dos caminhos e, terminada a fase aguda da pandemia e o retorno do atendimento presencial, o paciente já traz consigo diferentes valores agregados e novas percepções. Questões ligadas à higiene dos ambientes e um olhar para o risco de transmissão por outros pacientes passaram a ser intensamente notados. Mais do que antes, os pacientes observam atentamente se os profissionais de saúde lavam as mãos antes do atendimento que receberão ou se há álcool em gel disponível nos acessos. Também evitam elevadores lotados, locais com aglomeração e receiam um longo tempo de atendimento, não somente pelo tempo de espera em si – mas por causa da exposição junto de outras pessoas.

Um dos efeitos colaterais “positivos” que a pandemia causou, se podemos assim chamar, foi a aceleração da  transformação digital na saúde. Clientes, moldados na quarentena, se tornam cada vez mais consumidores digitais e esperam como tal, alta resolutividade. Problemas que antes eram resolvidos apenas de forma presencial, agora podem ser solucionados de maneira remota (mesmo quando o paciente está dentro da Instituição), por meio de totens, plataformas e aplicativos. O poder de esclarecer procedimentos, horários, valores e autorizações deixam o cliente menos inseguro, afetando positivamente sua experiência. O acesso de um cliente desinformado inevitavelmente poderá criar predisposição para gerar experiências negativas ao longo de seu atendimento. A informação pode ser presencial, mas também via app, WhatsApp ou Chatbot (programa de computador que simula atendimento humano).

Não faz mais sentido fazer o cliente se locomover até a instituição de saúde para fazer algo presencial que pode ser realizado a distância, como emissões de guias, autorizações, simples cadastros ou obtenções de assinaturas. Quando o encontro presencial pode ser substituído por uma interação remota – sem filas, sem estacionamentos, sem demora –, não faz sentido obrigar o paciente a se movimentar. Quem tem que andar é a informação e não o cliente. Isso vale não somente para hospitais. As transformações também passam por laboratórios de análises clínicas e de imagem, que propiciam cada vez mais diagnósticos mais assertivos, com resultados mais rápidos e com menor custo operacional.

Medir a experiência do paciente passa também a ser um item abordado pelas certificadoras que visam garantir a segurança do paciente nas Instituições de Saúde. Ao rever seu manual para 2022, a ONA – Organização Nacional de Acreditação já aborda a participação do paciente no seu cuidado. Referência nacional em matéria de acreditação, a entidade estimula a participação do paciente e família no redesenho dos processos e propõe mudanças a partir destas evidências. Também utiliza os resultados da experiência do paciente para gerar valor às partes interessadas, promovendo então melhorias. O manual da JCI – Joint Comission International traz padrões e requisitos específicos no objetivo de avaliar essa perspectiva do cliente, atendendo ao “Cuidado Centrado no Paciente” em de seus capítulos.

Para o cidadão comum é difícil avaliar o serviço de saúde do ponto de vista técnico, até porque desconhece suas próprias necessidades. Investir na percepção do cliente ao longo de sua jornada é mais abrangente e pode aproximar suas expectativas com suas necessidades. Uma pessoa internada, tende a valorizar ações de seu cotidiano como comer, tomar banho, dormir. Valoriza as interações com as equipes e percebe inconscientemente quando se importam ou agem com indiferença.

Para aferir a qualidade dos serviços, os hospitais têm recorrido ao Net Promoter Score (NPS), uma métrica que objetiva quantitativamente mensurar a fidelidade do cliente. Após o atendimento, o indivíduo recebe uma pergunta se recomendaria o serviço do hospital para outra pessoa. A métrica divide a experiência em três níveis. As notas 9 e 10 revelam um cliente “promotor” da marca. A pontuação entre 6 e 8 mostram indivíduos “neutros”, que não foram fidelizados e podem trocar de marca por qualquer motivo. Nada de “especial” ocorreu a ponto de tornar-se aquela experiência memorável ou ruim. Já as notas abaixo de seis são dadas por clientes “detratores” que, além de fazer reclamações no serviço de atendimento ao cliente do hospital, podem afetar a imagem da marca, falando negativamente de sua experiência a amigos e colegas ou mesmo entre desconhecidos nas redes sociais. Os resultados no NPS são analisados pelos profissionais da área de qualidade, que vão analisar as causas das reclamações e entrar em contato com o cliente para compreender a experiência que gerou as falhas apontadas e tentar reverter a impressão, atuando em suas causas. Já existem hospitais que fazem a pesquisa ao longo da internação e procuram corrigir eventuais falhas antes da saída do paciente.

Não resta dúvida de que, para proporcionar uma boa experiência ao cliente, os hospitais se obrigaram a ter uma visão sistêmica de seus serviços. E que a pandemia, apesar de tudo, contribuiu para aprofundar este olhar e trazer novos recursos, afetando a qualidade dos serviços oferecidos aos pacientes e sua experiência.

 

 

 

 

Marcelo Boeger é coordenador científico da Hospitalar

Redação

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