O mundo enfrenta há mais de um ano os desafios trazidos pela pandemia do Coronavírus. Milhões de pessoas perderam seus parentes, amigos, filhos e companheiros de uma forma súbita, sem direito sequer à última despedida.
A infecção exige isolamento, seja domiciliar ou hospitalar, o que significa que o paciente acometido pela doença será isolado da sua família, sem direito a visita durante o período de transmissão da doença.
A realidade é a mesma, e até mais rígida, para pacientes que estão em ambiente hospitalar. Nessa situação a família recebe diariamente boletins médicos de forma presencial ou por telefone sobre a condição do seu familiar, entretanto, o acesso pessoal ao paciente é restrito.
Ao mesmo tempo, a tecnologia e os recursos virtuais tomaram conta da sociedade, e proporcionaram a transformação de diversos aspectos na vida social e econômica. Essa transformação afetou diretamente a realidade dos hospitais, ao passo que questionamentos quanto à possibilidade/regularidade de visitas virtuais – as videochamadas – aos pacientes internados fossem permitidas e viabilizadas nos serviços de saúde, especialmente para doenças infectocontagiosas, como é o caso da Covid-19.
Uma solução que à primeira vista parece simples, mas que trouxe questionamentos do ponto de vista legal, ético, regulatório e de gestão.
Os Conselhos de Medicina, a exemplo do CREMESP (São Paulo/SP), através do Parecer de número 131045/2021 se posicionou quanto aos aspectos como privacidade, sigilo médico e confidencialidade da relação médico-paciente, recomendando a vedação de videochamadas em casos de pacientes sedados ou em coma, impossibilitados de conceder consentimento relacionado à transmissão de imagens.
Em abril deste ano, entretanto, o CREMESP publicou a Resolução 347/2021 reconhecendo que a videochamada, especialmente para pacientes isolados, é um “valioso instrumento” para a humanização dos atendimentos médicos. Sendo permitido, inclusive, para pacientes que perderam a capacidade de consentir durante a internação, desde que coletado o consentimento por representante previamente designado ou por diretivas antecipadas de vontade registradas em prontuário quando o paciente ainda tinha capacidade para consentir.
Houve, portanto, uma transformação na rotina dos serviços de saúde a fim de garantir o atendimento humanizado a milhões de brasileiros, o que também implica no respeito aos direitos do paciente. A garantia de contato, mesmo que a distância e por equipamentos tecnológicos, proporciona ao paciente segurança e apoio emocional que podem implicar diretamente no seu quadro de saúde.
Até então o tema estava sendo tratado na esfera ética dos conselhos de classe, o que não possuí força normativa para trazer a segurança jurídica que o tema requer. No final de junho desse ano, foi aprovado na Câmera dos Deputados o Projeto de Lei 2136/20 que dispõe sobre a visita virtual, por meio de videochamadas, entre familiares e pacientes internados em decorrência do novo Coronavírus (Covid-19).
O Projeto que agora aguarda apreciação do Senado Federal, traz a previsão legal que garante visitas virtuais entre familiares e pacientes internados com Covid-19. O Projeto, entretanto, não dispõe sobre aspectos como consentimento, o que ficará pendente de regulamentação pelo poder executivo.
De toda forma, os serviços de saúde passam por transformação em suas rotinas e exigem dos profissionais da saúde e da sociedade flexibilidade na implantação de novas medidas.
A pandemia trouxe muitas mudanças em todos os setores da vida, no aspecto legal, regulatório e assistencial. A legislação sobre o tema é de suma importância pois, demonstra o caminhar do direito em consonância com as necessidades sociais da população.
Muito embora a utilização das videochamadas já seja uma prática em muitas instituições de saúde, o marco legal, se aprovado, será uma medida significativa para que não restem dúvidas sobre a importância da preservação do direito de visita dos pacientes isolados e a necessidade, cada vez mais gritante, de atendimentos médicos humanizados.
Thamires Pandolfi Cappello é advogada, doutoranda e pesquisadora sanitarista na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Coordenadora do curso de direito médico, hospitalar e da saúde na FASIG. Fundadora do HEALTH TALKS BR