Artigo – Entre a vida e a morte: os hospitais x protocolo na opção da prioridade dos leitos de UTI em caso de Covid-19

Em tempos de pandemia, e com um número insuficiente de leitos de UTI, desigualmente distribuídos pelo país, são as equipes médicas que acabam obrigadas a optar entre os pacientes que terão prioridade.

Deve ser ressaltado que não há protocolo definido pelo Ministério da Saúde sobre como agir nesses casos.

Assim, cada hospital seguirá criando seu próprio protocolo. Aí reside o perigo!

Não há dúvidas quanto a gravidade desta pandemia. Conforme exposto pelo Juiz Federal Substituto da 21ª Vara da SJDF, Rolando Valcir Spanholo: “porque ninguém, no juízo da sã consciência, teria coragem para negar que o mundo está atravessando o seu pior momento desde o final da Segunda Guerra. Infelizmente, a pintura fática diária tem se revelado assustadora, desnudando quadros de horror e de incapacidade humana jamais vistos e/ou cogitados seriamente no chamado ‘período moderno em que vivemos’”.i

Então se torna um grande desafio para os hospitais brasileiros, em meio à tão terrível e avassaladora pandemia, tentar se resguardar ao máximo para não serem responsabilizados quando da escolha da prioridade da utilização de leitos de UTIs.

Para Ruy Rosado de Aguiar Júnior “o hospital é uma universalidade de fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos e instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde, vinculada a uma pessoa jurídica, sua mantenedora, mas que não realiza ato médico”.ii

Está estampado em nosso Código Civil, em seu artigo 186 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato lícito”.iii

Ainda em seu artigo 927 traz em seu bojo a premissa de que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.iv

Destarte, como já exposto, o vigente Código Civil brasileiro adotou como regra geral a responsabilidade civil subjetiva (artigo 186), segundo a qual, baseada na teoria clássica, o ofensor tem o dever de reparar ou de restituir o mal causado desde que comprovado o dano, o nexo causal e a sua culpa.

A imputação de responsabilidade civil feita a Hospitais por atos ilícitos que teriam sido praticados pela sua equipe de saúde, acompanha o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, §4º, que dispõe que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”, ou seja a chamada responsabilidade objetiva.

Nos termos do entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça vi o hospital responderá objetivamente, sem que haja necessidade do paciente demonstrar a culpa do estabelecimento hospitalar, quando for comprovada a culpa dos médicos integrantes de seu corpo clínico no atendimento.

Além do Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade civil objetiva se encontra amparada no Código Civil brasileiro (art. 927, §único) como sistema subsidiário, segundo a qual deve o ofensor reparar, restituindo ou restaurando o ofendido independentemente de culpa, bastando a comprovação do dano e do nexo causal.

Então vem a indagação: qual a melhor conduta dos hospitais para criação de um protocolo específico no caso de opção entre os pacientes que terão prioridade na utilização de UTIs, primordialmente em casos relacionados à Covid-19?

Como fazer a dura e difícil escolha de quem vive e quem morre, quando não temos leitos, respiradores entre outros equipamentos de logística suficientes para enfrentar a pandêmica catástrofe do coronavírus.

Recomenda-se que o hospital venha a criar um protocolo específico para essa finalidade, com a análise jurídica adequada, com observação às diretrizes da Associação Médica Brasileira, e que os termos desse protocolo possam ser devidamente enviados ao Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil para ciência e manifestação, tendo em vista sua função institucional de fiscalizar a boa aplicação das leis, incumbindo-lhes a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Na confecção desse protocolo específico devem ainda ser observados os princípios e valores inerentes à profissão médica e as diretrizes e resoluções impostas pelo Conselho Federal de Medicina, autarquia federal com atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica.

Após a criação do protocolo específico, este deverá ser encaminhado à Comissão Ética do respectivo hospital para a consequente validação. Segundo os termos da Resolução CFM n.º 2.152/2016 vii, fixa como facultativa a constituição de Comissão de Ética Médica nas instituições com até 30 médicos, cabendo ao diretor clínico, se houver, ou ao diretor técnico, encaminhar as demandas éticas ao Conselho Regional de Medicina. A instituição que possuir acima de 31 a 999 médicos tem a obrigatoriedade de eleger comissão com mínimo de três membros efetivos e igual número de suplentes, enquanto as com mais de mil médicos terão de contar com pelo menos cinco membros efetivos e cinco suplentes.

Assim, em nosso entendimento, apesar de grande parte da doutrina entender ser inevitável a responsabilidade do hospital em casos de serem obrigados a optar entre os pacientes que terão prioridade na utilização dos leitos de UTIs, se restar comprovado que o estabelecimento hospitalar tomou todas as providências de precaução na confecção do protocolo específico, bem como que o seu corpo clínico agiu de forma ética e adequada, não há requisitos suficientes para que os hospitais sejam responsabilizados por eventuais danos causados a pacientes portadores da Covid-19.

Felipe Bayma é advogado empresarial; presidente da Comissão de Empreendedorismo Jurídico da OABDF; membro da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do CFOAB; membro do IADF

i Decisão proferida nos autos do processo de nº 1018785-12.2020.4.01.3400 ii DE AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade Civil dos médicos, Revista Jurídica nº.231, jan/97, pág.122. iii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm iv http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm v http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm vi AgInt no REsp 1793515 / RJ – Agravo Interno no Recurso Especial 2019/0027233-6 – Relator Ministro Moura Ribeiro – julgado em 20/04/2020 vii sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2016/2152

Redação

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