Há algum tempo o setor de análises clínicas acompanha um forte movimento da indústria em prol dos chamados Testes Laboratoriais Remotos (TLR – do inglês: Point Of Care Testing – POCT), aqueles exames realizados por meio de equipamentos portáteis situados fora da área de um laboratório clínico.
A principal característica desses equipamentos é proporcionar reações rápidas, com produção de resultados analíticos em curtos espaços de tempo. Os exames laboratoriais são responsáveis por 70% das decisões médicas e têm papel importante na detecção de fatores de risco e podem mudar completamente o rumo do diagnóstico, do monitoramento e do tratamento de doenças.
Esse movimento mereceu a atenção do órgão regulador, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cuja missão é “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços, inclusive as tecnologias a eles relacionados”.
Em 2019 a Anvisa, cumprindo o seu papel, distribuiu à Vigilâncias Estaduais e Municipais de todo país um ofício orientando sobre as condições de uso dos TLRs para realização desses exames em farmácias e drogarias, já que a oferta desses exames nesses ambientes já pode ser observada em diversas cidades do país. Nesse documento, já contestado judicialmente por outros setores interessados, a Anvisa classifica esses dispositivos como produtos para diagnóstico in vitro, de classe risco II, para uso exclusivamente profissional. Sendo assim, sua utilização é regida pela RDC n. 44/2009, a qual permite que em farmácias e drogarias seja feita apenas a aferição do parâmetro bioquímico de glicemia capilar.
Reconhecemos que os testes laboratoriais remotos podem contribuir para preencher eventuais lacunas existentes no cuidado à saúde, desde que integrados aos sistemas existentes que já sofrem com a fragmentação da assistência. Graças à essa tecnologia é possível ampliar exponencialmente a área de atendimento à população, sobretudo em locais inacessíveis, onde não existem laboratórios de análises clínicas.
Entretanto, já há farta literatura científica que comprova que a maior parte dos erros nos exames realizados remotamente ocorrem durante a fase analítica, por falhas de operadores durante a calibração dos equipamentos e na avaliação dos controles que asseguram a precisão e exatidão dos resultados.
Há de se concordar, portanto, que é necessária a regulamentação desse tipo de serviço. E, mais do que isso, é preciso garantir que as recomendações das sociedades científicas que atuam nesse setor e de normas internacionais sejam respeitadas, a fim de garantir a validade e a confiabilidade dos exames, com adequado controle de qualidade assegurando, assim, a redução dos riscos suas graves consequências em casos de erros e preservando a segurança dos pacientes. Essas exigências já são amplamente conhecidas e praticadas por laboratórios clínicos licenciados no país e em nível internacional, que se submetem a programas de controle de qualidade e acreditação.
O mesmo princípio deve se aplicar aos TLRs. Principalmente por tratar-se de impactos que podem trazer à saúde dos pacientes, a regulamentação torna-se ainda mais necessária. Os ambientes e equipamentos devem ser adequados, e os profissionais habilitados e capacitados para realizá-los.
Esperamos chegar a um modelo que beneficie e proteja, de forma efetiva, os maiores interessados neste processo: os pacientes. Com a palavra nossa agência reguladora, a Anvisa.
Wilson Shcolnik é presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (ABRAMED)
Luiz Fernando Barcelos é presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC)