Artigo – Meningite e desinformação: páginas que Brasil precisa superar para seguir em frente

Acompanhamos diariamente os impactos da desconfiança na vacinação que afasta 13% dos brasileiros dos postos de vacinação[1]. Preocupante por si só, a hesitação vacinal, aliada à crescente desinformação sobre o tema, criou um cenário que derruba de forma contínua a curva vacinal no país desde 2018[2]. É o cenário perfeito para que doenças graves como a meningite ressurjam em meio a ondas de fake news.

O avanço da desinformação, com rumores e notícias falsas ganhando valor de verdade em smartphones e rodas de conversa cotidianas, exige que nossa sociedade, em todos os níveis, repactue nossa força na vacinação. Isso já nos uniu no passado para erradicar enfermidades e deixar para trás graves surtos, como o de meningite vivido por aqui nos anos 1970, dentre vários outros.

É preciso virar a página para reverter o cenário que faz cinco em cada dez brasileiros evitarem alguma vacina por conta de razões inexistentes ou imprecisas cientificamente1. Isso requer uma mudança de estratégia dinâmica, com foco cada vez maior em levar notícias críveis, acessíveis e programas de conscientização fortes, tanto no meio físico, em postos de saúde e na busca ativa pela população, quanto no meio digital.

A desconfiança na vacinação, contudo, não pode ser condicionada apenas ao isolamento devido à crise sanitária diante da pandemia do novo Coronavírus. O Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS) aponta que, por cinco anos consecutivos nosso país assiste a curva de imunização geral do PNI cair, saindo de 77,13%2 naquele ano para atuais 42,33%2.

No caso da meningite meningocócica, os efeitos são indiscutíveis e muitos sérios. Entre 1.500 e três mil brasileiros são diagnosticados com a doença todos os anos[3], incluindo nessa lista não apenas bebês (como comumente pensamos quando falamos da doença), mas também adolescentes e jovens adultos que deixaram de se vacinar.

O grupo de adolescentes, aliás, merece especial atenção das autoridades. Além de ser considerado chave para o controle da doença[4], com estimativas apontando que cerca de 20%5 deste público pode transportar a bactéria causadora da doença de forma assintomática, esse é um público que está muito inserido nos meios digitais.

O Brasil conta nos sistemas público e privado de vacinação com imunizantes contra meningite meningocócica de alta eficácia[5] contra os sorogrupos A, C, W, Y[6],[7] e o B (apenas no privado) para diversas faixas etárias[8],[9],[10],[11]. Mesmo assim, a taxa de vacinação estagnou nesse público apto a receber o imunizante, sinal de que precisamos atuar mais fortemente na conscientização sobre o papel de todos na eficácia das vacinas neste e outros públicos.

Para virarmos a página da meningite meningocócica no Brasil, temos que voltar a fazer a lição de casa e o maior desafio será o de reafirmar o pacto social em torno da vacinação no país. A união faz a força para superar as desinformações e combater doenças preveníveis por vacinas como as meningites.

 

 

 

 

Dra. Karen Mirna Loro Morejon é infectologista membro do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)

 

Referências bibliográficas:

[1] Sociedade Brasileira de Imunizações; Avaaz. As fake news estão nos deixando doentes? Como a desinformação antivacinas pode estar reduzindo as taxas de cobertura vacinal no Brasil. Disponível em: sbim.org.br/images/files/po-avaaz-relatorio-antivacina.pdf Acesso em 22/09/2022

[2] Brasil, Ministério da Saúde. Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS).

[3] Sociedade Brasileira de Imunizações, Doença Meningocócica (DM). Disponível em: familia.sbim.org.br/doencas/doenca-meningococica-dm. Acesso em 21/09/2022. 

[4] Christensen H, May M, Bowen L, Hickman M, Trotter CL. Meningococcal carriage by age: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2010;10(12):853-61. 

[5] Helena De Oliveira L, Jauregui B, Carvalho AF, Giglio N. Impact and effectiveness of meningococcal vaccines: a review. Rev Panam Salud Publica. 2017 Dec 20;41:e158. doi: 10.26633/RPSP.2017.158. PMID: 31391840; PMCID: PMC6660876.

[6] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. – 5. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2021. 1.126 p.: il. ISBN 978-65-5993-102-6. Disponível em: www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigilancia/guia-de-vigilancia-em-saude_5ed_21nov21_isbn5.pdf/view. Acesso em 21/09/2022. 

[7] Brasil. Ministério da Saúde. Calendário Nacional de Vacinação. Disponível em: www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/calendario-nacional-de-vacinacao. Acesso em Acesso em 21/09/2022. 

[8] Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendário de Vacinação – criança – 0 a <10 anos. Disponível em: sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-crianca.pdf. Acesso em Acesso em 21/09/2022. 

[9] Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendário de Vacinação – adolescente 10-19 anos. Disponível em: sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-adolescente.pdf. Acesso em Acesso em 21/09/2022. 

[10] Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendário de Vacinação – adulto 20-59 anos. Disponível em: sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-adulto.pdf. Acesso em 21/09/2022. 

[11] Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendário de Vacinação – idoso mais de 60 anos. Disponível em: sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-idoso.pdf. Acesso em 21/09/2022.

Redação

Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.