Para se tornar um enfermeiro(a) de alta performance são necessários ao menos 30 anos de estudos, sendo 15 anos do ensino fundamental ao médio, mais cinco anos de faculdade, mais duas de especialização, mais sete de formações complementares, participação em congressos, pesquisas, mestrado e doutorado. Esta é em média a vida acadêmica de um profissional que dedica 40% da vida (se comparado à média de expectativa de vida no Brasil segundo IBGE, 72 anos) para viver em prol do seguinte Juramento: “Juro dedicar minha vida profissional a serviço da humanidade, respeitando a dignidade e os direitos da pessoa humana, exercendo a enfermagem com consciência e dedicação, guardando sem desfalecimento os segredos que me forem confiados.”
Coincidentemente ou não, foi quase exato o mesmo período de tempo, um pouco mais de 30 anos das leis nº 7.498, de 25 de junho de 1986 e nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que a luta por melhores salários enfim, foi sancionada pela Presidência da República com a Lei 14.434/2022, que criou o piso salarial nacional do enfermeiro, do técnico de enfermagem, do auxiliar de enfermagem e da parteira, sendo publicado no Diário Oficial da União em 5 de agosto de 2022. Suspenso por 60 dias pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF com justificativa falta de verbas dos caixas públicos de arcar com o reajuste do piso salarial da enfermagem em Estados e municípios e em nova votação, mantido em 16/09/2022 pelos ministros do STF com sete votos contra quatro a favor.
Os valores fixados para reajuste foram de R$ 4.750,00 para enfermeiros, R$ 3.325,00 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375,00 para auxiliares e parteiras. A aprovação foi uma vitória dessa longa história, mesmo sem a inclusão do reajuste anual pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), pois a longo prazo, isso implicaria no distanciamento dos valores fixados a título de piso salarial para profissionais do setor público e do setor privado.
Mas o que a aprovação da LEI do piso impacta?
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) realizou um estudo orçamentário sobre os possíveis impactos e estimou-se um gasto anual de R$ 10,5 bilhões e demissão de 32,5 mil enfermeiros, caso haja aplicação sem custo adicional, mais de R$ 1,8 bilhão seria identificado no primeiro ano só na estratégia Saúde da Família e custo extra anual total de R$ 9,4 bilhões aos cofres municipais. Já segundo o presidente da Fehosp, há 10 anos não há reajuste da tabela de serviços do SUS, em que o setor filantrópico é responsável por 71% dos procedimentos de alta complexidade, impactando a sobrevivência de muitos hospitais.
Isso significa que, em mais de 30 anos, o estado não se organizou para as mudanças que aconteceriam em janeiro de 2023. O setor privado, planos de saúde, exames e especialmente o serviço filantrópico, não veem a medida como viável a curto prazo, que já possui uma carga tributária enorme. Além disso, a lei foi aprovada e o prazo de implantação para o setor privado seria no mês seguinte.
Os profissionais da enfermagem que representam mais de 50% da folha de pagamento da maioria dos hospitais, estão a mercê das decisões políticas e econômicas, no entanto seu juramento de dedicação integral e seu investimento na carreira de 30 anos permanecem, mesmo após desrespeito e desvalorização e na incerteza das novas decisões, que não estão em suas mãos.
Ana Claudia Camargo é CEO da Faculdade ITH e docente há mais de 20 anos