Artigo – Se atalho fosse bom, se chamaria caminho

Não raro, andando pelos hospitais no Brasil e Mercosul, nessas últimas décadas, tenho encontrado algumas cenas que se repetem, independentemente do idioma ou país. Costumo classificá-las como: “atalhos ruins” ou, em português cruel, “em terra de cego, quem tem um olho não é rei, é caolho!” – o problema é que os outros não veem isso… e, portanto, as promessas (fake news) dos supostos reis mobilizam as instituições, lamentavelmente, a andarem em círculos. Neste artigo, quero mencionar os dois atalhos ruins que esses influenciadores “caolhos” promovem dentro dos hospitais.

ATALHO 1: A FALTA DE EXPERIÊNCIA PRÁTICA DOS “CAOLHOS”

É interessante ver como muitos líderes assumem alguns conceitos ou tomam decisões sem ancoragem de conteúdo.

Num hospital fora do Brasil, há cerca de dois anos, uma gestora da qualidade e um coordenador de RH se uniram para, de forma bastante velada, colocar em dúvida e minar todo o programa de competências que estava sendo implantando pela minha equipe da FATOR RH, sob o pretexto de que os perfis por competências deveriam ser elaborados com uma ferramenta diferente, na qual as informações de tarefas (incluindo as menos importantes) deveriam ser organizadas em camadas (MPC), com a definição de porcentagens para tarefas administrativas e operacionais para cada cargo.

Toda a argumentação era feita em cima de um cursinho que ambos frequentaram sobre gestão por competências que não durou mais do que um final de semana. O pior é que o método proposto vinha de indústrias, ou seja, nunca havia sido implantado dentro de um hospital.

Pior dos mundos: os “caolhos” e influenciadores dos atalhos ruins geralmente têm acesso ao topo do organograma e como lá em cima, não raro, há cegos (no sentido de não dominarem as técnicas e ferramentas de RH), adivinhe o resultado? Quase perdemos todo o árduo trabalho de nove meses dentro desse hospital. Uma das diretoras, inclusive, autorizou que eles iniciassem em paralelo a construção desse modelo, mesmo o hospital já tendo uma metodologia definida. No final, por uma imposição da mantenedora, o processo seguiu com a FATOR RH e, hoje, os resultados comprovam que a instituição fez a escolha correta em confiar nos especialistas.

Mas, se a mantenedora não tivesse agido de forma firme, os “caolhos” teriam virados reis e, ainda hoje, o hospital estaria andando em círculos com aqueles perfis que nunca sairiam do papel, porque simplesmente eram teóricos demais, complexos demais e inviáveis no mundo assistencial.

ATALHO 2: DESFOCAR PARA CONFUNDIR E SE EXIMIR DA RESPONSABILIDADE

Uma Santa Casa que estava implantando o Projeto Phoenix (veja página ao lado) tinha um dos principais líderes que era um “caolho”. Ele avaliava seus subordinados, mas não dava continuidade no processo de desenvolvimento deles. Depois da avaliação de desempenho, deixava de acompanhar os planos de ação ou PDIs do seu time e o processo naufragava no descrédito. Pela grande experiência que temos nessa metodologia de competências, ao longo de mais de 25 anos, nós desenvolvemos três metas técnicas que usamos para medir o “Grau de Maturidade do Processo e dos Líderes da Instituição”, o que é algo muito inovador na nossa área. Bem, nem preciso dizer que o nosso amigo gestor não bateu nenhuma das três metas no primeiro ano, nem no segundo ano, nem nunca… e a cada revisão estratégica dos resultados, ele era o primeiro a desviar o foco da sua atuação pegando algum tema muito específico e afirmando que, por exemplo, faltou instrumento para construir um bom plano de ação – como um manual de planos pré-definidos para os avaliadores terem como guia.

Vejam que a ideia é até bacana, mas ela é usada para encobrir a falta de compromisso e gestão do próprio líder. Como a proposta era interessante, outros avaliadores (cegos) passaram a discuti-la e apoiá-la como se esse tivesse sido o fato gerador dos maus resultados. Durante três anos, ele sobreviveu dentro da estrutura levando a instituição a girar em círculos em assuntos tangentes às causas reais da falta de sucesso. Chegou, inclusive, a dizer que o problema é que eles tinham de comprar um software único para folha de pagamento e competências – o que iria demandar um investimento grande e eles não teriam nem 40% do que o nosso software e modelo oferecia em termos de gestão. Até que um novo provedor assumiu o cargo e identificou o líder caolho. Mais do que isso, sabiamente, ancorou-se nas melhores práticas de gestão de RH, viu que comprar outro software não era a solução e que o que faltava era comprometimento interno em fazer funcionar o que já existia. Finalmente, esse líder foi desligado e, hoje, o hospital filantrópico é um dos melhores clientes com o projeto.

Moral da história: não confie cegamente em quem tem soluções e atalhos fabulosamente melhores. Via de regra, o que falta é ouvir os que realmente têm experiência, adotar um método consistente e fazer funcionar o que já existe dentro da instituição.

 

Prof. Fabrizio Rosso é administrador hospitalar, mestre em recursos humanos e autor dos livros: “Gestão ou Indigestão de Pessoas” e “Liderança em 5 Atos – Ferramentas Práticas para Gestores na área da Saúde”

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 98, de julho/agosto de 2019. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-98-revista-hospitais-brasil

Redação

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