Poucos estudos científicos sobre a real eficácia do screening genético dos embriões (PGT-A) foram publicados até hoje. O PGT-A é um teste que analisa a composição genética dos embriões em ciclos de fertilização in vitro (FIV), um dos métodos mais buscados por pacientes e casais com dificuldades de gravidez e que sonham em ter filhos. O exame visa a identificação de embriões saudáveis para serem transferidos para o útero e, consequentemente, resultaria no aumento das taxas de gravidez e nascimento de bebês saudáveis. O tema é controverso no mundo todo e os estudos disponíveis até o momento não apresentam resultados convincentes.
O PGT-A é um exame com objetivo totalmente diferente de uma busca, no embrião, por uma doença genética familiar, que é conhecida e sabidamente seria passada para os filhos. Esse exame, que busca por uma doença genética conhecida no embrião, tem sua validade comprovada desde a década de 1990.
Para termos um parâmetro, de 2012 a 2019, foram publicados apenas cinco estudos científicos com metodologia adequada, que pretendiam estudar o efeito da análise genética dos embriões em ciclos de FIV. Infelizmente todos falharam em demonstrar tal melhoria nos resultados: em nenhum havia aumento nas taxas de “bebê em casa”. Quando analisamos ainda os resultados de gravidez cumulativa, ou seja, mais de uma tentativa de transferência com embriões obtidos em um único ciclo, apenas dois desses estudos contabilizaram tal dado, mas não conseguiram evidenciar superioridade da análise genética dos embriões.
Uma revisão de estudos científicos organizada pela Biblioteca Cochrane, instituição internacional sem fins lucrativos, cuja missão é ajudar a divulgar dados científicos de qualidade, concluiu que não há evidências científicas suficientemente fortes para recomendar a realização do PGT-A com o objetivo de aumentar as taxas de sucesso na FIV.
Um estudo chinês, realizado em 2021, não encontrou diferenças entre as taxas de gravidez em mulheres com três ou mais embriões (blastocistos) de boa qualidade e tiveram taxas de “bebê em casa” comparáveis às que realizaram PGT-A. O estudo, entretanto, excluiu mulheres em idade materna avançada (acima de 38 anos).
Teoricamente, em pacientes com idade superior a 35 anos, já existe uma redução na qualidade dos óvulos, do ponto de vista genético. Porém, hoje em dia sabe-se que pacientes mais jovens, abaixo de 20 anos, tendem a ter alterações numéricas, presente nos óvulos, nos cromossomos grandes (1 a 5), mais do que pacientes com idade superior a 33 anos. Por que isso não aparece nas análises genéticas dos embriões de pacientes jovens? Será que esses embriões podem reparar essas alterações realocando as células ou corrigindo-as?
Além disso, a realização do PGT-A gera um grande dilema ético que é o descarte de embriões com potencial de implantação e desenvolvimento normais, que tiveram sua transferência preterida por um diagnóstico tido como anormal. E como os pesquisadores começaram a obter esses dados? A partir de transferências desses embriões tidos como “alterados” para o útero de mulheres e a nascimentos de bebês saudáveis, fatos relatados na literatura médica desde 2015. Tal fato pode ser explicado pela capacidade do embrião em organizar seu conteúdo genético dentro do útero e por falhas no teste genético utilizado.
Mais importante do que observar que embriões com anormalidades complexas não implantam, é demonstrar que embriões com potencial para gerar bebês estão sendo preteridos para transferência.
A escolha do melhor embrião que resultaria em gravidez é um dos desafios na reprodução assistida. Vários testes diagnósticos já foram propostos, mas infelizmente nenhum mostrou aplicação prática com aumento real nas chances de gravidez até o momento. Além disso, o aumento do custo do tratamento deve ser levado em conta quando se propõe técnicas ainda consideradas experimentais.
Esperamos que mais estudos, com nível de evidência forte, bem delineados e aliados, cada vez mais, à tecnologia de inteligência artificial, possam ser desenvolvidos para avaliarmos questões pendentes com relação às melhores técnicas de seleção embrionária para transferência. Assim, conforme orientação da Sociedade Europeia de Reprodução Humana (ESHRE), por enquanto, o PGT-A não deve ser utilizado indiscriminadamente como ferramenta para aumentar as taxas de sucesso em ciclos de fertilização in vitro.
Márcia Mendonça Carneiro é ginecologista da clínica Origen BH, é coordenadora da equipe multidisciplinar de Endometriose do Hospital das Clínicas da UFMG e Renata Bossi é embriologista na clínica Origen BH e certificada pela Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês)