Brasil quer implantar tratamento de hanseníase condenado pela OMS

O presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), Claudio Salgado, entregou um documento de 190 páginas para o futuro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em Brasília, que receberá entidades médicas. O documento apresenta argumentos científicos que apontam o risco da implantação, pelo Ministério da Saúde brasileiro, do novo esquema encurtado de tratamento da hanseníase no país – esquema, aliás, não recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em suas diretrizes, com previsão de atualização em 2022.

Dentre as sociedades médicas contrárias ao novo modelo, apenas a SBH foi convidada para a reunião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) que discutiu o assunto no dia 5 de dezembro, em Brasília. Junto com a SBH, estarão representantes da Associação Médica Brasileira (AMB) e Conselhos Regionais de Medicina.

O Ministério da Saúde, através da CONITEC, lançou uma consulta pública para ouvir a sociedade sobre a implantação de novo esquema de tratamento denominado MDT-U (Multidrogaterapia – Esquema Único). Pela proposta do governo, todos os pacientes passarão a ser tratados com 6 doses de antibióticos, ou 6 meses, independentemente do grau de evolução e complicações da doença.

Atualmente, os casos menos graves (paucibacilares ou com poucos bacilos) são tratados em 6 doses e os casos mais graves (multibacilares ou com muitos bacilos), com 12 doses. Porém, a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) alerta que o tratamento no Brasil é feito com antibióticos utilizados há 40 anos. Vários artigos científicos de hansenologistas brasileiros nas maiores publicações mundiais apontam índices preocupantes de recidivas (volta da doença) e falências de tratamento (que ocorre quando mesmo após o fim do tratamento o paciente ainda apresenta carga alta de bacilos vivos). Por este motivo, os pacientes paucibacilares podem precisar de até 12 doses ou 1 ano de tratamento e não é raro os multibacilares serem tratados em até 2 anos.

A consulta pública número 77 da CONITEC (conitec.gov.br/consultas-publicas) foi lançada dia 14 de dezembro e vence dia 3 de janeiro de 2019. “Nosso documento aponta todos os equívocos cometidos pela Coordenadoria Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação para sustentar a aprovação do MDT-U pela CONITEC e que, infelizmente, estão se perpetuando com a possibilidade de implantação do esquema curto. Os brasileiros com hanseníase serão os únicos no planeta a usar este esquema, caso não seja bloqueado”, alerta Salgado. O documento da SBH pode ser acessado em www.sbhansenologia.org.br/release/explanacao-oral-e-documentacao-apresentada-pela-sbh-na-conitec-sobre-o-mdt-u .

Hanseníase

O Brasil é o 2° país com mais casos de hanseníase – perde apenas para a Índia. Também concentra 90% dos casos notificados nas Américas e, atualmente, é o país que mais diagnostica a doença no mundo. Por ano, são cerca de 30 mil casos novos – número semelhante aos casos novos de HIV/AIDS. Porém, a SBH-Sociedade Brasileira de Hansenologia estima que o Brasil tenha de 3 a 5 vezes mais casos, pois, no Brasil, os exames de contatos dos pacientes (familiares, pessoas próximas) não são feito adequadamente. A SBH alerta que a hanseníase não é uma doença de uma pessoa só e que a estratégia de enfrentamento da doença precisa ser colocada em prática se o país quiser controlar o problema.

A hanseníase está diretamente ligada à pobreza – a transmissão do bacilo é facilitada nos casos de famílias que vivem em aglomerados. Hanseníase tem cura. O tratamento é gratuito em todo o Brasil. como Maranhão, Roraima, Pará, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Mato Grosso são as regiões com mais casos da doença. Porém, a SBH alerta que há uma endemia oculta no país. Um dos vários exemplos é o município de Jardinópolis, interior paulista. Médicos da SBH promoveram treinamento/capacitação de profissionais de saúde na cidade, palestras educativas nas escolas e o número de casos se multiplicou. A cidade é uma das que apresentam maior índice de prevalência da doença hoje. E o trabalho dos médicos Marco Andrey Cipriani Frade, vice-presidente da SBH, e Fred Bernardes Filho, membro da SBH, recebeu reconhecimento da OMS.

Porém, em outras regiões brasileiras, a SBH denuncia o que chama de “desdiagnósticos”; ou seja, pacientes diagnosticados nas inúmeras ações de busca ativa realizadas pela SBH no Brasil, inclusive em regiões de difícil acesso, têm seu diagnóstico de hanseníase cancelado e perdem o direito ao tratamento. “As autoridades públicas não aceitam as notificações e os hansenologistas são levados à Justiça para esclarecerem os motivos de tantos diagnósticos. Isso é um entrave para o combate à doença, ao preconceito e à falta de informação”, denuncia Salgado.

A SBH promove treinamentos/capacitações gratuitos para médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde nas regiões de alta endemicidade. E ainda promove busca ativa de casos – médicos e universitários vão a lugares de difícil acesso (Nordeste brasileiro, floresta Amazônica, Norte do país) em busca de pacientes. Nessas oportunidades, avaliam a população em postos de saúde e mesmo nas casas das pessoas. Nessas buscas, diagnosticam muitos casos da doença e pessoas que há anos estão sem tratamento.

Ainda há outro grave problema: o preconceito. O paciente em tratamento não transmite a hanseníase. Mesmo assim, há casos graves de professores querendo expulsar das escolas alunos diagnosticados com hanseníase, há concursos públicos que não aceitam pacientes com hanseníase, artistas de TV que declaram não convidar pessoas com hanseníase para seus programas etc. A SBH alerta que o preconceito precisa ser combatido com informação. Em tratamento, o paciente não transmite a doença.

Redação

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