O impacto negativo da pandemia no diagnóstico precoce dos cânceres exclusivamente masculinos – próstata, pênis e testículo – ainda não foi revertido diante do calendário vacinal e do afrouxamento de medidas de isolamento em todo o país. Nos primeiros cinco meses de 2022 comparados com igual período de 2019, ou seja, antes da pandemia e após o início da vacinação, o cenário continua a ser de queda significativa no volume de casos registrados das doenças.
No país, em relação ao câncer de próstata, os diagnósticos caíram 47,8% (de 16.880 casos, em 2019, para 8.801, em 2022). Em relação ao câncer de pênis, 13% (de 391 para 340), e câncer de testículo, 28,6% (de 725 para 517). Os dados foram compilados do Painel Oncologia Brasil/Datasus.
Essa redução chama a atenção porque pode ocasionar uma onda de diagnósticos mais tardios, com doenças mais graves devido à demora no tratamento e desfechos menos favoráveis para os pacientes, segundo o cirurgião oncológico Gustavo Guimarães, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR) e coordenador geral dos Departamentos Cirúrgicos Oncológicos do grupo BP-A Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Tradicionalmente, os homens são mais negligentes nos cuidados relacionados à saúde do que as mulheres. E com base nos dados do Datasus, é possível inferir que mesmo após a vacinação e a retirada das medidas de isolamento social, eles continuam afastados dos consultórios médicos e isso terá consequências”, avalia.
Números por região
O cenário em relação a esses diagnósticos, de acordo com a mesma base de dados, revela o seguinte:
Diagnóstico de câncer de próstata *
Região | Janeiro a maio 2019 | Janeiro a maio 2020 | Janeiro a maio 2021 |
Janeiro a maio 2021
|
% de queda (2019 x 2022) | ||||
Norte |
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69,2 | ||||
Nordeste |
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2.845 | 3.357 |
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52,4 | ||||
Sudeste | 8.380 | 6.986 |
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|
43,5 | ||||
Sul | 2.663 |
|
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|
51,5 | ||||
Centro-Oeste |
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761 | 563 | 42,9 | ||||
Total | 16.880 | 13.358 | 13.436 | 8.801 | 47,8 |
*Painel Oncologia Brasil/Datasus – Casos segundo UF da residência
Diagnóstico de câncer de testículo*
Região | Janeiro a maio 2019 | Janeiro a maio 2020 | Janeiro a maio 2021 |
Janeiro a maio 2021
|
% de queda (2019 x 2022) | ||||
Norte |
|
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|
18,1 | ||||
Nordeste | 89 | 80 | 72 | 49 | 44,9 | ||||
Sudeste | 324 | 316 | 273 | 250 | 22,8 | ||||
Sul | 248 | 265 | 180 | 162 | 34,6 | ||||
Centro-Oeste | 42 | 44 | 45 | 38 | 9,5 | ||||
Total | 725 | 737 | 524 | 517 | 28,6 |
*Painel Oncologia Brasil/Datasus – Casos segundo UF da residência
Diagnóstico de câncer de pênis*
Região | Janeiro a maio 2019 | Janeiro a maio 2020 | Janeiro a maio 2021 |
Janeiro a maio 2021
|
% de queda (2019 x 2022) | ||||
Norte |
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|
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|
57,8 | ||||
Nordeste | 121 | 123 | 126 | 96 | 20,6 | ||||
Sudeste | 140 | 146 | 143 | 142 | + 1,4** | ||||
Sul | 82 | 67 | 80 | 64 | 21,9 | ||||
Centro-Oeste | 29 | 24 | 47 | 30 | + 3,4** | ||||
Total | 391 | 397 | 437 | 340 | 13 |
*Painel Oncologia Brasil/Datasus – Casos segundo UF da residência
** Regiões que registraram alta
A importância do checkup regular
De acordo com Guimarães, fazer os exames de rotina como hemograma, eletrocardiograma, colesterol e glicemia, ajuda a criar um histórico da saúde e entender melhor quando algo desanda. “Especialmente para o homem, é importante um acompanhamento constante com um médico, para conferir se tudo está realmente bem”, afirma.
No caso das doenças oncológicas, o diagnóstico precoce tem impacto determinante no tratamento. Isso porque diagnósticos mais tardios de tumores estão relacionados a pior prognóstico, a tratamentos mais agressivos, caros e com pior resultado. “Nesses casos, temos um custo irreparável que é a vida perdida. Um câncer em fase mais adiantada, mesmo quando o resultado do tratamento é satisfatório, pode levar a maior prejuízo tanto para o paciente quanto para a família em função de sequelas”, afirma.
Os tumores de pênis, por exemplo, quando restritos ao órgão, a cura pode ser atingida em mais de 70% dos casos. Porém, quando compromete linfonodos inguinais, a sobrevida é menor que 50% em cinco anos. Se acomete linfonodos pélvicos, a sobrevida não chega a 20%. “Em geral, metade dos diagnósticos desse tipo de tumor são feitos depois de um ano do início da doença. O atraso maior ainda provocado pelo cenário da pandemia, pode custar ao paciente a necessidade de mutilação cirúrgica (amputação do órgão)”, explica o especialista.
O câncer de testículo tem maior prevalência no mundo entre os homens de 15 a 34 anos, superando a leucemia, que é o câncer pediátrico mais comum. Um fator que dificulta o diagnóstico precoce no Brasil é o fato de ser muito comum o homem associar qualquer alteração no testículo com alguma doença venérea ou trauma recente. “A maioria tem medo de falar sobre o assunto, principalmente com as esposas”, afirma Guimarães. Embora o câncer de testículo tenha baixa mortalidade, o sucesso do tratamento é maior quando a doença é descoberta precocemente.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia, apesar dos avanços terapêuticos em relação ao câncer de próstata, cerca de 25% dos pacientes ainda morrem devido à doença. No Brasil, por mais que o câncer de próstata seja, biologicamente, uma doença com perfil indolente (de crescimento lento), cerca de 20% dos casos são diagnosticados em fase avançada. A desigualdade de acesso aos serviços de saúde é um dos fatores que levou ao aumento da mortalidade por câncer de próstata no país nas últimas três décadas.
Guimarães alerta que é fundamental realizar o exame de sangue que avalia a proteína produzida pelo tecido prostático (PSA) e o exame de toque retal, que propiciam descobrir a doença em fase mais inicial, reduzindo assim a mortalidade. A confirmação diagnóstica se dá por biópsia. “Muito se fala que há excesso de diagnóstico e que muitos tumores, de tão indolentes, poderiam não ser tratados. Em alguns casos, isso até pode ocorrer, mas em um país com desigualdade de acesso aos programas de rastreamento, como é o caso do Brasil, devemos sim incentivar a população a fazer os exames”, destaca Guimarães.