Covid-19: Organizações se mobilizam pela sanção da lei para licenças de vacinas

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem até a quinta-feira (2) para sancionar o PL 12/2021, que autoriza, em caráter emergencial, licenças compulsórias (popularmente chamadas de quebra de patentes) de insumos em saúde em situações de emergência sanitária. Com quase 580 mil óbitos, o Brasil é responsável por 10% do total de mortes por Covid-19 no mundo, embora seja apenas 2,7% da população global. Para especialistas, a necessidade de doses de reforço da vacina torna a sanção da lei crucial para o enfrentamento da pandemia.

Hoje, no Brasil, estão em uso as vacinas dos laboratórios Sinovac/Instituto Butantan, Astrazeneca/Oxford/Fiocruz, Pfizer e Janssen. A vacina Sputnik, do laboratório russo Gamaleya, está sendo produzida no país pela União Química, mas não tem autorização da Anvisa para ser usada pelos brasileiros. Ainda assim, o país não chegou a 30% de sua população maior de idade vacinada com o ciclo completo (duas doses de imunizante à exceção da Janssen, de dose única). Para um ambiente mais seguro, o país teria de ter imunizado de 80 a 90% de sua população adulta com as duas doses.

“Com o morticínio que vivemos, pressionados pelas variantes, que reduzem a eficácia das vacinas e a necessidade de doses de reforço, sancionar o PL 12/21 é urgente”, afirma Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) e da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids. O GTPI reúne especialistas e entidades da sociedade civil, trabalhando na interseção entre direito à saúde e propriedade intelectual.

As entidades estão se posicionando nesta semana pela sanção do PL 12/21, sem vetos, pelo presidente da República. Caso não determine a sanção nem vete o documento, o projeto de lei será sancionado tacitamente. Caso haja vetos, eles poderão ser discutidos e derrubados no Congresso Nacional, o que demandaria mais tempo para que o PL virasse lei.

Villardi destaca que a licença compulsória é um mecanismo que já está no ordenamento jurídico brasileiro. O primeiro e único uso desse mecanismo foi no combate ao HIV. Em 2007, o governo licenciou compulsoriamente um dos medicamentos do coquetel Anti-Aids, o Efavirenz, reduzindo o preço do medicamento a um terço do que era negociado pelo laboratório norte-americano.

O PL 12/21 moderniza esse mecanismo, colocando o Brasil na vanguarda do tema. Caso a lei seja sancionada, o país poderá emitir em bloco licenças compulsórias de medicamentos, vacinas, testes diagnósticos e insumos necessários à produção dos fármacos, como o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), um dos produtos que causaram atraso na produção dos imunizantes no país. O governo deverá elaborar uma lista dos fármacos de interesse, com a participação da sociedade civil e de especialistas.

Em que pesem os vultosos investimento públicos e garantias de compras antecipadas, atualmente são poucas empresas que controlam a produção e distribuição global de vacinas para Covid-19. Essas empresas fazem isso por meio de patentes, um título que lhes garante um monopólio de, no mínimo, 20 anos. O efeito disso é que, ao invés de gerarmos imunidade global, geramos nove novos bilionários no mundo”, pontuou Villardi, referindo-se aos novos lucros das farmacêuticas. Com a quebra temporária, as empresas ainda manteriam lucros, mas mais restritos.

Para o GTPI, o licenciamento compulsório pode desonerar os gastos do governo com o combate à pandemia, aumentando a oferta de fármacos e tornando os preços mais competitivos.

“A resposta à Covid-19 apenas começou. Muito ainda precisa ser feito para integrar estratégias regulares de vacinação, testagem e tratamento na rotina dos sistemas de saúde. A licença compulsória precisa ser pensada como um pilar de sustentação dessas estratégias de saúde”, disse Felipe de Carvalho, coordenador no Brasil da Campanha de Acesso de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e membro do GTPI.

Carvalho lembra que a pandemia traça um retrato doloroso das desigualdades mundiais, em que apenas uma pequena fatia de países mais ricos conseguiram instituir a vacinação em massa. Para ele, o mundo fica refém “de aumentos de preço e de um controle excessivo da ‘fórmula’ das vacinas por poucas grandes empresas, mesmo elas tendo absorvido esse conhecimento de instituições e investimentos públicos”.

“A origem de tantos desequilíbrios está na forma como as regras de propriedade intelectual estão desenhadas e aplicadas. Fato reconhecido por mais de 100 países, dos EUA à China. Há consenso de que mais compartilhamento de conhecimento salvará mais vidas. Com a sanção do PL12/21, o Brasil pode liderar pelo exemplo”, disse o coordenador de Médicos Sem Fronteiras.

Redação

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