Educação nutricional e habilidades na cozinha: apostas da Faculdade de Medicina da USP para os médicos de amanhã

Mousse de chocolate feito com abacate para não utilizar a gordura animal do creme de leite. Bolo sem leite e ovos para pessoas com restrições alimentares. Caponata de casca de banana verde para aproveitar todo o alimento e garantir mais fibras e nutrientes na refeição. É assim, preparando um cardápio prático em conjunto com o aprendizado teórico, que alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) aprendem mais sobre dieta, estilo de vida, nutrição e sua relação com as doenças.

Essa nova abordagem, uma mistura entre a arte da comida e da cozinha com a ciência médica, é o pilar da Medicina Culinária, disciplina que se popularizou nos Estados Unidos na última década e que há quatro anos ganhou na FMUSP um curso em modelo acadêmico pioneiro no Brasil. Com o objetivo de capacitar os pacientes a cuidarem de si mesmos de forma segura e eficaz através da alimentação, ela exige treinamento específico dos médicos.

“A ideia é ensinar hábitos de alimentação saudável na prática”, diz a Profa. Thais Mauad, docente do departamento de Patologia da FMUSP e uma das responsáveis pela disciplina de Medicina Culinária na Faculdade. “O médico que souber cozinhar conseguirá transmitir com mais propriedade conceitos de alimentação saudável e até estilos de hábitos saudáveis.”

Nas aulas, primeiro são estudados temas gerais como o consumo de sal, gordura, proteína e carboidrato, além de aspectos da biodiversidade alimentar brasileira. Em seguida, são realizadas discussões clínicas e uma análise sobre possíveis alterações no padrão alimentar de determinados pacientes. Por fim, são conduzidas oficinas práticas nas quais os estudantes preparam refeições incorporando os conhecimentos adquiridos.

“A ideia não é substituir o nutricionista, mas fazer o médico entender o papel da alimentação nas doenças”, explica a Profa. Mauad. Para a docente, o ensino sobre nutrição ainda é pouco desenvolvido, não apenas no Brasil, mas nas escolas médicas em geral. “Principalmente sabendo que doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, são maioria na humanidade hoje e têm como gênese a alimentação e o estilo de vida”.

A disciplina ainda conta com uma equipe de cinco instrutores para ministrar as aulas práticas, supervisão de uma nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP e apoio da equipe da horta localizada no terraço da FMUSP, que fornece a maior parte dos temperos, legumes, verduras e Plantas Alimentícias Não-Convencionais (aquelas que não são consumidas em larga escala) utilizadas no cardápio.

“Outra coisa que prezamos muito é a questão da alimentação sustentável”, ressalta a professora Mauad. “Tentamos utilizar o mínimo possível de embalagens e compostar os resíduos orgânicos que sobram para que os alunos adquiram esses hábitos”. Questões atuais e de grande relevância social, como a insegurança alimentar, também ganham espaço nas aulas. “Temos 33 milhões de pessoas no país passando fome, então este ano decidimos focar em como fazer uma dieta acessível e barata”, diz a docente.

Mãos na massa

Na busca por um espaço adequado para administrar as oficinas práticas de culinária, a FMUSP contou com a parceria de um ex-aluno da casa. Lee Fu Kuang é médico graduado pela Faculdade, especialista em radioterapia oncológica, e trabalhou no Hospital das Clínicas por oito anos. Desde então, passou a se aproximar da gastronomia através da ciência, realizando pesquisas sobre substâncias bioativas na prevenção de câncer.

Hoje ele possui um projeto de sustentabilidade (@labdolee, nas redes sociais), onde desenvolve pesquisas para o aproveitamento total de alimentos e receitas adequadas a pessoas com alergias e restrições alimentares. “A Medicina Culinária faz parte de uma forma nova de desenvolver tratamentos e na alteração de estilo de vida”, diz Lee. Além de ser um dos instrutores da disciplina na FMUSP, ele disponibiliza os quase 300m² de área da cozinha do seu projeto para que os alunos possam experimentar os conceitos aprendidos na prática. “Os alunos ficam mais tranquilos com as técnicas de cocção e em relação à prescrição de dietas, além de obterem uma visão ecológica e sustentável sobre a produção de alimentos e seu consumo.”

Integração ao currículo 

Dentro da FMUSP, a Medicina Culinária tem angariado cada vez mais interesse por parte dos alunos. Mesmo durante o período de isolamento da pandemia, os graduandos não deixaram de marcar presença nas aulas, realizando as atividades de modo online, com cada aluno cozinhando em sua casa, enviando fotos do processo de cozimento e comentando sobre os pratos. Este ano, as inscrições para cursar a disciplina foram cinco vezes maiores do que o número de vagas.

Com a positividade dos resultados, a iniciativa tem se espalhado por outras instituições, como no caso do curso de Medicina da USP Bauru, que passou a adotar o mesmo currículo da unidade da capital. Durante o Congresso Médico Universitário da FMUSP (COMU) em outubro deste ano, 15 alunos de diversas escolas puderam ter contato com a disciplina e avaliaram o workshop oferecido com nota máxima. Seguindo essa mesma linha, a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa também está incorporando a Medicina Culinária no ensino, após convidar os docentes da FMUSP a introduzirem o curso na instituição.

De acordo com a Profa. Thais Mauad, isso representa uma tendência crescente. “Nos Estados Unidos já existem mais de 50 escolas trabalhando o tema, que possui muitas possibilidades de ensino”, diz. “É possível oferecer aulas através de uma disciplina específica, através de módulos, como aulas sobre o consumo de sal para residentes de cardiologia, por exemplo, e até mesmo realizar oficinas para pacientes, aplicando esses conhecimentos na comunidade.”

Redação

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