Um efeito perverso da pandemia da Covid-19 e que poucos têm se dado conta é o grande número de procedimentos cirúrgicos que têm sido adiados ou retardados desde o início do confinamento até os últimos meses. Artigo publicado da revista The Lancet Regional Health – Americas em colaboração com o Programa de Cirurgia Global e Mudança Social da Harvard Medical School, diz que mais de um milhão de cirurgias eletivas e emergenciais foram acumuladas no Brasil apenas no ano passado.
O estudo foi feito com base no DATASUS e abrangeu o período de março a dezembro de 2020. Segundo os autores do artigo, esse padrão é similar ao observado em outros países que contam com grandes volumes de intervenções cirúrgicas.
“Dentre as muitas especialidades médicas, a ortopedia está naturalmente entre as que acabam sendo classificadas como as que têm os casos ‘menos urgentes’ na hora de se agendar um procedimento cirúrgico”, lembra o Dr. Marco Aurélio Silvério Neves, um dos mais renomados ortopedistas do país e especialista em técnicas minimamente invasivas, como a AMIS, nos quadris. “Isso acontece porque esse tipo de condição física normalmente não afeta diretamente a saúde global dos pacientes, mas a limitação e a dor são aspectos importantes e devem, sim, ser levados em conta”, lembra o ortopedista.
Estudo feito pela publicação britânica The Bone & Joint Journal avaliou o impacto do adiamento de cirurgias na qualidade de vida dos pacientes precisando de próteses de quadril e joelhos. “Para se ter uma ideia do nível de sofrimento de que estamos falando, a revista trata os pacientes mais graves como se vivessem em um estado ‘worse than death‘, ou seja, pior que a morte”, diz o Dr. Marco Aurélio.
Mais de um terço dos pacientes esperando por uma cirurgia de quadris e quase um quarto esperando por uma prótese de joelho estavam em um estado ‘pior que a morte’. Esse índice é quase o dobro do observado antes da pandemia. “Isso deixa bem claro o quanto o retardo dos procedimentos afeta a qualidade de vida dos pacientes”, afirma o ortopedista.
“É compreensível que nos piores momentos da pandemia alguns procedimentos tenham sido adiados em nome da segurança sanitária, mas precisamos de políticas públicas eficientes para diminuir essa fila”, diz o médico. “O sofrimento desses pacientes é muito grande e precisa terminar.”