Em parceria com pesquisadores da Universidade de Hamburgo e do Deutsches Elektronen-Synchrotron (DESY), ambos da Alemanha, o laboratório Unit for Drug Discovery do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), coordenado pelo Prof. Carsten Wrenger, identificou três possíveis compostos para o tratamento da Covid-19. Trata-se de compostos naturais selecionados em uma triagem com 500 fármacos, que se mostraram promissores em inibir a proteína PLpro – uma das enzimas responsáveis pela proliferação do SARS-CoV-2.
Publicada na Communications Biology, revista do grupo Nature, a pesquisa mostrou que os compostos conseguiram inibir a ação dessa enzima entre 50% a 70%. Os testes foram realizados em células VERO e comparados com um grupo de células que não recebeu os compostos. VERO é uma célula de macacos que possui similaridades com a célula humana, e que se expande e replica com mais velocidade.
“Ao inserirmos os compostos nas células infectadas, constatamos que eles impediram a replicação do Coronavírus ao atingir a PLpro, que tem a capacidade de inativar as células do sistema imunológico e que podem levar a casos graves da doença. Como um percentual considerável dos vírus não conseguiu se replicar, as partículas virais infecciosas foram eliminadas”, explica Edmarcia Elisa de Souza, pós-doutoranda do ICB-USP. “Vale ressaltar que os compostos não apresentaram toxicidade. Ou seja, não houve dano à integridade das células, principalmente nas concentrações baixas às quais os compostos apresentaram atividade antiviral”, complementa.
Novo alvo terapêutico – A descoberta deste alvo terapêutico é muito relevante, pois trata-se de uma alternativa ao que vem sendo feito na ciência. “Se você buscar na literatura, você vai encontrar pouca coisa sobre a PLpro, então todo novo conhecimento sobre ela é importante. Saber que é possível inibir a replicação do SARS-CoV-2 por meio dela é uma grande descoberta porque a maioria dos estudos para tratamentos da covid-19 tem como alvo as proteínas Spike e 3CL. Conseguimos mostrar que existem mais opções caso esses estudos não avancem”, reforça Edmarcia.
O próximo passo é fazer testes em modelos animais para avaliar melhor a eficácia dos três compostos, e depois avançar para os testes clínicos. Caso os testes sejam bem-sucedidos, será a primeira utilização de um novo leque de moléculas. “Os compostos foram isolados da natureza. Não há nenhum registro sobre a utilização deles a não ser em pesquisas primárias. A eficácia deles abre a possibilidade para novas terapias”.
Seleção de compostos – No total, foram avaliados seis compostos, que foram selecionados inicialmente pela equipe de pesquisadores da Alemanha. “Nossos colaboradores na Alemanha observaram o grau de interação entre os compostos e a PLpro. Isso foi feito por meio de cristalografia de raios-x, um método inovador e ainda pouco difundido”.
A cristalografia permite fundir o composto à proteína e observar se pequenos cristais foram produzidos nessa união. Cristais esses que não poderiam ser vistos à luz dos microscópios tradicionais. “Analisando os cristais conseguimos produzir modelos tridimensionais das estruturas para identificar se elas se ligam e onde isso acontece. Quanto mais pontos de ligação entre elas, maior a afinidade”, afirma o Prof. Christian Betzel, líder do estudo pela Universidade de Hamburgo e professor visitante do ICB-USP.
A eficácia dos três compostos contra o SARS-CoV-2 foram posteriormente analisadas em células VERO infectadas no BSL3 Cell Culture Facility for Vector and Animal Research do Departamento de Parasitologia do ICB-USP. Trata-se de um laboratório de nível 3 de Biossegurança (NB3), que confere proteção aos pesquisadores que trabalham com o cultivo de micro-organismos que oferecem risco à saúde humana, como o Coronavírus.