Recentemente, durante o 23º Congresso Sobramfa, a doutora em Ciências Médicas Graziela Moreto afirmou que as faculdades de medicina estão formando profissionais com um viés bastante técnico, mas quase nada humanista. Resultado: o paciente costuma ser uma das últimas preocupações do médico. “É fundamental haver uma reformulação no conteúdo que faz parte da formação de um médico. As faculdades estão muito atentas às novidades tecnológicas e às pesquisas, mas não capacitam devidamente aqueles que vão lidar diretamente com os doentes. Com isso, o abismo entre médico e paciente é cada vez maior, com prejuízo para todo o sistema de saúde. É preciso estimular o exercício de alteridade, ensinando os futuros médicos a se colocar no lugar do outro”.
De acordo com a especialista, este não é um problema local, mas global. A diferença é que em países com um nível de excelência nas faculdades de saúde várias medidas já vêm sendo tomadas para corrigir o problema. “O paciente, hoje em dia, gasta muito tempo para ter acesso ao médico. São questões burocráticas das quais infelizmente não se pode escapar. E, justamente quando está diante de quem poderia ouvir suas queixas e contextualizar o diagnóstico, o ritual costuma ser o mais breve possível e impessoal – o que gera frustração. Obviamente, a superlotação de muitas unidades de atendimento em saúde contribui para a desumanização do relacionamento médico-paciente. Entretanto, um médico humanista aproveita todo tempo possível para tratar o doente, não somente a doença”.
Esse é o ponto nevrálgico destacado por Graziela. É preciso formar médicos humanistas, capazes de transformar o serviço de saúde em ambientes mais acolhedores. “A alteridade, como a capacidade de se colocar no lugar do outro, pode ser trabalhada através de várias disciplinas humanistas, como filosofia, antropologia, ética, sociologia, artes, cinema, literatura… Enfim, há várias formas de despertar nas pessoas a compreensão e o interesse pelo outro. Esse é o aprendizado que vem sendo incluído nas principais faculdades internacionais, nos departamentos de Medicina Humanista ou Humanidades Médicas. Só que para chegar a este ponto foi necessário discutir o assunto abertamente e à exaustão, sem deixar o debate confinado a um único departamento dentro de uma universidade. É do interesse de todos encontrar um remédio para tratar o mal-estar que se estabeleceu na relação médico-paciente”.
Na opinião da especialista, quando disciplinas humanistas fizerem parte do conteúdo formal da graduação e da pós-graduação em saúde, ocupando um espaço de destaque e complementar às novidades da biomedicina moderna, a formação de novos médicos será enriquecida pela abertura ao diálogo e ao pensamento crítico – tão necessários para transformar o sistema de saúde e a sociedade como um todo. “Nós acreditamos que o conhecimento humanista é um divisor de águas no exercício da medicina. Ele nos permite ir muito além da prescrição de remédios e intervenções cirúrgicas. Somos capazes de compreender a importância do contexto em que o paciente está inserido, como ele interage com sua família, seu trabalho, seus valores morais e espirituais, seu modo de pensar e sua atitude diante da vida, identificando várias causas que contribuem para sua doença. Com todas essas informações em mãos, podemos determinar com mais propriedade o tratamento adequado para cada doente, sem esquecer de que muitas vezes nossa atenção se estende a toda família”.