Frequência de mutações em bactérias pode ser maior que o esperado

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) estuda a adaptação e evolução das bactérias em resposta à limitação nutricional. Em um estudo publicado na revista BMC Biology, os cientistas mostraram que a competição por recursos nutricionais entre bactérias mutantes e selvagens “mascara” a real frequência de mutantes bacterianos, impedindo-os de crescer no meio de cultura. Dessa forma, a frequência em que mutações ocorrem nas bactérias pode ser muito maior do que a normalmente observada em laboratório.

Segundo o professor Beny Spira, coordenador da pesquisa, as mutações ocorrem espontaneamente. O estudo foi feito com bactérias da espécie E. coli. Para selecionar os mutantes, foi introduzido na placa o glicerol-2-fosfato (G2P), molécula rica em carbono – que é usado pela bactéria como fonte de energia. No entanto, o número de mutantes que surgiu foi cerca de 100 vezes menor que o esperado. “Chegamos à conclusão de que era uma competição por carbono. Os mutantes surgem com a frequência esperada, mas nós não conseguimos detectá-los porque eles não conseguem crescer”, explica.

Para conseguir utilizar o carbono do G2P, a bactéria precisa quebrar a ligação entre o fosfato e o glicerol. Essa é a função da enzima fosfatase alcalina, localizada no periplasma da bactéria, espaço entre a membrana interior e exterior. Em bactérias selvagens, a produção dessa enzima é baixa – só é possível aproveitar o G2P se a bactéria sofrer mutação. Os mutantes superexpressam a fosfatase alcalina, que hidrolisa grandes quantidades de G2P, permitindo a sua utilização como fonte de carbono e o consequente crescimento e formação de colônias.

“Mas o que descobrimos é que, como a enzima quebra o G2P no periplasma, ‘fora’ da bactéria, apenas parte do glicerol é absorvida. O restante acaba saindo da bactéria mutante e é consumido pelas bactérias selvagens competidoras”, explica o pesquisador. Dessa forma, as bactérias mutantes não conseguem crescer, e nem as selvagens, pois a quantidade de glicerol fornecido pelas mutantes não é suficiente, resultando em um tipo de “tragédia dos comuns”, onde todos saem perdendo. Em experimentos com outras milhares de cepas de E. coli, a teoria foi confirmada: apenas bactérias que não têm capacidade de absorver glicerol permitem que o mutante cresça.

Com a colaboração do pesquisador Hyun Mo Yang, matemático da Unicamp, foi desenvolvido um modelo matemático baseado nos resultados da pesquisa. O modelo apontou que, no caso do estudo, com a proporção de uma bactéria mutante para 20 mil selvagens, ocorre a extinção de toda a população. No entanto, diminuindo para uma mutante a cada 100 selvagens, a sobrevivência de todas as bactérias seria viável. “Nosso próximo passo é testar o modelo matemático em cultura contínua”, afirma Spira.

Redação

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