Lei dos 30 dias para pacientes com câncer não é cumprida no Brasil

Câncer é uma doença de rápida evolução e que não faz quarentena nem jogo político. Os riscos de morte são maiores e os custos, muito mais altos quando os casos chegam em estágios avançados. Uma das leis a favor de pacientes, a Lei dos 30 Dias, estabelece que exames para a confirmação do diagnóstico de câncer devam ser realizados em até um mês. Seu objetivo é o diagnóstico precoce, o que aumenta as chances de cura e de a doença nunca mais voltar, além de diminuir o impacto na gestão de pacientes oncológicos, com menos tratamentos, gastos e processos judiciais.

A Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA) atua junto ao poder público para garantir os direitos de pacientes, já que as leis não são cumpridas e as taxas de mortalidade na oncologia continuam altas.

Segundo publicação do Diário Oficial, a regulamentação da Lei dos 30 Dias deveria ser feita pelo Ministério da Saúde até 28 de abril, o que nunca aconteceu. A justificativa foi o Coronavírus. Mas mesmo antes da pandemia, a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou espera de até 200 dias para o diagnóstico de câncer, quase sete vezes mais do que a lei garante ao paciente.

Ao ser questionado pela FEMAMA, o Ministério respondeu que já era subentendido que a lei estaria regulamentada por portarias anteriores, como a que institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, e que a responsabilidade era, agora, dos estados e municípios. Isso realmente é verdade, mas vale reforçar que é responsabilidade do Ministério da Saúde dar direcionamento para que os níveis regionais de poder possam ter uma atuação unificada e garantam aos cidadãos seus direitos ao diagnóstico e tratamento do câncer de forma precoce. Nenhuma das portarias mencionadas pelo Governo Federal, por exemplo, versa sobre um prazo de 30 dias.

A falta dessa orientação deixa dúvidas cruciais como em que parte da jornada do paciente começa e onde termina o prazo dos 30 dias; quem fica responsável pelo registro, notificação, fiscalização e monitoramento da lei; qual é o sistema que unificará e quando ele entrará em operação. Isso tudo inviabiliza a aplicação da lei no sistema público de saúde.

Levantamento com estados e municípios mostra despreparo na oncologia

A realidade é que pacientes esperam por muito tempo para fazer exames e biópsias e os gestores insistem em dizer que não há fila de espera. Essa incongruência veio à tona com o questionamento formal feito pela FEMAMA a estados e municípios por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) após a terceirização de responsabilidade pelo Ministério da Saúde. O resultado, decepcionante, já era esperado por conta do relato de muitos pacientes: há um despreparo das instâncias regionais de poder, que não sabem como implementar a lei, apesar de terem ciência da responsabilidade que lhes foi repassada e da necessidade de diminuir a espera dos pacientes com queixas suspeitas de câncer.

Para entender o tamanho da desorganização, alguns não responderam dentro do prazo, de outros a resposta era vaga e prolixa, citando todos os esforços que realizam continuamente pelo bem de pacientes sem citar especificamente o que foi feito para se ter o diagnóstico precoce. Ainda foram encontrados casos onde o site para registrar reclamações ficou sem funcionar por um período. Poucos realizaram esforços específicos para a Lei dos 30 Dias funcionar. A impressão que fica é que nada foi feito e pacientes continuam tendo que aguardar por meses por seu diagnóstico.

Entre os 17 estados respondentes, somente 47% disseram que estão investindo em melhorias administrativas, de processos e infraestrutura de acesso para atender a lei. A notícia positiva é que, além destes, dois estados (12%) apontaram ter criado um programa de navegação de pacientes – Ceará e Maranhão. O levantamento também consultou diretamente 24 capitais, das quais 12 responderam. Quatro capitais afirmam estar atendendo no prazo de 30 dias – Belém, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo. Embora a maioria alegue que está fazendo o possível para aplicar o prazo correto da lei, quase 30% delas negam a responsabilidade, atribuindo-a ao estado. Embora o estudo seja menos robusto, mostra o empurra-empurra que vem acontecendo.

A FEMAMA possui 70 ONGs associadas em todo Brasil e, ao consultá-las, foi possível identificar que as respostas de alguns dos entes federados discordam das situações relatadas por pacientes. Criciúma (SC) é um exemplo de município que alegou que não há demanda reprimida, filas ou que prazo máximo está sendo respeitado. O caso de uma paciente atendida por uma ONG associada local mostra o contrário. Ela está há quase um mês tentando, sem sucesso, agendar sua consulta com mastologista após uma mamografia que identificou um nódulo. A justificativa do momento é o Coronavírus. Nesse meio tempo, ela se mudou para Bento Gonçalves (RS) e, lá, saiu com uma consulta agendada para duas semanas depois, no SUS. Todo processo já ultrapassou 60 dias.

No Rio de Janeiro (RJ), o tempo médio para realização da biópsia até a disponibilização do resultado é de 29 a 35 dias. Porto Alegre (RS) alega que a consulta é marcada antes dos 30 dias, mas o que a lei deveria contemplar é todo o período até o diagnóstico, não só o da consulta nem só o do resultado. Alguns estados até mesmo dizem estar tentando “se virar”, cada um à sua maneira, já que não há um acordo ou investimento nacional partindo do Ministério da Saúde. A solução dada pela maioria dos estados e municípios é que, no caso de o prazo não ser cumprido, pacientes devem procurar a Unidade de Saúde em que foram atendidos e depois recorrerem às Ouvidorias dos Estados e do SUS. Ou seja, um ciclo vicioso sem resolução e sem um mecanismo unificado de fiscalização de cumprimento.

O sistema privado de saúde consegue oferecer diagnóstico e tratamento em um período muito inferior ao estabelecido, mas pacientes do SUS com suspeita de câncer têm uma jornada muito difícil, sem respaldo. Como resultado, a Covid-19 aumentou ainda mais a distância entre os pacientes oncológicos do sistema público e os da rede privada em relação à chance de cura do câncer. Se essa situação não for combatida, tanto os governos estaduais e municipais como o federal serão responsabilizados por essas vítimas. Pacientes não podem esperar o jogo político ficar mais ameno para cuidar de si e tratar do câncer.

Redação

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