Apesar do alto número de médicos, o Brasil ainda tem dificuldade para garantir atendimento a toda a população. O estudo Demografia Médica do Brasil, do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Universidade de São Paulo (USP), indica que o país tem 500 mil médicos, uma relação de 2,4 para cada grupo de mil habitantes. Em números, temos proporcionalmente mais médicos que o Japão e estamos próximos de países desenvolvidos, como Estados Unidos (2,6), Reino Unido (2,8) e Canadá (2,7). Apesar disso, é comum que prefeituras de regiões distantes ofereçam altos salários e mesmo assim não consigam atrair esses profissionais.
A maioria trabalha no Sudeste. A região, que tem 41% da população brasileira, concentra 57,3% dos médicos. O Sul, com 14% da população, abriga 16%. A situação fica dramática no Nordeste, que tem 15,7% dos médicos do país, para atender 27% da população brasileira. O Norte, onde moram 8,7% dos brasileiros, conta com apenas 3,7%. “A população paga, muitas vezes com a própria vida, as consequências dessa desigualdade. Democratizar o acesso da população brasileira aos médicos é um dos maiores desafios da saúde pública”, comenta o presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), Eduardo Costa Teixeira.
O programa Médicos Pelo Brasil, antigo Mais Médicos, poderia ser o condutor dessa democratização, mas a Abramepo alerta que uma exigência ilegal impede que 70% dos médicos do país, cerca de 350 mil profissionais, se candidatem a essas vagas.
Alguns editais incluem como pré-requisito o RQE (Registro de Qualificação de Especialidade), que só pode ser obtido por profissionais que façam residência médica ou que possuam título de especialista emitido e registrado pela Associação Médica Brasileira (AMB), excluindo os programas de pós-graduação registrados no Ministério da Educação (MEC). “Não há vagas suficientes em residência médica para atender todos os médicos que se formam. Cerca de 70% ficam de fora e optam por se especializar em outras pós-graduações, que também são reconhecidas pelo MEC. Pela legislação, um médico formado está apto para atuar atendendo pacientes, mas essa resolução barra a possibilidade de preencher as lacunas por novas vagas de residência acumuladas ao longo de décadas”, explica o presidente da entidade.
Na avaliação de Teixeira, diante da escassez de vagas nos programas de residência médica, cabe ao MEC, como órgão responsável pela formação profissional, regulamentar os programas de pós-graduação, com carga horária mínima diferenciada e outras exigências. “A exigência do RQE é considerada ilegal porque contraria princípios constitucionais e o Judiciário já vem adotando decisões nesse sentido. Mas é preciso mais. Se não tem vagas suficientes na residência médica, é preciso regulamentar a pós na área médica para que outro problema crônico da saúde pública seja resolvido: a demanda por especialistas”, observa Teixeira.
Ilhas de desenvolvimento
Usar um critério excludente para resolver a má distribuição de médicos no Brasil é, segundo a Abramepo, um contrassenso. “Você tem médicos que estão atrás de uma oportunidade e quando você impõe esse critério que exclui 70% da classe, você prejudica a efetividade do programa”, acrescenta o presidente da entidade.
Para equacionar a distribuição de médicos nas regiões mais distantes do Brasil e para aumentar a quantidade de profissionais especializados aptos a atuar em todas as regiões, a Abramepo defende não só o ajuste no programa Médicos pelo Brasil, como a regulamentação do MEC. “Como entidade máxima que chancela os cursos de graduação e pós, o MEC tem a prerrogativa de regulamentar os cursos de pós-graduação. Afinal, o que muita gente não sabe é que a residência médica é justamente isso: um curso de pós-graduação com critérios e regras definidas. Hoje temos programas excelentes de pós-graduação em Universidades respeitadíssimas e que, por não estarem conveniadas à AMB, não podem ser usadas por médicos que querem fazer a prova para a obtenção do RQE. Enquanto isso não mudar, dificilmente conseguiremos democratizar o acesso aos médicos e a uma saúde pública de qualidade”, resume Teixeira.