Novo estudo brasileiro reforça evidências de alterações neurais causadas por Zika e Dengue

Um novo estudo publicado na revista Molecular Neurobiology liderado por pesquisadores do Instituto D’OR de Pesquisa e Ensino (IDOR), em parceria com a Unicamp e outras instituições brasileiras, reforça as evidências sobre alterações biológicas induzidas pelo Zika e Dengue em células neurais.

Liderado por Daniel Martins-de-Souza, cientista do IDOR e professor da Unicamp, este artigo traz dados e informações sobre vias alteradas, processos biológicos relacionados à morte celular, desregulação do ciclo celular e neurogênese (que é o processo de formação de novos neurônios).

“Neste estudo nós exploramos as alterações proteômicas induzidas por Zika comparando as cepas virais brasileira e africana, além de compará-las com as respostas moleculares ao vírus da Dengue tipo 2. Para avaliar as alterações dentro das células neurais, utilizamos células-tronco neurais que foram cultivadas tanto em monocamadas quanto em suspensão, resultando em neuroesferas, que foram então infectadas com Zika ou Dengue. As análises proteômicas em larga escala permitiram a comparação não só entre cepas virais, mas também em relação aos modelos celulares bidimensionais e tridimensionais de células neurais reprogramadas, e os efeitos na sua interação”, explica Daniel.

Alguns estudos anteriores usaram modelos de células-tronco reprogramadas em placas, chamadas de células 2D, para compreender os efeitos do Zika no neurodesenvolvimento. Já nesta pesquisa foram utilizadas células-tronco reprogramadas diferenciadas na forma neuroesferas humanas, chamadas também de células 3D, estruturas mais complexas, permitindo o estudo da infecção tecidual e das comunicações celulares essenciais e outros mecanismos, mais próximo do observado na realidade do neurodesenvolvimento.

“No sistema em células 3D, os progenitores infectados foram colocados em um meio de diferenciação permitindo que as células progenitoras se diferenciem a neurônios ou astrócitos em neuroesferas, por exemplo, simulando diversas das conexões presentes em um cérebro real. Já no modelo 2D, os progenitores permanecem em meio indiferenciado, onde podem proliferar, mas não diferenciar. Dessa forma, podemos olhar para programas diferentes ocorrendo em cada modelo celular e, utilizando a proteômica, entender como cada vírus pode afetar as decisões celulares durante a diferenciação, que afetará os percursos que as células seguem durante o desenvolvimento cerebral”, esclarece Juliana Minardi, primeira autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado do IDOR.

“As neuroesferas infectadas pelo Zika revelaram comprometimento do crescimento e vias interrompidas, afetando a neurogênese do cérebro em desenvolvimento. Enquanto na cepa africana as alterações genéticas induzidas levam a deficiências relacionadas ao ciclo celular e morte celular, a cepa asiática, inclusive as que circulam no Brasil, estão ligadas a alterações nas vias de estresse oxidativo, replicação e reparo de DNA, instabilidade cromossômica e interrupção do programa neurogênico, afetando adicionalmente os genes relacionados à inflamação”, conclui Stevens Rehen, cientista do IDOR e professor da UFRJ, que também assina o estudo.

O Zika tem a capacidade de infectar o cérebro do feto em desenvolvimento durante a gravidez, causando assim malformações congênitas, incluindo a microcefalia. Os vírus Zika e Dengue compartilham várias proteínas, mas o Dengue não foi capaz de cruzar a barreira da placenta, apesar de poder causar complicações neurológicas em adultos.

Ciência brasileira se destaca em estudos sobre Zika

Em 2015 e 2016, o Brasil viveu um surto do vírus Zika e um aumento do número de casos de anormalidades cerebrais congênitas, como microcefalia em recém-nascidos. A partir daí, diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros uniram esforços para entender melhor a doença. Dentre eles, pesquisadores do IDOR, em parceria com instituições nacionais e internacionais deram importantes passos para o melhor diagnóstico e prevenção, desvendando suas manifestações clínicas, seus mecanismos celulares e moleculares, além de apontar novas abordagens terapêuticas.

Um dos destaques foi a pesquisa publicada na revista Science, em abril de 2016, liderada por Stevens Rehen, que analisou de forma inédita os efeitos do vírus em organoides cerebrais humanos e o correlacionou ao desenvolvimento de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas durante a gestação. Neste estudo, que ganhou destaque internacional, os pesquisadores verificaram que o vírus do Zika invade e danifica preferencialmente os progenitores neurais: células precursoras dos diferentes tipos de células cerebrais, abundantes no início do desenvolvimento do feto.

Em 2016, um estudo liderado pela Vice-Presidente do IDOR e pesquisadora, Dra. Fernanda Tovar-Moll, também foi de enorme importância para a ciência e caracterizou o amplo espectro de alterações cerebrais causadas pela infecção congênita pelo Zika. A pesquisa foi capa da revista científica Radiology, em outubro de 2016.

Já em 2020, em um artigo publicado na revista Scientific Reports, Rehen e sua equipe destrincharam as alterações que a infecção viral causa em células neurais específicas – como o astrócito -, assim como suas consequências para o desenvolvimento cerebral. Entre os prejuízos que o vírus causa a essas células, estão a sobrecarga de suas mitocôndrias, quebras no DNA e estresse oxidativo, sendo este último um aspecto comum ao envelhecimento precoce, câncer e doenças neurodegenerativas.

Redação

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