A medicina segue em missão para identificar de forma mais precoce riscos associados às doenças e promover tratamentos personalizados aos pacientes. Nesse sentido, a oncogenética desponta como um segmento da oncologia para que indivíduos que possuem histórico familiar e com riscos mais elevados de desenvolver tumores possam adotar um plano terapêutico mais eficaz, focado na prevenção e no controle da doença.
O câncer ocorre quando há uma anomalia ou uma mutação genética no DNA de uma célula, que se multiplica desordenadamente. Em alguns casos, a alteração é herdada. “Essa herança é estudada pela oncogenética e tem como um dos principais tumores analisados o de mama, com quase 70 mil casos por ano”, explica Dr. Antonio Cavaleiro, coordenador do serviço de Oncologia do Hospital Santa Catarina – Paulista. Segundo o Atlas de Mortalidade por Câncer, somente em 2019, 18.295 pessoas morreram devido ao tumor de mama, sendo 18.068 mulheres e 227 homens.
Por meio de um exame de sangue ou saliva, a oncogenética consegue verificar mutações em genes relacionados a tumores, como o de mama, ovário, colorretal, pâncreas, pele e próstata, entre outros. “Apenas 10% dos casos de câncer são genéticos. Sendo que a mutação nos genes BRCA 1 e BRCA 2, que auxiliam na reparação do DNA, é a principal causa. Filhos de pais com essa alteração têm 50% de chance de herdar a mutação, mas nem todos que herdam desenvolvem algum tumor. A mutação de BRCA1 e BRCA2 ganhou notoriedade no caso da atriz Angelina Jolie”, conta a Dra. Samantha Cabral, oncologista do Hospital Santa Catarina – Paulista.
Em 2013, a atriz, na época com 37 anos, optou pela retirada das duas mamas em uma cirurgia conhecida como adenomastectomia bilateral profilática. Jolie já havia perdido a mãe e a tia para o câncer de ovário, que está ligado ao câncer de mama, e descobriu, após um teste genético, que tinha 87% de chances de desenvolver um tumor na mama e 50% no ovário. “Comecei com os seios, já que meu risco de câncer de mama é mais alto que meu risco de câncer no ovário, e a cirurgia é mais complexa”, disse a atriz em artigo escrito na época ao New York Times.
O anúncio da mastectomia bilateral da atriz trouxe resultados expressivos para a oncogenética. Foi registrado um aumento de 93% dos testes genéticos e um crescimento de 49% nos procedimentos de adenomastectomia bilateral profilática.
“O risco de câncer de mama na síndrome de BRCA é de 70% e de ovário é de 20 a 45%. A possibilidade varia dependendo do gene alterado. No caso do câncer de ovário, toda mulher com histórico familiar e com um carcinoma precisa realizar o teste. Essa também é a orientação para todos os homens com o histórico de câncer de mama masculino, que possui apenas 1% dos casos”, afirma o oncologista do Hospital Santa Catarina – Paulista.
Plano terapêutico personalizado
O teste é recomendado para pessoas com câncer, como histórico familiar rico ou em pacientes que tiveram tumores. Quando o resultado é positivo para alteração genética, o médico desenvolve um planejamento personalizado para o enfrentamento de um possível câncer, respeitando os desejos e necessidades de cada paciente.
“As mastectomias bilaterais são indicadas a partir dos 35 anos. Caso a paciente opte por não realizar a mastectomia bilateral, ela deve realizar exames de rastreamento com maior frequência que a população que não tem a mutação. No caso da retirada do ovário, a indicação é a partir dos 40 a 45 anos, após a mulher ter tido filhos. Ambas as operações diminuem o risco do desenvolvimento de câncer nesses locais”, explica a Dra. Samantha.
O rastreamento de risco consiste na realização de ressonância magnética das mamas anualmente, assim como uma mamografia. A partir dos 40 anos, em homens, o indicado é a realização de um exame de sangue para identificação da PSA, proteína produzida no tecido prostático, que se identificado pode sinalizar um tumor e o exame de toque. Para o câncer de ovário, que acomete mulheres mais velhas, os testes são indicados após os 50 anos e consistem em ressonância magnética abdominal e ultrassonografia endoscópica anual.
Aconselhamento familiar é fundamental
O diagnóstico de câncer é um momento delicado para os pacientes e para seus familiares, já que todos começam a conviver e lutar contra a doença. Por isso, os médicos reforçam a importância da participação familiar durante e após o tratamento.
“Quando a família está ao lado, a luta fica mais fácil. Importante também que o paciente não se culpe por uma possível herança de uma alteração genética. Os pais não passam a mutação, já que ela costuma estar presente na genealogia da família e em alguns casos não acarretará o desenvolvimento de tumores. O teste também serve para identificarmos não portadores, assim como possibilita descobrir uma mutação mais cedo, podendo salvar suas vidas”, diz o Dr. Antonio Cavaleiro.
Outro benefício dos exames e da identificação de mutações genéticas é a possibilidade de um diagnóstico pré-implantacional, em casos de fertilização in vitro, já que é possível identificar alterações e selecionar embriões sem genes de predisposição ao câncer, cessando o ciclo da doença na família.
Prevenção e conhecimento
Principal causa de morte em 606 municípios do país, o câncer é uma das doenças que mais causam medo na população, especialmente em pessoas que já acompanharam a luta de amigos e familiares ou pelo estigma da doença. Por isso, muitos indivíduos optam por não realizar exames, com receio de descobrir uma herança genética que pode acarretar um futuro tumor.
Na avaliação dos oncologistas, a confirmação de uma alteração genética não equivale a uma sentença de morte. Pelo contrário, a descoberta de uma herança genética não significa que uma pessoa necessariamente desenvolverá um tumor, mas sempre abre possibilidades para que ela adote ações para a prevenção ou controle da doença, além do que permite que seus familiares também realizem o teste, abrindo caminhos para o monitoramento e tratamento personalizado, com foco na prevenção e diagnóstico precoce.