O Dia sem Tabaco, instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS), utiliza a data de 31 de maio para alertar sobre todos os riscos relacionados ao tabagismo. Campanhas de conscientização desenvolvidas a partir da década de 1990 contribuíram para a redução do número de fumantes, porém, a pandemia ligou o alerta para o crescimento do vício entre brasileiros. O oncologista Fernando Medina, do Centro de Oncologia Campinas (SP), acredita que, em breve, os profissionais de saúde começarão a notar os efeitos do aumento do consumo de cigarros em seus pacientes.
“A ansiedade, as incertezas, os problemas e o medo contribuíram para que os fumantes aumentassem o consumo diário de cigarros e também colaborou para que ex-fumantes retomassem o hábito e novos surgissem. A expectativa dos oncologistas é que, em breve, comece a ser notado um aumento do número de tumores ligados ao fumo”, avalia Medina.
Pesquisa recente confirma as declarações do médico do COC. Em 2020, o número de fumantes maiores de 18 anos aumentou 0,9 ponto percentual, trazendo como consequência crescimento de 12,3% no consumo de cigarros no Brasil na comparação com o ano anterior, segundo estudo Consumer Insights, produzido pela Kantar.
Os dados são preocupantes, sobretudo porque o Brasil havia conseguido importantes progressos na diminuição do número de fumantes. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 1989, 34% da população com mais de 18 anos eram fumantes. Em 2019, o total caiu para 12,6%. “E essa redução acumulada se refletiu na diminuição do surgimento de tumores relacionados ao fumo ao longo dos anos”, complementa.
Apesar de mais comumente associado ao câncer de pulmão, o tabagismo aumenta as chances de desenvolver tumores cancerígenos em vários outros órgãos. O caminho do alcatrão, altamente cancerígeno, pelo corpo humano deixa um perigoso ‘rastro’. Pulmão, laringe, faringe, boca, esôfago, pâncreas e bexiga são os principais órgãos relacionados ao tabagismo e ao desenvolvimento do câncer. “São todas as áreas onde a fumaça do cigarro ‘toca’, antes das substâncias serem excretadas pela urina”, detalha Medina.
O vício do cigarro, lembra o oncologista, é tão nocivo quanto difícil de abandonar. “Vemos garotos de 12, 13 anos, experimentando cigarro. Mesmo passando mal, eles continuam e levam esse mau hábito para o resto da vida”, compara, afirmando que a conscientização sobre os malefícios tem de começar ainda na infância.
“Educar é a melhor forma de prevenir o surgimento de novos fumantes”, avalia. Medina lembra que a pandemia comprometeu importante campanha de conscientização que era realizada pelo COC. “Nós íamos às escolas, dávamos palestras e pedíamos aos alunos para que fizessem frases e desenhos sobre os riscos do cigarro. Depois escolhíamos as 12 melhores frases e desenhos e fazíamos um calendário. As crianças, muito provavelmente, não se tornaram fumantes porque foram alertadas sobre o vício”.
O Centro de Oncologia Campinas também oferece um programa de ajuda aos fumantes. Intitulado ‘Vida sem Cigarro’, colabora com pacientes interessados em largar o vício. “Não é fácil o processo, mas, com ajuda, fica menos difícil. Se a pessoa tiver acompanhamento médico e psicológico, as chances de ter sucesso serão muito maiores”, acredita.
Tabagismo atinge mais de 1 bilhão de pessoas, afirma estudo publicado na The Lancet
O número de fumantes no mundo aumentou para 1,1 bilhão e o uso do tabaco pode estar diretamente relacionado com mais de 7 milhões de mortes. As informações fazem parte do estudo realizado pela renomada revista médica britânica The Lancet, que reuniu dados de 204 países¹. A pesquisa foi divulgada na quinta-feira (27).
Dentre os problemas de saúde relacionados ao tabagismo estão as doenças cardiovasculares, respiratórias e o câncer. Fumantes também têm um risco maior de desenvolver quadros graves de Covid-19 e necessitar de hospitalização, segundo análise recente publicada no periódico Thorax, com informações de mais de 2 milhões de pessoas no Reino Unido². No Brasil, estima-se que 443 pessoas morrem por dia por causa do tabagismo, ou seja, mais de 160 mil mortes anualmente³.
O diretor médico da Qsaúde, Ricardo Casalino, diz que a exposição ao tabaco é um dos principais fatores de risco para doenças respiratórias. Segundo Casalino, que é cardiologista, por alterações na dinâmica pulmonar, os tabagistas estão mais suscetíveis a infecções virais e bacterianas e complicações pulmonares como a infecção por Covid-19.
“Fumar aumenta a chance de doenças como infarto, acidente vascular cerebral (AVC), trombose e o desenvolvimento de tumores. Mais de 20 tipos de câncer podem estar relacionados ao tabagismo, além do câncer de pulmão, como bexiga e mama. Por isso, não existe nível seguro para uso do tabaco. Seguro é parar de fumar”, afirma Casalino.
Acompanhamento multiprofissional facilita a jornada
O especialista explica que a nicotina, encontrada em todos os derivados do tabaco, é a droga que causa dependência. Ao ser inalada, gera alterações no sistema nervoso central e produz alterações no estado emocional similares ao uso de outras substâncias como álcool, cocaína e heroína. “A cessação do tabagismo demanda atenção de uma equipe multiprofissional para acompanhar de perto os pacientes e auxiliar nas estratégias de controle da abstinência, principalmente nestes tempos difíceis de pandemia em que alguns hábitos ficaram mais evidentes e servem de ‘escudo emocional’ para as pessoas”, afirma.
Na Qsaúde, cerca de 10% dos clientes afirmam ser fumantes. Para esse grupo de pacientes é realizado um monitoramento próximo com o time de saúde da operadora e os médicos de família das clínicas Einstein para atuar com medidas de controle do vício. O objetivo é entender o contexto social e familiar e os hábitos de vida para traçar um plano de cuidado, que inclui não somente largar o vício como adotar atitudes mais saudáveis e sustentáveis no longo prazo. Ainda é oferecido suporte com equipe multidisciplinar, que conta com médicos especialistas de diferentes áreas e psicólogos.
“Nosso objetivo é cuidar de cada cliente de forma personalizada e integrada. Olhamos para o momento atual e as necessidades daquela pessoa com foco em qualidade de vida, prevenção e controle de doenças”, diz Casalino.
Referências:
¹The Lancet. Spatial, temporal, and demographic patterns in prevalence of smoking tobacco use and attributable disease burden in 204 countries and territories, 1990-2019: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2019. Disponível em: www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01169-7/fulltext Acesso em 28/05/2021
²Thorax. Current smoking and COVID-19 risk: results from a population symptom app in over 2.4 million people. Disponível em: thorax.bmj.com/content/early/2021/02/07/thoraxjnl-2020-216422 Acesso em 28/05/2021
³INCA. Tabagismo. Disponível em: www.inca.gov.br/tabagismo Acesso em 28/05/2021