Quando o desejo de ser mãe é maior que o temor da doença crônica

Rosilene faz diálise três vezes na semana

Três mulheres moradoras do Rio de Janeiro dividiram um mesmo grande sonho e um importante desafio: engravidar e conseguir manter a gestação mesmo sendo pacientes renais. Em estágios avançados da doença renal, especialmente quando a paciente depende de diálise, pode ocorrer a redução de hormônios ligados à fecundidade, responsáveis pela liberação dos óvulos femininos. Aumenta assim, a dificuldade para engravidar. E mesmo quando a fecundação ocorre, a manutenção da gravidez até o fim é outro grande desafio, pois há riscos de complicações para a mãe e especialmente para o desenvolvimento do bebê. Mas o sonho de ser mãe, mesmo em diálise, não é impossível, com cuidados especiais e dedicação tanto da paciente quanto da equipe de saúde.

“Apesar da fertilidade diminuir à medida que agrava a disfunção renal, a mulher com doença renal pode engravidar, sendo muito importante que conheça os riscos envolvidos para mãe e filho, para poder decidir de forma consciente o seu planejamento. Enquanto na população geral a incidência de pré-eclâmpsia é de 8%, na doença renal, principalmente se há também tem hipertensão arterial, esta complicação pode afetar até 50% das gestantes”, destaca a nefrologista Ana Beatriz Barra, diretora médica da Fresenius Medical Care.

A especialista afirma, no entanto, que mesmo no estágio mais avançado da doença renal, quando a paciente já necessita de diálise para substituir os rins que não estão funcionando mais, os desfechos, tanto para a mãe quanto para o bebê, melhoram bastante com um tratamento intensivo, que envolve a atenção de uma equipe multidisciplinar e a aderência das orientações pela paciente.

Normalmente, a recomendação é que a gravidez ocorra depois de um transplante. Mas, como nem sempre é possível realizar o procedimento no tempo desejado, algumas mulheres optam por tentar. E foi seguindo os passos corretamente da equipe de saúde que algumas pacientes renais conseguiram realizar o grande sonho.

Etiene passou por duas gestações difíceis

Uma delas é a Etiene de Oliveira Del Castilho, de 32 anos, de Senador Camará, paciente da Clínica Renal Vida de Campo Grande. Ela faz hemodiálise desde os 14 anos, quando já era hipertensa, uma das doenças que acomete os rins. Mesmo já tendo ficado em coma por seis dias, aos 20 anos, tinha o desejo de ser mãe e chegou a ter depressão quando os médicos informaram que seria quase impossível. Mas depois de 12 anos de hemodiálise, em 2013, confiou na fé em Deus e decidiu tentar gerar o seu primeiro filho. A gravidez foi muito difícil, o bebê nasceu com 25 semanas de gestação, pesando 650 gramas, e com dois meses de vida teve uma infecção no hospital que lhe tirou a vida. “Meu mundo caiu, mas mesmo assim não desisti. Minha fé foi maior do que minha tristeza, mesmo com todo aquele sofrimento. E foi aí que em 2019, já com 18 anos de hemodiálise, após uma gestação de 7 meses, nasceu seu tão esperado filho, o Heitor Gabriel, com 950 gramas. Ele ficou 85 dias na incubadora e teve várias bactérias, mas Deus me deu o maior milagre que uma mulher pode receber. Hoje ele está com 1 ano e 7 meses e com muita saúde”, conta.

Rosilene engravidou após oito anos de diálise

Rosilene Aparecida Venâncio José, hoje com 44 anos, é moradora de Vaz Lobo, no Rio de Janeiro, e é paciente da Renal de Vida Vaz Lobo. Ela se tornou renal crônica aos 31 anos, por possuir Glomerulonefrite, que tem como uma das principais consequências o comprometimento da função renal. Sua gravidez foi inesperada e veio quando já era mãe de dois filhos, um com 22 e outro com 16 anos e aos 38 anos de idade, quase oito 8 anos após iniciar a terapia de diálise. “Foi uma surpresa para todos, também por conta da minha idade, era uma gravidez de alto risco, mas recebi todo o apoio na clínica e no hospital especializado em gestante de alto risco. O maior desafio para mim foi passar a dialisar seis vezes por semana, antes eram três. Mas deu tudo certo, meu Rafael nasceu com nove meses, de parto normal, e sem intercorrências. A minha pressão ficou boa durante toda a gravidez”, relata.

Flávia passou bem na gestação, mas teve parto prematuro

Flávia Dos Santos de Jesus, 36 anos, moradora da Praça Seca, também no Rio, é paciente do Centro de Nefrologia e Diálise Taquara. Aos 26 anos, descobriu-se paciente renal, porém não havia uma causa definida. Quando foi feito o diagnóstico a doença já estava avançada e seus rins já se encontravam atrofiados. Por achar que não engravidaria com facilidade, deixou de tomar pílula anticoncepcional e a gravidez veio aos 29 anos. A gestação durou 34 semanas, mas foi bem tranquila, com a pressão normal. “Já faço hemodiálise há dez anos e na gravidez minhas taxas ficaram muito boas. Foram as melhores até hoje. Planejamos fazer um parto cesáreo, por causa da pressão e do problema renal, mas quando a bolsa estourou antes da hora, tive normal. Graças a Deus deu tudo certo, a pressão ficou em 12×8 e nasceu a Maria Alice, hoje com seis anos. Não fosse pelo problema que fiquei nos ossos por conta do problema renal, ou seja, se eu tivesse uma estrutura óssea melhor, tentaria outro filho. Hoje tenho hiperparatireoidismo, não posso mais”. Quando há excesso do hormônio paratormônio, responsável pelo equilíbrio do cálcio, vitamina D e fósforo presente no sangue, esse problema pode surgir nos pacientes renais.

A decisão de engravidar – Quando uma mulher com doença renal planeja ter um bebê, precisa levar tudo isso em conta. Medicamentos precisarão ser substituídos ou acrescentados e uma dieta saudável e rigorosa deve ser seguida. Se estiver em diálise, as sessões deverão ser incrementadas para seis, ou se possível sete vezes por semana, sempre mantendo as quatro horas de duração. Esta medida é essencial para a saúde do bebê, que precisa se desenvolver em um ambiente sem as toxinas urêmicas que usualmente se acumulam entre as sessões de diálise. Além do nefrologista e do nutricionista, é essencial o acompanhamento conjunto com um ginecologista com experiência em gravidez de alto risco.

Redação

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