A Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) e o Movimento de Reintegração das Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares (Morhan) protocolaram representação junto ao Ministério Público Federal (MPF) nesta quinta-feira, 3, solicitando instauração de inquérito civil para garantir a regularização do abastecimento de medicamentos para tratamento de hanseníase no país e responsabilizar o poder público por prejuízos causados à saúde e vida dos usuários que dependem do Sistema único de Saúde (SUS).
As duas entidades têm recebido denúncias de falta de medicamentos para a doença em vários estados brasileiros e pedidos de ajuda de pacientes que estão com seus tratamentos interrompidos. Em agosto, a SBH oficiou o Ministério da Saúde para que tome providências quanto ao desabastecimento.
O presidente da SBH, dermatologista e hansenólogo Claudio Guedes Salgado, e o também dermatologista e hansenólogo Francisco Almeida, representante da SBH no Nordeste, denunciam que também faltam medicamentos substitutivos. A poliquimioterapia (PQT) para tratamento da hanseníase é doada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a produção não foi interrompida durante a pandemia do novo Coronavírus, conforme informação disponibilizada no site Global Partnership for Zero Leprosy (zeroleprosy.org/novartis-kalwe-site-associates-mdt-covid19).
Para o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio, é fundamental que o Ministério Público atue para solucionar a falta de medicamento para o tratamento da hanseníase. “O tempo todo nós orientamos sobre a adesão ao tratamento, dizemos que as pessoas não podem abandonar, que precisam tomar os medicamentos de forma regular, e aí quem descontinua o tratamento é o próprio governo, infelizmente”, lamenta Custódio. Ele complementa: “Independentemente se a falta é internacional ou local, precisamos avançar em soluções nacionais e permanentes. Nesse momento, claro, a questão é a urgência, mas precisamos de um desdobramento que estruture uma produção nacional estratégica, visando a autonomia e soberania do Brasil na garantia do acesso a um tratamento adequado para todas as pessoas afetadas pela hanseníase no país”.
O problema do desabastecimento vem sendo notificado informalmente ao governo federal desde março pelo Morhan (drive.google.com/file/d/1zD-WVdZUg7NmSqfqaH-ayhjGq6l9gwH7/view?usp=sharing) e SBH (www.sbhansenologia.org.br/noticia/oficio-da-sbh-ao-ministerio-da-saude-sobre-falta-de-medicamentos-para-tratamento-da-hanseniase).
A SBH alerta no documento para os vários riscos ocasionados pela interrupção dos tratamentos O paciente não tratado fatalmente evoluirá com a história natural da doença para a incapacidade física, a sociedade será coletivamente afetada pela transmissão do bacilo, o que não ocorre quando o paciente está em tratamento. Adicionalmente existe a possibilidade do surgimento de cepas resistentes aos antibióticos tradicionais, que se juntariam às cepas resistentes já circulando no Brasil, potencializando significativamente o problema para a sociedade brasileira.
O Brasil é o segundo país com mais casos de hanseníase – perde apenas para a Índia. Em incidência, quando considerados o número de novos casos em relação à população, é o campeão mundial.
Apesar de notificar oficialmente cerca de 30 mil casos/ano (a título de comparação, este número é similar às notificações anuais de casos de AIDS somados aos casos de HIV positivos), a SBH já denunciou para vários organismos internacionais e também para o governo federal que existe uma endemia oculta no país por falta de diagnóstico e que os números podem ser de 3 a 5 vezes maiores que os dados oficiais.
A hanseníase tem cura. Mas o diagnóstico no Brasil é feito tardiamente (por falta de capacitação dos serviços de Atenção Básica à Saúde), quando muitos dos pacientes já apresentam sequelas. A hanseníase é transmitida por um bacilo que afeta os nervos. A evolução da doença cursa com perda de sensibilidade na pele e perda de força nos músculos da face, mãos e pés.