Por Carol Gonçalves
Recentemente, passei por uma experiência inédita para mim: após internação simples em um hospital de São Paulo e o preenchimento de um e-mail de avaliação do atendimento, recebi um telefonema muito educado da instituição, perguntando detalhes da minha estada e tirando dúvidas de alguns assuntos que comentei no e-mail. A moça disse que minhas observações eram importantes para o aprimoramento do hospital e que alguns pontos já estavam sendo melhorados, como a identificação visual dentro do hospital. Por fim, ela perguntou se eu estava me recuperando bem, demonstrando uma atenção que me surpreendeu.
Este é um bom exemplo de marketing de experiência na área de saúde, cujo objetivo, de acordo com o site experiencialize.com.br, é sensibilizar as emoções e sensações dos clientes. Para Manoel Carlos Junior, pioneiro no marketing de experiência no Brasil e CEO do Grupo Experiencialize, poucos ambientes são tão suscetíveis à experiencialização quanto o hospitalar. Afinal, trata-se de um lugar onde, normalmente, as pessoas estão mais sensíveis do ponto de vista emocional.
Caroline Klüppel Strobel, fundadora da Fika, empresa especializada em marketing e estratégia de experiência, diz que, independente da área de atuação, as empresas que desejam se destacar não podem mais focar apenas na venda do seu produto ou serviço. “Elas precisam identificar novas maneiras de atender o seu cliente com mais qualidade com base no entendimento profundo das suas necessidades”, conta.
Na área da saúde, essa realidade é ainda mais urgente, segundo Caroline, já que o paciente não arrisca: ele procura profissionais e instituições de qualidade e confiáveis. “Assim, a recomendação de familiares e amigos tem maior peso no processo de decisão do cliente do que qualquer outra comunicação que o hospital ou a clínica possa fazer para tentar atraí-lo. As recomendações negativas geram um grande prejuízo”, observa.
Dessa forma, o melhor investimento que se possa fazer é desenhar serviços para garantir uma experiência excepcional para o paciente, de maneira que ele compartilhe sua satisfação com a rede de contatos. Assim, se constrói uma instituição sólida, com credibilidade e alto valor agregado.
Por sua vez, Andressa Seixas Gulin, médica e fundadora da LifeDoc – Medicina Personalizada, que trabalha em parceria com Caroline, diz que é importante lembrar que a experiência do paciente não é uma ação pontual, mas, sim, uma estratégia que o coloca no centro de todas as decisões e abrange todo e qualquer contato entre paciente e hospital/clínica.
Experiências internacionais
O marketing de experiência é uma tendência desenvolvida na Europa, Estados Unidos e Austrália. O termo começou a ganhar força entre grandes empresas norte-americanas no início dos anos 2000 e conquistou o mundo a partir de 2010/2011.
As instituições brasileiras podem aprender muito com a experiência de outros países que já aplicam o marketing de experiência nas instituições de saúde, sobretudo se fizerem visitas de intercâmbio a instituições americanas e asiáticas, acredita Carlos Junior, que também é palestrante e consultor. “Recentemente, fiz uma visita técnica a um dos mais modernos hospitais do mundo, o Cleveland Clinic, de Abu Dahbi, Emirados Árabes, e pude constatar in loco que a jornada de atendimento em todos os pontos de contato é voltada para oferecer a melhor experiência para o paciente, o que chamamos de ‘customer centric process’”, explica.
Dra. Andressa, da LifeDoc, também cita a Cleveland Clinic como uma das pioneiras em entender como a experiência do paciente é importante para a fidelização e o engajamento do paciente em seu tratamento. “A instituição lançou uma ação de marketing composta por uma série de vídeos sobre empatia no cuidado à saúde que é referência de excelência”, conta. Outros exemplos citados pela médica são os hospitais Nemours Children’s, na Flórida, e Stanford Neuroscience Health Center, na Califórnia, ambos nos Estados Unidos, projetados para oferecer a melhor experiência ao paciente.
“Independentemente de novas ou antigas, com foco em processos ou no ambiente, as instituições no exterior já colocam a experiência do paciente no centro da sua estratégia para tornar o serviço mais eficiente, transparente, ágil e positivo para o usuário”, complementa Caroline, da Fika.
Ações
Antes de definir quais ações são necessárias para colocar em prática as estratégias do marketing de experiência, é preciso conhecer a jornada do usuário e mapear todos os pontos em que ele está em contato com o hospital ou clínica, ensina Caroline, da Fika, desde a procura pelo serviço na internet até o momento em que chega em casa após a alta.
“Assim, é possível identificar em qual momento o paciente encontra dificuldades, perde tempo, quando precisa de mais atenção ou informação e quais fatores ele mais valoriza durante essa jornada, por exemplo. Esses insights e a solução de problemas ao longo de todo o percurso tornam as instituições mais competitivas em relação a tantos outros serviços de saúde no Brasil”, expõe a profissional.
Alguns exemplos de ações, segundo Caroline, podem envolver diminuição de pontos de atrito, como filas e dificuldade de agendamento, acompanhamento depois da consulta para garantir a fidelização, ou até mesmo criar ambientes mais apropriados para o serviço prestado: que transmitam uma sensação de tranquilidade para os pacientes e credibilidade para a instituição, além de facilitar processos.
Em seu artigo no experiencialize.com.br, Carlos Junior diz que é preciso ter atenção aos detalhes em todos os pontos de contato entre o hospital e seus clientes, tais como: a forma do atendimento telefônico, o modo como o manobrista aborda o cliente, o sorriso e o olho no olho na recepção aos pacientes, a limpeza do piso, os arranjos de flores naturais, a manutenção dos elevadores e da sinalização, entre outros. Por exemplo: que tal um funcionário do hospital visitar os pacientes e oferecer a eles uma infinidade de opções de leitura, através de uma parceria com a banca da esquina? Pode-se despertar a memória afetiva dos pacientes e seus parentes, colocando, ainda, o nome das pessoas que já nasceram no hospital em um painel de led na recepção.
O consultor acrescenta outras ações, começando com o recrutamento e a seleção dos profissionais que irão trabalhar na instituição, avaliando, em primeiro lugar, questões como a causa emocional do candidato – o que move o indivíduo –, antes de fazer uma avaliação dos skills para preenchimento da vaga. Inclui, também, atenção aos detalhes, com treinamentos sofisticados e check lists bem esmiuçados de cada uma das áreas da operação. “Outra ação envolve uma hotelaria impecável, com ativação dos cinco sentidos e a preocupação de criar uma ambiência que minimize o aspecto hospitalar”, acrescenta.
Benefícios
Investindo nessas ações com foco na experiência do cliente, os profissionais e as instituições de saúde ganham eficiência, otimização de recursos e fidelização dos clientes. “Para exemplificar, perde-se menos tempo com atendimento a reclamações, processos pouco produtivos que consomem tempo da equipe e esforços para atrair novos pacientes”, expõe Caroline, da Fika.
Além disso, acrescenta a Dra. Andressa, da LifeDoc, quando o paciente identifica pontos de confiança no serviço e na equipe através de sua boa experiência, a aderência ao tratamento aumenta. “Um estudo feito pela Georgia Health Sciences Medical Center, nos Estados Unidos, mostrou que, ao envolver o paciente na experiência do cuidado, erros de medicação diminuíram em 60%, quedas em 40% e tempo de permanência nos leitos em 50%”, salienta.
A lista de Carlos Junior, do Grupo Experiencialize, resume os benefícios da estratégia:
- Aumento do senso de pertencimento da equipe e consequente maior engajamento do time de colaboradores.
- Maior eficiência nos processos, gerando maior segurança e resolutividade.
- Aumento na percepção de valor por parte do cliente e do mercado, permitindo uma maior margem de lucro e, consequentemente, aumento na rentabilidade da instituição.
Efeito “Uau!”
Provocar o chamado efeito “Uau!” é surpreender positivamente, entregando algo a mais que o cliente não esteja esperando. Foi o que fez o Laboratório Hermes Pardini, que criou uma ação incrível para vacinação de crianças, um procedimento muitas vezes traumático e doloroso, tanto para os pais quanto para as crianças. Dra. Andressa, da LifeDoc, conta que, ao entrar na sala, a criança coloca os óculos de realidade virtual e participa de um jogo. “A picada da vacina é exatamente no momento que ela recebe um prêmio do herói. Assim, além de o paciente sair encantado com a experiência, ganha-se mais agilidade e eficiência no atendimento”, expõe.
Para causar um impacto positivo, algumas instituições oferecem serviços de chofer e motorista; menus especiais dentro das preferências dos pacientes – que, obviamente, respeitem sua dieta; e enviam aos pacientes flores e bombons em casa, no dia seguinte à alta médica, com cartões carinhosos assinados pela equipe que o atendeu, desejando uma ótima recuperação, como lembra Carlos Junior, do Grupo Experiencialize.
Segundo o consultor, criar uma experiência hospitalar única e de valor pode ser bem mais simples do que se pode imaginar, transformando os pacientes comuns em clientes defensores e divulgadores da marca.
Primeiros passos
Caroline, da Fika, acredita que o primeiro passo para a mudança é buscar informação e observar como outros segmentos estão se adaptando às novas exigências e comportamento do consumidor. Por esse motivo, ela e a Dra. Andressa criaram um curso com o objetivo de trazer importantes discussões e conceitos de forma descomplicada – muitas vezes conceitos de marketing – para tornar esse processo de mudança mais fácil.
Quanto a valores de investimento nesta nova visão, dependerá do porte da instituição – se é uma pequena clínica ou um grande hospital –, a profundidade da pesquisa e diagnóstico, e os objetivos da organização. “Em alguns casos, é necessária apenas uma correção de rota. Já em outros, é preciso fasear o projeto para implementar diversas melhorias. Costumo tratar cada caso individualmente”, expõe Caroline.
Para Carlos Junior, do Grupo Experiencialize, os hospitais precisam entender que a experiência do seu cliente, a partir do agendamento, passando pela recepção, centro cirúrgico, hotelaria, administrativo, enfim, todas as áreas, é o investimento com retorno mais imediato. “Cuidar muito bem dos clientes que já estão conosco e mantê-los custa muito menos do que conquistar novos. Já existem instituições criando uma área específica de CX (customer experience) com equipe especializada e orçamento próprio”, salienta, acrescentando que algumas investem cerca de 1% a 3% da sua receita bruta na gestão da experiência dos seus pacientes.
Na prática
Uma instituição que aplica com sucesso o marketing de experiência é a Clínicas Fares, que possui unidades em Vila Nova Cachoerinha, Santo Amaro, Osasco e Penha, todas em São Paulo. Segundo o médico Adiel Fares, fundador e CEO da empresa, a aplicação do marketing de experiência é uma das ferramentas que colaboram para que a vivência do paciente na instituição de saúde seja efetivamente inesquecível e para fidelizá-lo como cliente. “Oferecer um ambiente que contribua para a sensação de bem-estar, garantindo ao usuário mais conforto, conhecimento da especialidade e acolhimento é o que chamo de fatores inesquecíveis”, declara.
Outro ponto muito importante que o Dr. Adiel cita é a experiência proporcionada ao paciente em toda a sua jornada. Após a acolhida no primeiro atendimento, o médico o recebe na porta do consultório, favorecendo não só a experiência, mas a relação médico e paciente. “Acredito que o paciente tem de estar no centro da estratégia organizacional como um todo. Esta inovação sendo usada de forma bem trabalhada resulta em aumento nos índices de desempenho, criando vínculos duradouros com todos os que frequentam os ambientes de saúde”, explica.
Atualmente, em todas as suas unidades, a Clínica Fares investe na criatividade e na tecnologia. Os consultórios receberam painéis em 3D, com imagens que falam por si, de acordo com a especialidade. Eles foram executados de modo lúdico, intuitivo e humanizado, com o objetivo de proporcionar um momento único ao paciente durante o atendimento ou procedimentos.
Para avaliar o impacto dessa ação, a instituição fez uma pesquisa com os médicos. Em geral, eles afirmaram que, além de mais humanizado, o atendimento causou mais impacto na relação com a Clínica Fares. “Isto é fantástico, pois potencializamos mais a empatia com todos que passam pelo local. A humanização faz parte também da experiência do nosso paciente, conseguimos engajá-los com a nossa missão de oferecer uma medicina focada no paciente, completa e acessível”, conta o Dr. Adiel. De acordo com ele, todos os médicos forneceram ações para a equipe de marketing desenvolver a ação.
O CEO da clínica complementa dizendo que estes painéis estão impressionando os pacientes e, inclusive, outras instituições de saúde, que também investiram na ideia. “Isso é espetacular, o que me faz ter a certeza de que estamos no caminho certo”, finaliza.
Estimulando os cinco sentidos
Como explica Carlos Junior em artigo publicado em seu site, para que a experiência do cliente seja um sucesso, é fundamental alinhar os cinco sentidos:
Visual: a fachada do prédio do hospital, a recepção, o pronto atendimento, os corredores de acesso, as áreas de internação, os apartamentos e demais dependências devem estar absolutamente alinhadas com os valores que o hospital deseja transmitir.
Audição: deve-se ter cuidado extremo com a trilha sonora do ambiente. É aconselhável evitar deixar na programação de uma rádio, buscando uma trilha instrumental que transmita tranquilidade e harmonia.
Olfato: o aroma dos ambientes pode contribuir para transmitir sensações como calma, tranquilidade e segurança.
Paladar: este sentido pode ser estimulado através de um funcionário da área de nutrição do hospital, caracterizado como metre, visitando os pacientes em unidades abertas. Ele pode sugerir um cardápio de opções para o almoço ou jantar, respeitando, logicamente, a prescrição nutricional de cada um. Águas aromatizadas e uma bela seleção de café expresso também podem ser oferecidos aos visitantes ou acompanhantes dos pacientes.
Tato: Finalmente, o tato no ambiente hospitalar, até por uma questão de higiene e segurança, deve ser evitado ao máximo. Desta forma, quanto menos se tocar em portas, utilizando sensores de presença, melhor.
Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 91, de maio/junho de 2018. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-91-revista-hospitais-brasil