Nascimento de bebê real reacende discussão sobre saúde no Brasil

O mundo todo ficou ligado no nascimento do terceiro filho da duquesa Kate Middleton e do príncipe William, em Londres, no final do mês de abril. Enquanto os ingleses faziam apostas para adivinhar o nome do bebê real, aqui no Brasil, o assunto ganhou polêmica pelo fato de a duquesa ter deixado o hospital apenas cinco horas depois de dar à luz.

Dr. Élvio Floresti Junior, ginecologista e obstetra, explica que, como ela teve um parto normal, é multípara, provavelmente não precisou de corte vaginal e teve gestação de termo, pôde ir para casa normalmente. “Tanto lá como aqui, isso é possível. Acontece que, no Brasil, fazemos o teste do pezinho, que é colhido 48 horas após o parto”, expõe o médico.

Além disso, algumas horas após o nascimento, verifica-se se o útero está bem contraído e se o sangramento está fisiológico, assim como a resposta do bebê às condições ambientais (adaptação pulmonar). Atualmente, o recém-nascido fica o tempo todo com a mãe. Já na Europa, esse procedimento pode ocorrer no hospital ou em casa. “Logicamente, quando a família vai para casa, é necessário que a equipe médica, de enfermagem e o neomatologista também passem para avaliar as condições do bebê e da mãe, o que já é rotina na Europa”, continua o Dr. Élvio.

O tempo de permanência hospitalar após o parto vem decrescendo em vários países nas últimas décadas e essa tendência ocorre também no Brasil, sempre que a puérpera e o seu recém-nascido estiverem saudáveis, como observa Olímpio Barbosa de Moraes Filho, presidente da Comissão de Pré-Natal da Febrasgo – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia e conselheiro do Cremepe – Conselho Regional de Medicina de Pernambuco.

“Os entusiastas da alta precoce afirmam que é segura e vantajosa do ponto de vista médico, psicossocial e econômico. No entanto, para nós, brasileiros, ainda causa estranheza o que ocorreu com a duquesa”, comenta. A Febrasgo e a SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria, em consonância com a Portaria nº 2.068, de 21/10/16, do MS e com orientações da OMS, recomendam que a alta nunca seja dada antes de 24 horas. Os motivos visam mais aos cuidados com o recém-nascido do que com as mulheres.

As principais causas para o retardo de alta por um período de 24 a 48 horas são: maior tempo para orientações sobre o aleitamento materno e cuidados ao recém-nascido; aguardar resultado da tipagem sanguínea e testes sorológicos (VDRL e HIV); e maior possibilidade de identificação de icterícia e doenças cardiopulmonares, gastrintestinais e de metabolismo no recém-nascido. “Já os motivos obstétricos são praticamente restritos ao risco de hemorragia pós-parto e alterações dos níveis de pressão arterial nas primeiras 24 horas”, explica Olímpio.

Lá e aqui

Sobre as diferenças entre o Brasil e a Inglaterra em relação à qualidade do serviço de saúde, Dr. Élvio conta que a mais marcante é que, aqui, sempre se preconiza a internação, para qualquer tipo de patologia. “Por exemplo, após um parto normal, mesmo que a mãe e o bebê estejam bem, normais e sadios, é observado 48 horas para dar alta. Na Europa, a orientação é que o paciente permaneça em casa, pois uma equipe ou um médico irá até a residência para examinar. Uma pessoa raramente passa diretamente no pronto-socorro, ela procura os profissionais de sua região, que atuam como médicos familiares para todas as patologias. Eles encaminham, se necessário, para os especialistas, sempre pensando no melhor para o paciente e o menor custo para o estado”, descreve.

Para a SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, o sistema de saúde britânico poderia ser um espelho para o Brasil, pois ele prioriza o parto vaginal e os cuidados por meio da Atenção Primária à Saúde. “Hospital não é lugar de gente saudável. Se mãe e bebê estão bem após o parto, ficam mais seguros em casa do que no hospital”, expõe Rodrigo Lima, médico de família e comunidade e diretor de comunicação da entidade.

Para ele, o modelo inglês poderia facilmente ser implantado no Brasil. Já há, por exemplo, a recomendação de que a enfermeira da Equipe de Saúde da Família visite a puérpera no máximo uma semana após o parto e os agentes comunitários de Saúde fazem esta visita imediatamente após a chegada. “Isso já é combinado durante o pré-natal”, comenta.

Já para Olímpio, da Febrasgo, não há condições para implementar tal modelo no Brasil, pois são poucas as possibilidades de profissionais de saúde irem à casa dessas mães, além de as mulheres não terem acesso rápido ao hospital em caso do surgimento de alguma eventual complicação.

Ele lembra que, além do Reino Unido, este modelo de assistência também é empregado em outros países, como Alemanha, Holanda e Nova Zelândia, o que garante segurança para a mãe e o seu bebê, mesmo estando em casa.

Normal x cesárea

A rápida recuperação da duquesa também leva a pensar na diferença entre a quantidade de partos normais e por cesárea. Em 2000, o percentual de cesáreas no Brasil era de 38%; em 2014, chegou a 57%. “Felizmente, temos observado pela primeira vez uma diminuição. Os últimos dados de 2016 são de um percentual em torno de 55%”, revela Olímpio, da Febrasgo.

Segundo ele, essa diminuição, que interrompeu a tendência crescente dos números de cesárea, não ocorreu por acaso. A crise econômica levou as pessoas a migrarem da saúde suplementar, com seus elevados números de cesárea, para o SUS, cujo número desse procedimento é bem mais baixo. Outro importante motivo foi a implantação de dois projetos iniciados recentemente no Brasil. Um é o Parto Adequado, lançado há pouco mais de três anos em algumas maternidades privadas e depois expandido para maternidades públicas. O segundo é o APICE ON – Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia, lançado em 2016, englobando mais de 90 maternidades de ensino nas diferentes regiões do Brasil.

Olímpio conta que esses dois projetos têm como ponto chave a implementação de um modelo de assistência ao parto defendido pela OMS, que é o mesmo da Inglaterra, onde médicos e enfermeiros trabalham em conjunto de acordo com as suas competências.

Para o presidente da Comissão de Pré-Natal da Febrasgo, os principais motivos que alimentam a cultura da cesárea são: diminuição de leitos de obstetrícia; superlotação; falta de ambiência que promova um mínimo de conforto e privacidade para as parturientes e seus acompanhantes; e reduzido número de profissionais de saúde, aliados à adoção de um modelo que não valoriza a assistência obstétrica multiprofissional.

Sobre o alto número de cesáreas no Brasil, Lima, da SBMFC, acrescenta que ele está relacionado ao atual modelo médico-hospitalar, que remunera melhor a intervenção cesárea do que o parto vaginal. Outro ponto importante, segundo ele, é a conhecida violência obstétrica durante os trabalhos de parto, que, infelizmente, faz parte da realidade brasileira, levando muitas mulheres a optar por um procedimento mais rápido e com menos dores.

Por sua vez, Dr. Élvio diz que não é contra o parto cesárea, pois o risco de contaminação é menor que no parto normal, assim como o bebê tem bem menos chances de complicações. Mas reconhece que é preciso ter bom senso, pois a incidência de cesárea no Brasil é alarmante: há hospitais nos quais mais de 90% dos partos são feitos por cesárea.

“Para um parto normal, é fundamental boa assistência, o que, infelizmente, nem sempre acontece. É necessário sempre a presença de profissional especializado, seja médico ou enfermeira obstetra, com monitoramento constante do bebê em trabalho de parto, além de ter sempre a equipe preparada para as emergências”, considera.

Respeitando todos esses requisitos, Dr. Élvio diz que teríamos maior incidência de partos normais, com altas hospitalares que poderiam ser dadas no dia seguinte, desde que equipes visitassem as residências das mães para avaliação do bebê e da mãe, bem como para colher os exames necessários, como o teste do pezinho.

De fato, de acordo com ele, para estimular o parto normal no país, primeiramente é preciso um bom pré-natal, com orientação e atenção adequada a todas as gestantes. O curso de pré-natal e parto também é recomendável. “Mas o importante é capacitar os hospitais, principalmente os públicos, a ter uma equipe multidisciplinar para acompanhar o trabalho de parto, com realização de analgesia intraparto e orientação adequada à gestante”, expõe.

O médico ressalta que a gestante que já chega ao hospital preparada, sabendo das dores das contrações, do tempo aproximado do parto e do quanto isso é importante para seu bebê, aceitará bem mais tranquilamente esse período, doloroso, mas muito gratificante, que é o trabalho de parto.

Lições

Para o Brasil se aproximar do modelo de atendimento empregado na Europa, é preciso que as maternidades tenham equipe completa de plantão, com médicos obstetras, neonatologistas, anestesistas e enfermagem obstétrica, seguindo protocolo baseado nas melhores evidências. “Isto daria segurança às parturientes para optar por esse tipo de parto, o que é um passo fundamental na manutenção da tendência de queda no número de cesáreas no país”, diz Olímpio, da Febrasgo. Em relação à alta precoce, com menos de 24 horas, infelizmente, ele reconhece que as condições de implementação perpassam o modelo de saúde.

Para o Dr. Élvio, a mensagem que fica é: não importa se é realeza ou plebeu, é possível ter um parto digno, com tranquilidade. “A duquesa saindo do hospital linda e tranquila mostrou para todo mundo que o parto normal é a melhor opção para a gestante e o bebê, desde que bem acompanhado e sem patologias, como foi o caso.”

O médico espera que as autoridades de saúde usem esse exemplo como lição, para modificar a conduta em relação ao tempo de internação e à assistência ao parto normal ou cesárea, bem como intensifiquem as visitas domiciliares, pois sabe-se que o bebê é melhor protegido na presença da mãe.

Epidemia de cesáreas

Para reduzir o número de cesáreas praticadas no mundo, a OMS publicou em fevereiro último novas recomendações sobre padrões de tratamento e cuidados relacionados a mulheres grávidas. De acordo com a entidade, 140 milhões de nascimentos ocorrem no mundo a cada ano. A maioria sem complicações. Mesmo assim, nos últimos 20 anos, médicos aumentaram o uso de intervenções que antes eram feitas apenas para evitar riscos e tratar complicações, como cesáreas e a infusão de oxytocin para acelerar o parto.

A entidade alerta que, nos últimos anos, uma “proporção substancial” de grávidas saudáveis foi alvo de pelo menos uma intervenção durante o parto. Entre as 56 medidas anunciadas estão a melhor comunicação entre os médicos e as mães e permitir que as mulheres também possam opinar sobre sua administração da dor durante o processo de dilatação e posições para o parto.

De acordo com dados de 2016 da OMS, o Brasil é um dos líderes em cesáreas no mundo. O aumento nas práticas em partos se transformou em uma “epidemia”. A entidade estima que a taxa média mundial de cesáreas seria de 18,6% dos partos. Em 1990, esse índice era de apenas 6%.

Em média, a porcentagem de cesáreas hoje na Europa é de 25%, contra 15% há 20 anos. Já nos Estados Unidos, é de 32,8%. No Brasil, os dados de 2016 mostram que 55,6% dos partos no país foram cesáreas, a segunda maior taxa do mundo, superada apenas pela da República Dominicana, com 56%.

Matéria originalmente publicada na Revista Hospitais Brasil edição 91, de maio/junho de 2018. Para vê-la no original, acesse: portalhospitaisbrasil.com.br/edicao-91-revista-hospitais-brasil

Redação

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