O desenvolvimento de um Estado Regulador, somado à crescente evolução das corporações empresarias, trouxe ao debate a importância e o destaque que a área de Compliance vem ganhando dentro dessas corporações, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte, visando a gestão de risco e o cumprimento das regras e normas que geram impacto em seus negócios. E é com absoluta convicção que afirmamos que o setor de Saúde – aqui visto como todo o sistema – é um dos setores que mais necessita criar e desenvolver uma área de Compliance forte e ativa para auxiliar no desenvolvimento do negócio, gerando inclusive valor ao segmento, conforme veremos mais à frente.
O setor de saúde tem como uma de suas principais características a interação multiprofissional no desenvolvimento de suas atividades, com profissionais de diversos segmentos e com regras variadas em cada um desses segmentos, o que expõe todos os envolvidos a uma gigantesca malha de normas e regras a serem observadas e seguidas.
Mas, talvez, o que torna a área de saúde tão instigante e desafiadora dentro desse contexto de criação e desenvolvimento da área de Compliance, seja o fato de ao final da prestação de serviço estar o bem maior de um ser humano (assim acreditamos): a sua saúde.
Pacientes, médicos, hospitais, operadoras e seguradoras de saúde, laboratórios, indústria farmacêutica, dentre outros, são atores de um filme que vem sendo visto e revisto todos os dias, por toda a sociedade, e sofrendo críticas e elogios, talvez mais críticas é bem verdade, mas onde todos acreditam que seja ainda possível criar um sistema mais equilibrado e eficaz e acreditamos que a área de Compliance pode ter papel relevante na busca por esse sistema.
Não são poucas as hipóteses em que podemos destacar o papel do Compliance na geração de valor ou gestão de risco no segmento de saúde, mas apenas a título ilustrativo, e tendo por base as informações tornadas públicas pelos periódicos disponíveis a todos, trazemos a questão envolvendo a divulgação em grupo restrito a profissionais da área médica, em aplicativo de conversa instantânea, onde supostamente o profissional, antes mesmo da divulgação pública (se assim fosse permitido), enviou resultados de exame para troca de “opiniões” clínicas, sem autorização da família ou mesmo da instituição hospitalar a qual estava vinculado, conforme prevê a regulação do tema ou ainda o código de conduta da própria instituição.
Após uma apuração interna da unidade hospitalar decidiu-se por desligar o profissional por justa causa, medida essa que, respeitada a decisão em questão, traz a debate todo o processo de gestão de risco desenvolvido nas instituições ligadas a área de saúde, pois entendemos que dentre os pilares de um bom programa de Compliance, como por exemplo (a) envolvimento da alta administração, (b) códigos de conduta, (c) treinamento constante, (d) canais de denúncia, dentre outros, o item relativo ao monitoramento e treinamento dos profissionais envolvidos poderia ter mitigado sobremaneira a exposição de todos, paciente, profissional médico e instituição envolvidos.
A experiência mostra que a resistência que prevaleceu durante muitos anos dentre os profissionais e empresas do setor de saúde quanto ao conhecimento e acompanhamento dos riscos envolvidos nas suas atividades, deu lugar à correta percepção de que um programa amplo e bem planejado de Compliance protege a todos de eventuais danos advindos do desrespeito às normas, pois os constantes treinamentos e o envolvimento de todos na criação de uma política de pleno conhecimento dos riscos inerentes às atividades – sob a ótica preventiva, permitem uma rápida ação instrutiva e corretiva nas dúvidas levadas à análise ao setor de Compliance.
Importante ainda destacar que o conhecimento amplo das normas e regras que agem no segmento de saúde, onde o caráter regulatório é bastante presente, seja através das Agências Reguladoras, seja pelas Entidades de Classe dos profissionais que atuam neste segmento, ou mesmo as normas legais gerais que também surtem efeitos neste sistema, é fator fundamental para a criação e desenvolvimento de uma área de Compliance atuante e respeitada.
Por fim, mas não menos importante do que o papel orientador e corretivo da área de Compliance, temos a clara visão de que qualquer ator deste sistema que venha a passar por um processo de M&A durante sua trajetória, terá benefícios financeiros importantes ao manter em sua estrutura administrativa uma área de Compliance, pois mostrará com rapidez e segurança aos envolvidos no processo o respeito às pessoas e normas envolvidas no desenvolvimento de seu negócio, inclusive, na apuração de eventuais passivos existentes, mormente aqueles não contabilizados, trazendo efetivamente valor financeiro ao seu serviço ou produto.
É com esse olhar de atenção às normas e regras do setor que pretendemos seguir analisando o segmento de saúde, auxiliando no seu desenvolvimento e buscando a cada dia uma saúde de qualidade às pessoas que se valem do sistema privado e público, nunca esquecendo que o ator mais importante desta trajetória será sempre o ser humano, objetivo maior do cenário aqui apresentado.
Ricardo Ramires Filho é advogado, sócio do Dagoberto Advogados, especializado e pós-graduado em Direito Empresarial na área da Saúde, Membro Efetivo da Comissão de Estudos Sobre Planos de Saúde e Assistência Médica e Coordenador do Comitê de Estudo Sobre a Atenção Domiciliar da OAB/SP. Cursou, também, “Sistemas Privados de Saúde e Reforma do Sistema de Saúde Americano”, pela Harvard School of Public Health
Cláudio Carneiro é Consultor Jurídico do Dagoberto Advogados, especialmente, para a implementação de Compliance