O conceito de compliance existe desde a década de 1990, mas só recentemente começou a ganhar força no Brasil, em especial no setor de Saúde. O termo remete a agir de acordo com uma regra, instrução interna, comando ou pedido. Estar em “compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos – o que garante no contexto da Saúde transparência e, consequentemente, ganho de qualidade e segurança ao paciente ao mitigar atos de corrupção, danos financeiros e até questionamentos à moral.
Vivemos em um país onde casos de corrupção fazem parte do dia a dia do noticiário. Na Saúde, ouvimos falar sobre fraudes em Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs) e até de relações nebulosas entre alguns profissionais e a cadeia produtiva. O compliance se torna peça chave para a gestão estratégica de organizações que querem, acima de tudo, demonstrar essa transparência nas relações – tarefa que não é nada fácil, mas precisa ser encarada com dedicação.
A questão é que estar em compliance vai muito além de apenas estar em conformidade. Antes é preciso estabelecer com o que se está e promover um estado de conformidade. É imprescindível a organização mapear profundamente os riscos e normas externas a que suas atividades estão sujeitas – incluindo aí, especialmente, aquelas que têm impacto direto na assistência. Como esses aspectos são muitos e mudam frequentemente no Brasil, criar um programa de compliance exige pessoal dedicado e tecnologia de ponta para acompanhar esse complexo conjunto de regulações, com objetivo de promover a máxima eficácia e proporcionar, também, mais segurança para o paciente. Afinal, com um bom compliance em andamento, garante-se que não serão pedidos exames ou outros procedimentos sem necessidade ou que o prestador de serviço tem algum acordo com a indústria farmacêutica ou de equipamentos na hora de prescrever um tratamento, por exemplo.
Nesse sentido, a tecnologia é aliada da gestão ao permitir um acompanhamento mais preciso e em tempo real de todos os processos que envolvem a assistência. O status de Hospital Digital passa a ser um diferencial na hora de adotar e fazer cumprir um programa de compliance. Os sistemas de gestão e ferramentas permitem conhecer com mais profundidade quais são os riscos inerentes às atividades, bem como os responsáveis por cada uma das etapas e, assim, agir para conter ou mesmo evitar totalmente as intercorrências.
Com riscos e normas inerentes às atividades mapeadas, digitalizadas e conectada, é hora de determinar como cada profissional deverá se comportar. Um exemplo clássico de uma boa política de compliance envolve a conduta a ser adotada por médicos em relação a presentes e outras vantagens oferecidas por representantes da indústria farmacêutica – prática muito comum no Brasil e para a qual não há legislação nacional específica. Mas há iniciativas nesse sentido, como a que ficou conhecida como “Sunshine Act Mineiro”. O governo do Estado de Minas Gerais criou uma lei específica que obrigada instituições do setor a declarar oficialmente todas as relações que configurem potenciais conflitos de interesses entre profissionais e a indústria da Saúde.
O Acordo Setorial Ética Saúde também regulamenta as práticas técnicas costumeiras quando o assunto são as palestras, patrocínios de eventos e concessão de brindes. Há ainda incentivo claro da Associação de Tecnologia Médica Avançada (AdvaMed), que representa os fabricantes e distribuidores de tecnologia médica, para que organizações de Saúde criem programas de compliance. Entre os elementos para a eficácia desses programas, a organização destaca, em primeiro lugar, que as políticas e procedimentos sejam relacionados por escrito. Além disso, indica a criação de um departamento de compliance e de um comitê de ética, além de programas de treinamento e linhas de comunicação efetivas entre gestão e profissionais.
Por aí já é possível ter uma boa ideia de como incluir um programa de compliance na estratégia empresarial da organização de Saúde. A urgência de colocar o conceito em prática não está apenas na questão de evitar perdas financeiras por fraudes e irregularidades. Cada vez mais o mercado brasileiro mostra que organizações que não forem transparentes nas suas condutas serão excluídas. Portanto, ética e compliance significam, a longo prazo, a sobrevivência do setor como um todo. E, para isso, a tecnologia é um caminho sem volta.
Paulo Magnus é presidente da MV