Com o avanço da Ciência nos estudos da cannabis medicinal, pesquisadores buscam compreender, cada vez mais, os benefícios das diferentes substâncias extraídas da planta. Para o neurologista Flávio Rezende, mestre e doutor em Neurologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o canabigerol (CBG) representa uma nova fronteira entre os fitocanabinoides existentes. “Diversos estudos pré-clínicos apontam o CBG como potencial substância no tratamento de sintomas não atendidos em diversas condições médicas – como a esclerose múltipla e a doença de Parkinson”, revela Dr. Flávio Rezende. Um dos benefícios é a ausência de efeitos psicotrópicos, já que não altera o humor ou estado psicológico do paciente.
O canabigerol foi descrito pela primeira vez em 1964 pelo pesquisador Raphael Mechoulam, o ‘pai da cannabis moderna’, mas seu mecanismo de ação só começou a ser descoberto recentemente. Estudos pré-clínicos utilizando células e modelos animais demonstram seu potencial terapêutico para diversas indicações. “Modelos de pesquisa pré-clínicos in vivo demonstraram que o CBG possui efeito imunomodulador muito potente. Isso abre as portas para realização de pesquisa em humanos, principalmente quando inflamação e a neurodegeneração coexistem”, explica Dr. Flávio Rezende, que também é diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Health Meds.
Estudos mostram que o CBG mostrou uma importante ação neuroprotetora na doença de Parkinson, reduzindo os níveis de marcadores e reações inflamatórias. Já na esclerose múltipla, derivados do CBG mostraram melhora na atividade motora, redução na expressão de moléculas pró-inflamatórias e diminuição da atividade de células inflamatórias no cérebro.
O neurologista revela que, em breve, será realizado o primeiro estudo em humanos com canabigerol em todo o mundo. “Estamos protocolando no Brasil um estudo clínico de fase II para analisar o uso de formulações com canabigerol em pacientes com doença de Parkinson. Nosso foco também está direcionado à investigação de doenças que cursam com dor crônica, insônia, depressão e apatia, como a esclerose múltipla”, diz Dr. Flávio Rezende.
Mecanismo de ação
O canabigerol é uma molécula precursora dos fitocanabinoides e está presente em apenas 1% da planta cannabis, mas com um efeito extremamente potente nos receptores CB2 que estão relacionados ao funcionamento do sistema imunológico e dos nervos periféricos.
O CBG também é um potente agonista de PPARs, fatores de transição que sinalizam a inflamação dentro do núcleo da célula. Esses fatores funcionam como mensageiros nos processos antioxidantes e anti-inflamatórios no organismo. Quando os PPARs são ativados, estimulam o organismo a diminuir a inflamação e agem como um efeito antioxidante.
Propriedades do canabigerol em estudo:
- Ação analgésica e anti-inflamatória
Existe um número crescente de evidências mostrando que os canabinoides reduzem a sensibilidade à dor pela ação potencial associada à inflamação. A substância tem sido estudada no tratamento de doenças inflamatórias intestinais, como na colite ulcerativa. Estudos iniciais mostram que o canabigerol tem 80 vezes mais potência do que o poder anti-inflamatório do ácido acetilsalicílico.
- Propriedade antibacteriana
O canabigerol possui atividade contra bactérias, microbactérias e até mesmo fungos, sendo mais potente que outros fitocanabinoides como THC, CBD e canabicromeno.
- Potencial atividade antitumoral
Além de reduzir náuseas e vômitos associados à quimioterapia, o uso de canabinoides tem demonstrado potencial em inibir o crescimento de células cancerígenas. Em estudos pré-clínicos, o CBG foi capaz de reduzir a proliferação de células humanas de câncer de mama, próstata, carcinoma colorretal e adenocarcinoma gástrico.
- Potencial atividade redutora da pressão intraocular
Estudos pré-clínicos demonstram que o CBG promove redução da pressão intraocular através do aumento da drenagem de fluidos oculares, sendo promissor para o tratamento do glaucoma.
Entenda a Cannabis Medicinal
A cannabis medicinal possui mais de 480 substâncias químicas, sendo que 150 destes compostos, denominados fitocanabinoides, são os mais estudados, com o THC (Tetrahidrocanabinol), o CBD (Canabidiol) e o CBG (Canabigerol). Eles são capazes de ativar receptores canabinoides (CB1 e CB2) em diversos tecidos dos nervos periféricos, Sistema Nervoso Central (SNC) e sistema imunológico. Esse funcionamento complexo é responsável por uma série de funções fisiológicas, incluindo a memória, o humor, o controle motor, o comportamento alimentar, o sono, a imunidade e a dor.
Com base em estudos variados em fase II, fase III ou observacionais, as principais indicações para o uso de produtos de cannabis são ansiedade, demência com agitação, distúrbios do sono secundários a doença neurológica, doença de Parkinson (sintomas não-motores), dor crônica, epilepsia (Dravet e Lenox Gastaut), esclerose múltipla (sintomas urinários, dores, espasticidade), esquizofrenia, síndrome de estresse pós-traumático e Síndrome de Tourette.