Para ser efetiva, uma política pública de saúde precisa sair do papel. O acesso a tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) requer várias etapas. Ou seja, para que um medicamento chegue gratuitamente ao paciente pela rede pública, existe um processo que precisa ser cumprido. Acontece que muitas vezes o tempo das pessoas que precisam de tratamento não corre na mesma velocidade da implementação das políticas públicas.
A pandemia do novo Coronavírus nos ensina que precisamos dar atenção às doenças pulmonares. A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma doença caracterizada por enfisema pulmonar e bronquite crônica e está presente em cerca de 10% da população e em aproximadamente 15% dos adultos com mais de 40 anos de idade da cidade de São Paulo. A doença está associada, principalmente, à exposição ao fumo, poluição, poeira e produtos químicos. O cigarro é o responsável pela maioria dos casos.
Quem tem DPOC convive com sintomas como falta de ar e tosse crônica. A doença é progressiva e pode ser incapacitante, levando à falta de ar e cansaço ao realizar atividades simples do dia a dia. A prevalência da doença entre os brasileiros é de cerca de 17%. A DPOC é a quinta causa de morte entre todas as idades. Nas últimas décadas, foi a quinta maior causa de internação no SUS. E estamos falando de uma doença altamente subdiagnosticada, de muitos pacientes para poucos médicos especialistas e centros de referência.
Por trás de tantos números, há histórias de vida. Há solidão e desamparo. Há sofrimento social. São afastamentos por doença no trabalho, aposentadorias precoces, mortes prematuras. Um sofrimento que afeta a vida de toda a família.
E é aqui que entra o fator tempo. No dia 22 de novembro de 2021, foi publicada no Diário Oficial da União a portaria que aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença (PCDT) Pulmonar Obstrutiva Crônica, que não era atualizado desde 2013. Os protocolos são documentos que norteiam o conceito da doença, os critérios de diagnóstico, os critérios de inclusão e de exclusão e o tratamento no SUS.
A lei diz que após essa publicação no Diário Oficial, o governo tem 180 dias para fornecer o tratamento. Ou seja, seis meses. O protocolo aumentou o rol de medicações que podem ser utilizadas no tratamento. Acontece que dez meses depois da atualização do protocolo de tratamento da DPOC, o documento ainda não é realidade em boa parte do país.
Tivemos avanços, é preciso reconhecer. Mas é urgente que as tecnologias incorporadas ao SUS cheguem aos pacientes e possam dar a eles mais qualidade de vida. Vários médicos especialistas com quem conversamos são enfáticos em dizer que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são o segredo para oferecer um melhor cuidado a essas pessoas. É preciso informação e educação, para que as equipes de saúde levem em consideração a história de exposição à fumaça quando o paciente apresentar falta de ar, cansaço e tosse. Com o diagnóstico precoce, vamos ao segundo passo: o tratamento individualizado e adequado para cada pessoa. O protocolo de tratamento trouxe um ganho de dispositivos inalatórios e de classes terapêuticas possíveis. A forma como a medicação é disponibilizada ao paciente é um diferencial nas doenças respiratórias. Cabe ao médico, em diálogo com o paciente, adequar o melhor tratamento para cada paciente.
São muitos os desafios para cuidarmos das pessoas que têm DPOC. Como possibilitar que elas tenham acesso à reabilitação pulmonar perto de casa, que não precisem percorrer longas distâncias – muitas vezes, com o cilindro de oxigênio – até chegar a um centro de referência. E também que recebam o tratamento já disponibilizado no SUS.
Para acompanhar a disponibilização do tratamento adequado no SUS, nós criamos uma página especial: protocolodedpoc.com.br. Nela, pacientes, familiares e interessados no tema podem verificar se o tratamento já está atualizado no Estado onde moram e como reivindicar seus direitos junto aos órgãos competentes. A participação de toda a sociedade é fundamental para que as políticas públicas sejam concretizadas e fortalecidas.
Flávia Lima é jornalista, especialista em Saúde Coletiva e em Comunicação em Saúde pela Fiocruz Brasília e presidente da ABRAF