Qual o papel das empresas de saúde no Brasil de hoje? Em um cenário de constantes desafios, com uma população que envelhece e um sistema de saúde que enfrenta pressões crescentes, a resposta a essa pergunta é mais urgente do que nunca. As empresas de saúde têm a oportunidade de desempenhar um papel central na transformação desse cenário. O caminho? A adoção de modelos inovadores que não apenas priorizem os resultados para os pacientes, mas que também otimizem os custos e evitem a sobrecarga do sistema de saúde.
E como é o Brasil de hoje? De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa deve representar 25,5% dos brasileiros até 2060[1]. Esse cenário de envelhecimento populacional impõe novas demandas e desafios ao sistema de saúde, uma vez que o aumento da longevidade está diretamente ligado à maior necessidade de cuidados médicos especializados. Ao mesmo tempo, estamos vivendo um momento de avanços médicos sem precedentes. Na oncologia, por exemplo, vemos inovações que transformam o tratamento da doença, como terapias celulares, anticorpos biespecíficos, imuno-oncologia e estratégias de targeting tumoral. No entanto, enquanto a medicina evolui, o crescimento econômico do país não acompanha essa revolução tecnológica. Com uma projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 3%[2], o Brasil não enriquece na mesma velocidade em que as soluções médicas se tornam mais sofisticadas.
Diante desse cenário de crescente demanda por cuidados de saúde e recursos limitados, surge a necessidade de modelos que não apenas promovam a inovação médica, mas que também garantam sustentabilidade ao sistema. Nesse contexto, a Saúde Baseada em Valor (Value-Based Healthcare, ou VBHC) se destaca como uma abordagem revolucionária. Esse modelo coloca o paciente no centro do sistema de saúde, mudando o foco dos processos para os desfechos clínicos. Ou seja, em vez de remunerar os prestadores de serviços por volume de atendimentos, o VBHC propõe que os pagamentos sejam atrelados aos resultados de saúde alcançados. Essa transformação promete não apenas aumentar a eficiência do sistema de saúde, mas também melhorar significativamente a qualidade de vida daqueles que são o centro de quem atua no setor, os pacientes.
Mas o que realmente significa “valor”? Embora esse conceito possa variar e ser complexo, no contexto da saúde ele se traduz em alcançar os melhores resultados possíveis para a população, garantindo uma experiência de cuidado de qualidade e utilizando os recursos de forma eficiente — o que é diferente de simplesmente buscar o menor custo.
É aqui que entra o papel fundamental das empresas e organizações de saúde. Além de trazer inovações, é necessário adotar uma visão holística na gestão de diferentes especialidades médicas, promovendo tratamentos mais eficazes, investindo em educação continuada e construindo pontes entre os diversos players envolvidos no ecossistema de saúde.
Há um receio constante de que o sistema de saúde possa colapsar, mas a verdade é que, se ele continuar nos moldes atuais, se tornará cada vez mais oneroso e insustentável. A indústria de saúde ocupa uma posição estratégica nesse cenário, já que, mais do que simplesmente fornecer medicamentos e tecnologias, temos a responsabilidade de atuar como catalisadora de discussões sobre uma gestão de saúde inovadora. Ao fomentar e liderar diálogos entre governos, prestadores de serviços, operadoras e pacientes, o setor pode propor soluções eficazes para questões urgentes, como o envelhecimento da população, o aumento das doenças crônicas e a limitação de recursos financeiros.
Precisamos redefinir conceitos, colocando o paciente no centro do cuidado e promovendo a colaboração entre equipes e sistemas de saúde. A partir dessa mudança, é possível pensar em um novo modelo de remuneração, que deve ser uma consequência natural da busca pela melhoria do cuidado, e não o ponto de partida. A indústria de saúde tem o poder de liderar esse movimento, impulsionando a criação de um futuro em que o paciente esteja verdadeiramente no centro das decisões e os recursos sejam utilizados de forma eficiente e estratégica.
Somente por meio dessa visão conjunta, será possível superar os desafios e entrarmos em uma era em que estejamos preparados – governo, indústria, organizações e todos os players do setor – para atender às demandas de uma população que envelhece, ao mesmo tempo em que se beneficia dos avanços tecnológicos. Com a inovação, o diálogo e o foco nos desfechos clínicos, podemos construir um caminho mais sustentável e saudável para todos.
Stephen Stefani é médico oncologista e preceptor da residência médica do Hospital do Câncer Mãe de Deus em Porto Alegre. Ele também é ex-fellow da University of California, em São Francisco, nos Estados Unidos. Atua também como professor da Farmacoeconomia da Fundação Universidade UNIMED. É membro da International Society of Pharmacoeconomics and Outcome Reseach (ISPOR). Além disso, é editor do Jornal Brasileiro de Economia da Saúde.
Claudio Santiago é diretor de Acesso ao Mercado da AbbVie no Brasil. Possui anos de experiência na indústria farmacêutica, sendo bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal do ABC (UFABC), MBA Executivo em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (GFV)), além de especialização em Strategic Change Manangement na Kellogg School of Management em Chicago, nos Estados Unidos.
Referências:
[1] https://portalantigo.ipea.gov.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=33875
[2] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/piso-de-crescimento-do-pib-de-3-em-2024-ja-esta-contratado-afirma-ministro-da-fazenda#:~:text=A%20nova%20proje%C3%A7%C3%A3o%20oficial%20de,ministro%20da%20Fazenda%2C%20Fernando%20Haddad.